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18/11/2025

“A história passa pelo cartório”: Serjus-Anoreg/MG enaltece a Consciência Negra com memórias do 1º Registro de Imóveis de Itapecerica

Oficiala Eloísa Afonso Rios detalha sobre a preservação do patrimônio, além de narrar sua trajetória envolvida por conquista e desafios à frente da serventia

Neste Mês da Consciência Negra, a Associação dos Notários e Registradores do Estado de Minas Gerais (Serjus-Anoreg/MG) destaca uma entrevista de profundo significado histórico e social com a oficiala Eloísa Afonso Rios de Itapecerica, titular do 1º Ofício do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas da Comarca de Itapecerica (MG). A conversa revela como a história do Brasil, em seus aspectos mais dolorosos, está literalmente registrada e preservada dentro das paredes do cartório, servindo como um instrumento de reflexão e valorização da população negra.

Ao assumir a serventia em 2007, a oficiala Eloísa Afonso Rios foi impactada pela descoberta do Livro de Registro de Penhor de Escravo, datado de 1873. Este acervo, que documenta a compra e venda de seres humanos como mercadoria, com a cobrança de juros e o registro de crianças escravizadas a partir dos dois anos de idade, é um testemunho da escravidão em Minas Gerais e mostra como o serviço notarial e registral pode ser um agente ativo na luta antirracista.

"Esses registros dão voz às pessoas escravizadas e que foram silenciadas por anos, permitindo-nos compreender como a escravidão moldou as estruturas sociais, as desigualdades e o racismo que persistem até hoje”, lamentou Eloísa.

A oficiala ressalta que a grande contribuição deste acervo histórico é "despertar a comunidade para a valorização da população afrodescendente", transformando o cartório em um ponto de referência para professores, historiadores e pesquisadores interessados no resgate da memória e da identidade dos antepassados escravizados. A preservação cuidadosa deste documento, que exige luvas e máscaras para manuseio, simboliza o respeito e a importância de manter viva essa memória.

Além da guarda deste patrimônio histórico, a entrevista aborda a trajetória de Eloísa, que também é ex-vereadora, e sua visão sobre as transformações sociais e tecnológicas que o cartório tem testemunhado, desde a pulverização de latifúndios até a informatização completa dos serviços.

Convidamos você a ler a íntegra desta entrevista e a refletir sobre o papel essencial dos cartórios na preservação da memória e na construção de uma sociedade mais justa e consciente.

Serjus-Anoreg/MG - Sabemos que o primeiro ato registrado na serventia foi um "penhor de escravos". Como foi para a senhora, como oficiala, se deparar com esses documentos tão sensíveis e o que eles revelam sobre a sociedade daquele período?

Eloísa Afonso Rios - Ao assumir o Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Itapecerica, em 2007, fui impactada pelo Livro de Registro de Penhor de Escravo, onde seres humanos, nos idos de 1873, eram comprados como mercadoria a ser utilizada nas lavouras da colônia. Um detalhe deprimente, dentre vários outros, era a cobrança de juros sobre as aquisições a prazo, sendo que os escravos eram relacionados pelo nome e idade variando entre 2 anos a 50 anos. Ou seja, as crianças já nasciam como escravas. Outro fato repugnante foi a transformação do Livro de Registro de Penhor de Escravos em Livro de Penhor de Boi, logo após a Abolição da Escravatura em 1888, o que evidencia a exata dimensão daquela prática desumana do tráfico humano, onde escravos e bois eram objetos do mesmo gênero.

Serjus-Anoreg/MG - Qual a importância de manter e preservar esses registros históricos, como os de escravos, para a compreensão da nossa história e para a conscientização sobre o passado?

Eloísa Afonso Rios - Esses registros dão voz às pessoas escravizadas e que foram silenciadas por anos, permitindo-nos compreender como a escravidão moldou as estruturas sociais, as desigualdades e o racismo que persistem até hoje. Esses registros assinalam para as gerações presentes e futuras as injustiças cometidas contra um povo indefeso. E a grande contribuição deste deprimente acervo histórico é despertar a comunidade para a valorização da população afrodescendente, servindo como fonte de aprendizado e reflexão valiosa para historiadores, estudantes e pesquisadores.

Serjus-Anoreg/MG - Existem pesquisadores ou historiadores que buscam esses registros? Como o cartório lida com a demanda por acesso a esses documentos antigos e qual o papel do registrador na garantia da sua integridade e disponibilidade para estudos?

Eloísa Afonso Rios - O cartório é sempre procurado por professores, historiadores e pessoas interessadas no resgate da memória e da identidade desses irmãos escravizados e silenciados por séculos dentro de um determinado contexto histórico. O cartório toma todas as iniciativas necessárias para manter a integridade do Livro, oferecendo luvas e máscaras para todos que manusearem as folhas já ressecadas e amareladas pelo tempo, evitando assim contaminação por fungos, ácaros e similares bem como a deterioração do documento.

Serjus-Anoreg/MG - Desde a sua fundação, o cartório testemunhou grandes transformações sociais e tecnológicas. Quais foram os marcos mais significativos na história do Cartório de Itapecerica, além dos registros de escravos, que a senhora considera importantes de serem destacados?

Eloísa Afonso Rios - O cartório vem testemunhando grande transformação social, e eu como admiradora da história, tenho observado vários aspectos:

  1. Percebo a queda vertiginosa da taxa de natalidade nos atuais Formais de Partilha oriundos de Inventário, Separação Judicial e Divórcios, onde constam 1 ou 2 herdeiros/filhos, em oposição ao grande número de herdeiros arrolados nos Formais de Partilha mais antigos e trazidos para registro no momento presente.
  2. O crescimento da população urbana é evidenciada pela crescente proliferação de loteamentos que surgem com grande rapidez, pontuando o constante êxodo rural que se iniciou na década de 1960 e se prolonga com menos celeridade atualmente.
  3. O acúmulo de desmembramentos de áreas rurais aponta para a pulverização dos grandes latifúndios em pequenas propriedades rurais, sempre acompanhados de descaracterização do imóvel rural para urbano, chacreamentos, etc.

Resumindo, “A HISTÓRIA PASSA PELO CARTÓRIO”

Quanto às transformações tecnológicas, o cartório testemunhou grandes avanços desde que assumi a serventia, pois até então a única ferramenta de trabalho de meu antecessor era a máquina de escrever mecânica, apesar de já existir a máquina elétrica e alguns recursos tecnológicos disponíveis no mercado àquela época.

Serjus-Anoreg/MG - A senhora mencionou que o acervo foi revisado e o cartório passou por um processo de informatização e digitalização em 2018. Como essa modernização impactou o dia a dia do trabalho e a prestação de serviços à população?

 Eloísa Afonso Rios - O processo de informatização e digitalização impactou profundamente o trabalho no cartório, trazendo avanços significativos em eficiência, segurança e transparência, permitindo que atividades que antes exigiam tempo e manuseio físico passaram a ser realizadas de forma mais ágil e organizada. O acesso eletrônico ao registro permite consultas e certidões on line, melhora o controle interno e a rastreabilidade das informações, fortalece a segurança jurídica, contribuindo para a sustentabilidade ao diminuir o uso de papel e o espaço físico destinado aos arquivos. A informatização transformou o cartório em um ambiente moderno, eficiente e confiável.

Serjus-Anoreg/MG - O cartório foi premiado na categoria Ouro do Prêmio de Qualidade Total Anoreg/BR (PQTA) em 2022. O cartório se prepara para participar novamente?

Eloísa Afonso Rios - Outubro de 2025, foi um mês pródigo em certificações, sendo considerado um divisor de águas neste Oficio de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas. Fomos certificados com NBR ISO 15.906:2021, sem nenhuma inconformidade, pavimentando assim nosso esforço para receber o Prêmio de Qualidade Total Anoreg/BR 2025 – PQTA na categoria DIAMANTE, a ser auditado em 30/10/2025, além de termos conquistado o Selo Azul RARES-NR DE RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL.

Outro grande avanço na gestão do cartório foi o meu MBA da Txai, que se encerrou neste mês de outubro de 2025, cujo tema foi “Formação de Gestores de Cartórios Extrajudiciais”. O Trabalho de Conclusão de Curso constou de um relato de experiência na serventia e o tema escolhido por mim foi: “O Impacto da Gestão de Pessoas no Clima Organizacional do Cartório”.

Serjus-Anoreg/MG - A senhora tem uma forte conexão com a comunidade de Itapecerica, tendo inclusive sido vereadora. Como essa proximidade se reflete no atendimento e na percepção da população sobre o trabalho do cartório?

Eloísa Afonso Rios - Como residente há 50 anos em Itapecerica e vereadora à Câmara Municipal por dois mandatos, tenho uma relação de proximidade e confiança com a população, construída ao longo de muitos anos de convivência, diálogo, escuta ativa e comprometimento com as demandas da comunidade. O contato diário com a população apresentou-me uma visão mais humana e sensível sobre o serviço público, despertando em mim a valorização do atendimento de qualidade e a busca de soluções que realmente façam diferença na vida das pessoas que procuram o cartório. Um comentário interessante: Antes, eu era a Eloísa do Dr. Doryval; na política, mudou o refrão: Dr. Doryval da Dra Eloísa; agora, sou conhecida como Eloísa do cartório. (risos)

Essa experiência político-social orienta meu modo de atuar com empatia, solidariedade, transparência, procurando servir bem com ética e responsabilidade e procurando sempre aplicar o “Jeito Disney de Encantar o Cliente”.

Serjus-Anoreg/MG - Há alguma outra história ou curiosidade marcante sobre o cartório ou sobre a sua experiência como oficiala que a senhora gostaria de compartilhar, que demonstre a singularidade e a relevância do trabalho registral?

Eloísa Afonso Rios - Como oficiala do Registro já vivenciei diversas experiências interessantes, outras curiosas, algumas sui-generis, mas todas igualmente importantes. Já recebemos Missa em Ação de Graças por viabilizar o registro de um Formal de Partilha bem antigo e problemático. Em outra ocasião um usuário de outra comarca, insatisfeito com a Nota de Devolução, ligou ameaçando ir ao cartório para quebrar tudo e, lá chegando, coincidentemente, chegou também um policial militar que fora buscar uma certidão. Resultado: o valentão entrou mudo e saiu calado.

Outro caso interessante que foi solucionado através da história, aconteceu quando um senhorzinho bem idoso chegou ao cartório, segurando um pedaço de papel amarelado pelo tempo, onde constava a doação de um terreno rural situado na cidade de São Gonçalo do Pará-MG, que lhe fora doado pela Mitra de Divinópolis. Quando cheguei ao cartório, ele já estava saindo, tristonho, cabisbaixo e eu lhe perguntei o que ele fora fazer ali. Ele me disse que queria uma certidão daquele imóvel, mas a colaboradora lhe informou que São Gonçalo do Pará pertencia à Comarca de Divinópolis, e, portanto, a certidão devia ser solicitada lá. Ocorre que a colaboradora desconhecia o fato de Divinópolis ter pertencido à Comarca de Itapecerica até o ano de 1911 e, portanto, o imóvel estaria registrado em Itapecerica e a certidão foi expedida naquele momento.

Fonte: Assessoria de Comunicação Serjus-Anoreg/MG

 


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