A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – CCJ da Câmara dos Deputados aprovou, na última semana, um projeto de lei que permite a continuidade do processo de divórcio e de dissolução de união estável após a morte de um dos cônjuges ou companheiros.
Trata-se do Projeto de Lei 198/2024, de autoria da deputada Laura Carneiro (PSD-RJ). Pelo texto, o falecimento de uma das partes não extingue automaticamente a ação, podendo os herdeiros prosseguir com o processo.
A relatora, deputada Maria Arraes (Solidariedade-PE), destacou que a medida “protege a autonomia da vontade e evita que situações indesejadas prejudiquem o direito do falecido e de seus herdeiros”.
Ao justificar a proposta, Laura Carneiro citou como exemplo o caso de uma mulher vítima de violência doméstica que morre antes da decisão judicial. Sem a possibilidade de decretação do divórcio post mortem, o agressor poderia herdar bens e obter benefícios previdenciários.
Se não houver recurso para votação no Plenário, o projeto seguirá para o Senado Federal.
A proposta agora seguirá para o Senado caso não haja recurso para votação no Plenário.
Direito personalíssimo
Atualmente, as ações de divórcio e de dissolução de união estável são consideradas de direito personalíssimo, ou seja, está diretamente ligado a uma pessoa específica e é intransferível e inalienável, como explica a advogada Maria Goreth Valadares, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Minas Gerais – IBDFAM-MG.
“Isso significa que a morte de um dos cônjuges ou companheiros durante o curso da ação resulta na extinção do processo quanto ao pedido de divórcio ou dissolução do vínculo. Isso acarreta implicações no Direito Sucessório e no Direito Previdenciário, pois o cônjuge sobrevivente pode se tornar herdeiro e beneficiário de eventual pensão por morte”, diz.
Ela acredita que uma lei permitindo que esse tipo de ação continue mesmo após a morte do autor ou da autora seria positiva, porque assim “a autonomia da vontade será respeitada, já que o pedido de divórcio representa uma manifestação de vontade clara”.
“Desde 2010, com a Emenda Constitucional – EC 66, criada com participação do IBDFAM, o divórcio depende apenas da vontade das partes. Nesse contexto, reconhecer o divórcio post mortem é importante para respeitar a vontade de quem pediu a separação, garantindo também os efeitos patrimoniais e sucessórios que dela decorrem”, pontua.
Como seria na prática?
A aprovação do projeto impediria que um cônjuge ou companheiro, que já estivesse em processo de divórcio ou dissolução de união estável, se tornasse herdeiro caso o outro morresse antes da sentença final, explica a advogada.
“Muitas vezes, essas ações ocorrem em meio a conflitos. Garantir que a outra parte não seja ‘beneficiada’ pela morte pode transmitir uma sensação de justiça aos demais herdeiros e respeitar a vontade de quem faleceu. Mesmo com a continuidade do processo, o objetivo será claramente delimitar o patrimônio”, ela esclarece.
Goreth Valadares destaca que, entre os desafios e controvérsias do projeto, está o fato de que, embora não trate diretamente de pensões por morte, o divórcio ou dissolução decretados após a morte pode gerar dúvidas sobre quem tem direito ao benefício do INSS. “O processo pode alterar quem é considerado dependente para fins previdenciários”, explica.
A especialista também alerta para situações em que a pessoa falecida tenha filhos de diferentes relacionamentos. “Alguns podem querer que o divórcio seja reconhecido, enquanto outros podem defender a manutenção do vínculo, o que pode gerar conflitos familiares”, acrescenta.
Além disso, ela aponta que o efeito retroativo da sentença pode se tornar um impasse. “A decisão do divórcio post mortem pode valer a partir da data do óbito, alterando o estado civil da pessoa falecida retroativamente. Isso pode gerar problemas ou controvérsias em contratos e negócios jurídicos realizados nesse período”, observa.
Fonte: Ibdfam