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17/07/2025

Artigo - Utilização indispensável pelo Judiciário do serviço extrajudicial para conciliações e mediações

Por Alberto Gentil de Almeida Pedroso

A existência de mais de 84 milhões de processos em andamento no país (conforme publicamente noticiado, em maio de 2024, pelo Conselho Nacional de Justiça) é um dado significativo da grande litigiosidade nacional, situação posta que exige de todo Poder Judiciário grande concentração de esforços para solução dos múltiplos processos.

São inúmeras as frentes sociais em que o Estado deve atuar para que se possa evoluir como nação — diminuição de conflitos, atuação leal em prestígio à boa-fé objetiva nas mais diversas relações jurídicas, tolerância com a diversidade, respeito ao próximo, dentre outros nortes igualmente nobres.

Limitando-se o campo de análise à problemática dos milhões de processos em andamento — ciente que a cada novo dia milhares de novas ações são distribuídas perante o Poder Judiciário —, o quadro tradicional de solução de conflito, na visão do CPC/1973, sempre foi a imposição unilateral de resposta por parte do Estado-juiz (mediante sentença) aos litigantes, após exaustivo processo judicial e o exaurimento do infindável sistema recursal brasileiro.

Resposta impositiva não é única oferta da Justiça

O prestígio da conciliação e da mediação surgem exatamente da identificação pela doutrina (capitaneada pela professora Ada Grinover e pelo desembargador paulista Kazuo Watanabe) e posteriormente pelo legislador (CPC/2015) de que a resposta judicial impositiva não é a única forma de prestação jurisdicional possível a ser oferecida pelo Estado. Afinal o modelo tradicional, por diversas vezes, em que pese solucionar o processo judicial não proporciona a solução dos conflitos. Não são poucas as situações em que a prolação da sentença, na ação judicial em curso, pelo Estado-juiz, com a fixação de culpas e responsabilidades, apesar de encerrar o processo, contribui para o aumento da tensão social, inflamando vencidos e vencedores a veladamente (ou não) prometerem novos embates.

Mauro Cappelletti e Bryant Garth salientam que:

O sistema jurídico japonês oferece exemplo conspícuo do uso largamente difundido da conciliação. Cortes de conciliação, composta por dois membros leigos e (ao menos formalmente) por um juiz, existe há muito tempo em todo o Japão, para ouvir as partes informalmente e recomendar uma solução justa. A conciliação pode ser requerida por uma das partes, ou um juiz pode remeter um caso judicial à conciliação[1].

A conciliação e a mediação objetivam findar a demanda (ou obstar a sua propositura), bem com pacificar o conflito, agindo na permanência de laços sociais ou afetivos.

Sobre a importância da conciliação e da mediação, o Conselho Nacional de Justiça, em oportunidade anterior, asseverou que:

Esse procedimento se constitui em um método de prevenção de litígios e funciona como opção alternativa ao ingresso na via judicial, objetivando evitar o alargamento do número de demandas nos foros e a abreviação de tempo na solução das pendências, sendo acessível a qualquer interessado em um sistema simples ao alcance de todos. […] A principal característica dessa modalidade de conciliação é a promoção de encontros entre os interessados, nos quais um conciliador buscará obter o entendimento e a solução das divergências por meio da composição não adversarial e, pois, ainda antes de deflagrada a ação (Projeto Movimento pela Conciliação, 2006, p. 4).

Novidade no CPC de 2015

O Código de Processo Civil de 2015 — Lei 13.105/2015 —, fortemente apoiado nos preceitos da Resolução nº 125/2010 do CNJ (sobre a política nacional de tratamento adequado de conflitos de interesses), prestigiou a conciliação e a mediação de maneira significativa — pois, além de dedicar inúmeros artigos aos institutos, também tornou regra obrigatória a realização de sessão de conciliação/mediação em todas as demandas judiciais, ressalvadas as hipóteses de dispensa de todas as partes para realização do ato conciliatório e de não admissão da autocomposição para o caso em julgamento.

É exatamente dentro do breve contexto fático e legal apresentados que o Conselho Nacional de Justiça, identificando a indispensabilidade do desenvolvimento da conciliação e mediação no país e reconhecendo a capilaridade e qualidade profissional do serviço extrajudicial, editou o Provimento n° 67/2018, em 26 de março de 2018, dispondo sobre os procedimentos de conciliação e de mediação nos serviços notariais e de registro do Brasil — consolidando, a posteriori, o tema no Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial (Prov. 149/2023) a partir do artigo 18 e seguintes (vale salientar que o tema também é disciplinado integralmente pela E. Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo, em seu Capítulo XIII, itens 84 e seguintes).

A regra administrativa referida, em que pese sua pouca adesão prática até então, recebeu contundente incentivo legislativo para prática da conciliação e mediação pela atividade extrajudicial, reforce-se, sob os argumentos da expressiva capilaridade do serviço (presente em todos os municípios do país) e altíssima qualidade técnica dos profissionais (afinal, os delegatários do serviço extrajudicial brasileiros são selecionados em concursos públicos de provas e títulos realizados pelo próprio Poder Judiciário). A Lei nº 14.711/23 incluiu o artigo 7º-A na Lei n° 8.935/94 e estabeleceu a competência notarial (não exclusiva) para prática da conciliação e mediação, bem como incrementou o sistema com a viabilidade da feitura de convênios e remuneração condigna para os notários (§ 3º, do artigo 7º-A, da Lei 8.935/94).

Assim, diante de todo quadro normativo administrativo e legal apresentado, mostra-se indispensável a reflexão sobre inúmeros aspectos (financeiro, gestão pública, atendimento do cidadão-litigante, rápida e eficiente multiplicação de centros de conciliação e mediação pelo país, dentre outros) quanto à real eficiência da mantença do modelo único de prestação do serviço de conciliações e mediações realizada pelos Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos (artigo 165 do CPC), normalmente custeados integralmente pelo Poder Judiciário e ainda em número insuficiente de unidades implantadas no País.

Convênio com cartórios para serviços extrajudiciais

Em breve compartilhamento de pensamento, sem embargos de posição em sentido contrário, acredita-se que é chegado o momento de os tribunais do país firmarem convênios sólidos com o serviço extrajudicial para que os cartórios brasileiros protagonizem o serviço de conciliação e mediação dos processos judiciais (por meio de conciliadores e mediadores capacitados, em serventias credenciadas e fiscalizadas pelo Poder Judiciário). A providência ventilada objetiva auxiliar o Estado e principalmente os jurisdicionados das mais diversas formas (aumentando a capilaridade do serviço, diminuindo o custo operacional do Estado, proporcionando maior proximidade do jurisdicionado com os locais de conciliação e mediação, dentre outras benesses), colocando em prática o modelo já criado pelos referidos textos administrativos (do CNJ e da própria CGJ/SP) e legislativo (artigo 7º-A, da Lei nº 8.935/94) em plena vigência.

Como é sabido, dispõe o Código de Processo Civil em seu artigo 165 que “os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição”.

O comando legal imposto no artigo 165 do Código de Processo Civil exigiu de todos os tribunais do país a criação, manutenção e custeio de uma estrutura estatal de grande porte para realização das sessões de conciliação e mediação.

Partindo-se da premissa que a conciliação e a mediação podem ser realizadas pelos delegatários do serviço extrajudicial (habilitada a serventia e capacitados os escreventes/conciliadores/mediadores e os próprios delegatários, nos moldes do regramento administrativo vigente da E. CGJ/SP, Cap. XII, Tomo II, com participação indispensável do Nupemec), conforme dispõe a Lei 8.935/94 e o Prov. 149/2023 do CNJ, bastaria a confecção de convênio institucional com o estabelecimento de rotinas e fluxos de trabalho para que todos os juízos dos respectivos tribunais encaminhassem os processos para fins de conciliação e mediação para prestação do serviço pelas serventias extrajudiciais habilitadas.

A proposta de reflexão apresentada almeja reduzir os custos fixos das despesas públicas dos tribunais com o serviço das conciliações e mediações, propiciando a realocação de recursos e pessoal para outras necessidades da gestão pública, aumentar significativamente o número de locais que prestam o serviço atualmente, ante a vasta capilaridade extrajudicial e ainda possibilitar que os jurisdicionados sejam atendidos mais rapidamente e em lugares mais próximos de suas residências (observando-se para tanto o domicílio indicado pelas partes na ação judicial) — sem qualquer prejuízo do poder de fiscalização do Poder Judiciário sobre a qualidade do serviço, como disciplinado no artigo 236, parágrafo 1º da Constituição.

[1] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Brian. Acesso à justiça. Tradução e revisão: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. p. 84.

Fonte: Conjur


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