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11/07/2025

Artigo - Quatro problemas práticos da conta notarial

O Marco Legal das Garantias, Lei 14.711, de 2023, instituiu a escrow account pública, velha conhecida de diversas operações, dos M&A a operações imobiliárias e do mercado de capitais, recebendo todo tipo de nome: conta-caução, conta fiduciária [1], conta vinculada, conta para centralização de recebíveis [2]

Funciona da seguinte maneira. Marcos vende participação societária a Matheus por R$ 1 milhão. Matheus tem seus motivos para não transferir todo o valor para Marcos. Por isso, as partes estabelecem que, implementadas certas condições, um valor depositado por Matheus para Marcos numa conta vinculada será transferido a este último. Dessa maneira, Marcos sabe que receberá o dinheiro, pois já foi depositado, e Matheus sabe que o dinheiro não sumirá sem que a participação societária seja transferida a ele.

Parece maravilhoso na prática, mas tem um problema. A conta vinculada privada não conta com previsão de segregação do patrimônio. Em virtude disso, Matheus pode transferir um valor para uma dessas contas e o valor dela ser constrito judicialmente por uma penhora, por exemplo, caso em que Marcos poderá perder a participação e ficar sem dinheiro de alguém que já está sendo processado por outrem. O oposto também poderia ocorrer, pois, tendo dinheiro a receber, o credor de Marcos poderia exigir a penhora dos valores da conta vinculada, caso em que Matheus se veria sem o dinheiro reservado para a participação societária. A celeuma jurisprudencial foi bem resumida neste artigo do Valor Econômico (aqui).

Para nos defender (?) desse problema, o Marco Legal das Garantias dispôs na Lei dos Cartórios (Lei 8.935, de 1994) que os tabeliães de nota podem gerir uma conta escrow própria, pública, diríamos, a tal conta notarial. Os valores aportados nessa conta são considerados patrimônio segregado do depositante e, por isso, não podem ser constritos por quaisquer ordens ou determinações, administrativas ou judiciais: conta vinculada ao negócio constituirá patrimônio segregado (Lei 8.935, de 1994, artigo 7º-A, §1º).

Não bastando a lei para regular esse assunto, foi necessária a celebração de um convênio entre o Conselho Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB–CF) e o Banco Safra, pelo menos até o momento, eis que outros convênios com outros bancos poderão ser celebrados, e a edição do Provimento 197/2025/CNJ, já reportado na ConJur (aqui). Ainda podemos ver outras normas no futuro, já que o Provimento dispõe que as Corregedorias-Gerais das Justiças dos Estados poderão baixar normas complementares sobre aspectos operacionais do serviço (art. 15).

Três problemas e uma pirraça

Nesse cipoal normativo que se nos defronta, três pontos nos chamam a atenção.

O primeiro é que a conta notarial não é tão barata assim, pois, embora nenhum custo adicional possa ser repassado pelo tabelião ao usuário do serviço (Provimento, artigo 11, caput), a lavratura de atas notariais não está coberta por essa proibição (idem, par. ún.). Então, se houver divergência entre as partes sobre o implemento das condições para liberação dos valores, o notário não pode decidir sobre a eficácia do negócio, nem sobre sua rescisão (Provimento, artigo 9º, par. ún.).

Aí surge a dúvida, pois o Marco das Garantias permitiu que os notários pudessem atuar como árbitros (Lei 8.935, de 1994, artigo 7º-A, III, incluído pela Lei 14.711, de 2023). Quer dizer que se certificarem o implemento de elementos negociais (inciso I) não poderiam atuar como árbitros (inciso III)? Ou o provimento foi além do devido e proibiu que as partes pudessem estabelecer cláusula compromissória ou compromisso arbitral em que outorgassem poder ao notário para arbitrar a questão? Ou devemos ler o provimento em sua estrita literalidade, dizendo que o notário não pode atestar eficácia nem rescisão, mas pode liberar o valor por certificar o implemento da condição? E se outro notário certificasse o implemento e as partes controvertessem sobre isso?

Outro problema não reside exatamente no provimento, mas na regulamentação concreta que está ocorrendo dele, pois, de acordo com o CNB (aqui), o período máximo de disponibilidade dos valores é 180 dias, prorrogáveis por mais 180 dias. Então, os valores podem ficar depositados por menos de um ano. Quer dizer que, se por qualquer motivo (a aprovação de um órgão regulador, por exemplo), demorar mais de um ano para autorizar a operação, a garantia de Marcos estará perdida? Isso pode ser muito bem ser usado por compradores espertinhos, cientes de que, se por qualquer motivo, o período intervalar ultrapassar um ano, o dinheiro ser-lhes-á restituído. Uma solução seria abrir outra conta notarial e dispor a respeito no contrato de aquisição de participação societária?

Um terceiro problema visualizado é que o uso da conta notarial depende de assinatura via e-notariado (aqui): “Os anexos II e III devem ser preenchidos e assinados no e-Not Assina pelo cliente e pelo tabelião e/ou preposto”.

Um quarto e último problema, que talvez seja pirraça minha, é que, conferindo esses anexos, há campos para contas bancárias em território nacional. E se uma das partes for estrangeira? Melhor que Matthew (já que está no exterior) não traga seu dinheiro pro Brasil então, ou continue usando uma escrow, não, uma conta notarial.

Naturalmente há um grande avanço e muito que melhorar na regulamentação da conta notarial, mas, enquanto a conta privada tinha seus problemas, a pública também tem os seus, mas esperamos que por enquanto.

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Casamento civil: cuidados para garantir legalidade do ato e atuação legítima do juiz de paz

A celebração do casamento civil representa um marco jurídico e social na vida dos cidadãos. No entanto, diante do aumento de casos envolvendo falsos profissionais que se apresentam como “juízes de paz”, é fundamental alertar os casais — e, inclusive, operadores do Direito — sobre os cuidados essenciais para garantir a validade legal do matrimônio e evitar fraudes ou nulidades.

Juiz de paz: natureza jurídica e nomeação

Nos termos do artigo 98, inciso II, da Constituição, e do artigo 1.521 do Código Civil, o juiz de paz é o agente competente para presidir o casamento civil, sendo nomeado pelo Tribunal de Justiça de cada Estado, após processo de seleção pública e observância de requisitos legais. Trata-se de um agente delegado da Justiça, com competência exclusiva para celebrar casamentos civis e homologar uniões perante o cartório de registro civil competente.

A atuação do juiz de paz pode ocorrer no próprio cartório, ou em diligência externa, desde que dentro da circunscrição determinada. Em ambos os casos, a designação é feita pelo cartório onde o processo de habilitação foi iniciado.

Processo de habilitação: passo essencial e obrigatório

Todo casamento civil deve necessariamente passar por prévia habilitação junto ao Cartório de Registro Civil da residência de um dos nubentes. Trata-se de um procedimento administrativo que verifica a capacidade civil, ausência de impedimentos legais (artigo 1.523 do CC) e torna público o interesse do casal em contrair matrimônio. Após cumpridas as formalidades e decorrido o prazo legal de proclamas, o cartório indicará um juiz de paz habilitado para a celebração.

Importante destacar que não se deve contratar diretamente um juiz de paz fora dos canais oficiais. O caminho sempre deve iniciar no cartório, que é o órgão responsável por coordenar os trâmites, inclusive com relação ao juiz que presidirá a cerimônia.

Perigo da atuação de falsos juízes de paz

Tem-se observado com crescente preocupação a atuação de pessoas que se apresentam como “juízes de paz” sem qualquer vínculo institucional com o Poder Judiciário, e que oferecem “casamentos civis” fora do cartório, muitas vezes mediante cobrança de valores abusivos, ou com promessas de facilitar procedimentos legais.

Essas condutas, além de não possuírem qualquer respaldo jurídico, podem configurar crime de falsidade ideológica (artigo 299 do Código Penal), exercício ilegal de função pública (artigo 328, CP) e até estelionato (artigo 171, CP), a depender do caso.

Juiz de paz eclesiástico não é juiz de paz civil

Outro ponto que merece atenção diz respeito à atuação dos chamados “juízes de paz eclesiásticos” — título frequentemente utilizado em comunidades religiosas ou cursos sem reconhecimento oficial. Embora essas pessoas possam ter papel importante em suas comunidades, não têm qualquer competência para celebrar casamentos civis.

Vale, contudo, fazer uma distinção importante: a legislação brasileira permite o casamento religioso com efeito civil (artigo 1.515 do CC), desde que o casal se habilite previamente no cartório e que a cerimônia religiosa atenda às formalidades legais. Nestes casos, o ministro religioso que oficia o casamento poderá, excepcionalmente, assinar o termo e encaminhá-lo para registro, desde que autorizado pelo cartório competente. Mas isso não os torna juízes de paz.

Conclusão

O casamento é um ato jurídico solene, que envolve não apenas a celebração simbólica, mas consequências legais importantes — patrimoniais, sucessórias, previdenciárias e outras. A participação de um juiz de paz regularmente nomeado é indispensável para garantir a legalidade do ato.

Casais que desejam se casar devem procurar o Cartório de Registro Civil de sua residência, cumprir a habilitação legal e confiar na indicação institucional do juiz de paz responsável. Essa é a única forma de assegurar que o casamento seja válido, eficaz e protegido juridicamente.

Fonte: Conjur


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