1. Introdução
A dinâmica da usucapião extrajudicial ora inspira, ora absorve, atualizações e renovações instrumentais da maior relevância.
Esses influxos podem emergir da lei, da jurisprudência ou dos atos normativos expedidos pelo CNJ e são incorporados pelas normas técnicas expedidas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados.
No DJE de 28/1/2025 foi publicado o provimento conjunto 142/25, que alterou dispositivos do provimento conjunto 93, de 22 de junho de 2020, que "Institui o Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, que regulamenta os procedimentos e complementa os atos legislativos e normativos referentes aos serviços notariais e de registro do Estado de Minas Gerais''.
No presente artigo comentaremos as atualizações, oportunas para esclarecer pontos antes duvidosos, úteis para viabilizar a usucapião extrajudicial cada vez mais célere e eficiente, com vistas à regularização fundiária e à concreção dos direitos dos cidadãos em obter a declaração de domínio. Os temas que mereceram alteração são examinados suscinta, mas individualmente, a seguir.
2. Da abertura de matrícula para imóveis urbanos ou rurais, com área inferior à fração mínima de parcelamento do solo:
Provimento conjunto CGJMG/TJ/MG 93/20 (CNMG):
Art. 779-A. É vedado à serventia promover a abertura de matrículas com área e testada inferior ao mínimo estabelecido em lei municipal ou na lei 6.766, de 1979, no caso de imóvel urbano, ou área inferior à fração mínima de parcelamento, no caso do imóvel rural, ressalvadas as exceções previstas no ordenamento jurídico.
I - usucapião; (...)
Art. 1.165-C. Não se aplicam à usucapião judicial ou extrajudicial, independentemente da modalidade invocada, as restrições de área do imóvel decorrentes da legislação que estabelece frações mínimas de parcelamento do solo rural ou dimensões mínimas para o solo urbano.
O registro da propriedade imobiliária, constitutivo se fundado em título aquisitivo inter vivos ou declaratório se fundado na sucessão causa mortis, encontra, como regra, limites na fração mínima de parcelamento do solo, urbano ou rural.
Esses limites são estabelecidos por legislação federal, como a lei 6.766/19791, que trata do parcelamento do solo urbano, e a lei 4.504/1964, para áreas rurais, e ainda, em normas municipais que estabelecem os planos diretores e zoneamento municipais.
As regras de parcelamento mínimo de propriedade visam, dentre outros obséquios, a garantir a função social da propriedade mediante ordenamento territorial sem o fracionamento excessivo que resulta em minifúndios improdutivos, economicamente inviáveis na zona rural, e permitir o planejamento da cidade, com lotes que tenham dimensões adequadas para ocupação ordenada, edificações úteis e dignas, servidas por infraestrutura básica como ruas, saneamento e redes de energia.
Contudo, na perspectiva do STF e do STJ, a limitação de dimensões do imóvel, embora benfazeja, por si só, não pode conduzir à impossibilidade jurídica de aquisição de propriedade e de formalização de registro imobiliário pela usucapião.
O plenário do STF, no julgamento do RE 422.349/RS, assentou que a declaração de usucapião especial urbana (CF/1988, art. 183)2 não é obstada em razão de a área usucapida ser inferior à fração mínima de parcelamento. Os ministros, por maioria, entenderam que, preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por legislação infraconstitucional que estabeleça módulos urbanos com limitação de parcelamento do solo.
Os principais pontos que sustentam o acórdão do STF são: (a) a natureza constitucional do direito à usucapião especial urbana, cujo objetivo é permitir o acesso à moradia para aqueles que preenchem os requisitos estabelecidos; (b) a suficiência do preenchimento dos requisitos exigidos pelo art. 183 da Constituição Federal; e (c) a ilegitimidade de óbices infraconstitucionais, posto que lei inferior não pode impedir o reconhecimento do direito constitucional à usucapião especial urbana.
O STF, diante da relevância da questão envolvida, firmou tese de repercussão geral, trazendo um precedente obrigatório, conforme ementa abaixo:
Recurso extraordinário. Repercussão geral. Usucapião especial urbana. Interessados que preenchem todos os requisitos exigidos pelo art. 183 da Constituição Federal. Pedido indeferido com fundamento em exigência supostamente imposta pelo plano diretor do município em que localizado o imóvel. Impossibilidade. A usucapião especial urbana tem raiz constitucional e seu implemento não pode ser obstado com fundamento em norma hierarquicamente inferior ou em interpretação que afaste a eficácia do direito constitucionalmente assegurado. Recurso provido.
O STJ, seguindo a linha do STF, também entendeu que a usucapião prevista no art. 191 da Constituição, caracterizada pela posse-trabalho, embora tenha um limite máximo de área a ser usucapida, não está sujeita a área mínima, desde que presentes todos os requisitos exigidos pela norma, conforme precedente abaixo:
Recurso especial. Usucapião rural constitucional. Função social da propriedade rural. Módulo rural. Área mínima necessária ao aproveitamento econômico do imóvel. Interpretação teleológica da norma. Constituição Federal. Previsão de área máxima a ser usucapida. Inexistência de previsão legal de área mínima. Importância maior ao cumprimento dos fins a que se destina a norma.
(REsp n. 1.040.296/ES, relator ministro Marco Buzzi, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, julgado em 2/6/2015, DJE de 14/8/2015.)
Recurso especial. Ação de usucapião. Usucapião especial urbana. Requisitos do art. 183 da CF/88 reproduzidos no art. 1.240 do CCB/2002. Preenchimento. Parcelamento do solo urbano. Legislação infraconstitucional. Legislação municipal. Área inferior. Irrelevância. Indeferimento do pedido declaratório. Impossibilidade. Julgamento pelo STF. Repercussão geral. RE 422.349/RS. Máxima eficácia da norma constitucional.
(REsp n. 1.360.017/RJ, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, julgado em 5/5/2016, DJE de 27/5/2016.)
Mas o afastamento de limitação de área mínima não ficou restrita apenas às modalidades da usucapião com sede nobre na constituição federal. A interpretação dada pelos tribunais excelsos extrapolou essas hipóteses, avançando para a modalidade extraordinária, conforme exemplifica o julgado abaixo:
Recurso especial representativo de controvérsia. Usucapião extraordinária. Imóvel usucapiendo com área inferior ao módulo urbano disposto na legislação municipal. Requisitos previstos no art. 1.238 do CC: posse, animus domini, prazo de 15 (quinze) anos. Reconhecimento do direito à aquisição da propriedade não sujeito a condições impostas por legislação diferente daquela que disciplina especificamente a matéria.
(REsp 1.667.842/SC, relator ministro Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, julgado em 3/12/2020, DJE de 5/4/2021.)
Por meio do mecanismo dos Temas Repetitivos, o STJ uniformizou a jurisprudência sobre a usucapião de imóvel com área inferior a fração mínima. Foram selecionados como representativos da controvérsia o REsp 1667842/SC e o REsp 1667843/SC, e afetados para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, resultando na tese jurídica seguinte:
Tema Repetitivo 985:
Questão submetida a julgamento: definir se o reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento de seus requisitos específicos, pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.
Tese Firmada: o reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento dos requisitos específicos, não pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.
Em face da uniformização da jurisprudência, o código de normas de Minas Gerais, provimento conjunto CGJMG/TJ/MG 93/20, alterado pelo provimento conjunto 142/25, incluiu a possibilidade nos artigos 779-A, ao lado de outras possibilidades.3
O art. 1.165-C do mesmo provimento ampliou a possibilidade ao estabelecer que não se aplicam à usucapião judicial ou extrajudicial, independentemente da modalidade invocada, as restrições de área do imóvel decorrentes da legislação que estabelece frações mínimas de parcelamento do solo rural ou dimensões mínimas para o solo urbano. Pode ser declarada a propriedade, portanto, em qualquer modalidade de usucapião, mediante o cumprimento dos requisitos objetivos e subjetivos próprios, independentemente de a área usucapida ser inferior às frações mínimas de parcelamento do solo urbano ou rural.
Oportuno lembrar que, na usucapião, nem sempre haverá a necessidade de abrir nova matrícula para a área usucapida4, principalmente quando a descrição do imóvel usucapido refletir exatamente o que já consta da matrícula:
Provimento CNJ 149/23 (CNN/CN/CNJ-Extra): Art. 407. (...) § 10. Se o imóvel usucapiendo for matriculado com descrição precisa e houver perfeita identidade entre a descrição tabular e a área objeto do requerimento da usucapião extrajudicial, fica dispensada a intimação dos confrontantes do imóvel, devendo o registro da aquisição originária ser realizado na matrícula existente.
Provimento conjunto CGJMG/TJ/MG 93/20 (CNMG): Art. 1.163. (...) § 2º. Na hipótese de o imóvel usucapido estar matriculado e o pedido se referir à totalidade do bem, sem alteração da descrição perimetral nela consignada, o registro será feito na própria matrícula existente.
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Fonte: Migalhas