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28/01/2025

Artigo - Indisponibilidade de bens - A CNIB 2.0 e a eficácia do Registro

A indisponibilidade de bens na era digital: Uma análise crítica do provimento CNJ 188/2024 e seus impactos no registro de imóveis.

O presente artigo analisa o Provimento CNJ 188/2024, que reformou a plataforma da CNIB 2.0. Aborda a hipertrofia da ferramenta e o recrudescimento das indisponibilidades de bens em função direta da plataformização do registro público, com foco nos efeitos jurídicos da prenotação e na problemática do § 3º do art. 320-I do CNN-CN-CNJ-Extra, que impede o registro de títulos prenotados em caso de superveniência de ordem de indisponibilidade.

Argumenta-se que a norma em questão, ao fulminar o direito vestibular de prenotação, afronta o direito de propriedade e seus atributos, criando anomalias no sistema civil, registral e processual. Defende-se a necessidade de revisão do dispositivo, com vistas a garantir a segurança jurídica e os direitos fundamentais dos cidadãos.

Palavras-chave: Indisponibilidade de bens, CNIB 2.0, Provimento CNJ 188/2024. 

Introdução

O Provimento CNJ 188 de 4/12/2024 reformou a plataforma da Central Nacional de Indisponibilidade de bens (CNIB 2.0), ajustando e aperfeiçoando o sistema com vista a torná-lo mais eficiente e racional.

O instituto jurídico da indisponibilidade de bens nasceu com objetivos claros e muito específicos - combate à dissipação patrimonial decorrente de improbidade administrativa, intervenção em instituições financeiras, combate à lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo internacional, confisco de bens por tráfico de drogas e outras atividades excepcionais e de grande repercussão social.1 Note-se a preponderância de um interesse geral em todas essas iniciativas legislativas em contraste com a explosão de ordens oriundas de processos ordinários de execuções trabalhistas e civis.

O sistema criado em 2014 (Provimento CNJ 39/2014) vem de substituir progressivamente as figuras tradicionais do processo civil brasileiro, como a penhora, arresto e sequestro em execuções civis e trabalhistas. No caso das execuções trabalhistas, ainda que se possa argumentar, com base na Teoria do Diálogo das Fontes,  que a decretação de indisponibilidades no processo trabalhista encontra seu fundamento no art. 185-A do CTN, não se deve esquecer que no caso dos créditos privilegiados se exige o preenchimento de pré-requisitos para a deflagração da indisponibilidade: a) haver devedor tributário; b) ocorrer citação; c) faltar nomeação de bens à penhora; e d) ser impossível localizar bens passíveis de constrição, o que não ocorre ordinariamente nas ordens oriundas tanto do foro trabalhista como do cível.2

De fato, nos termos do art. 889 da CLT, os preceitos da Lei de Executivos Fiscais (lei 6.830/1980) aplicam-se à execução trabalhista de forma subsidiária desde que não contrariem o processo da Justiça do Trabalho. Sabemos que os instrumentos processuais para garantia da execução trabalhista pressupõem a citação do executado. Não pagando, nem garantindo a execução, "seguir-se-á penhora dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância da condenação", nos termos do art. 883 da mesma CLT.

Baseados em dados fidedignos, do total de quase 2 milhões de inscrições feitas na plataforma, só a Justiça do Trabalho é responsável por cerca de 63.48% do total das ordens postadas na plataforma. Acrescente-se: uma profusão delas versa sobre execuções por valores irrisórios e desproporcionais, em afronta ao art. 8º do CPC, afetando e imobilizando o patrimônio de devedores reconhecidamente solventes.3 Além disso, tais ordens teratológicas geram um custoso processo de averbações em milhares de imóveis de propriedade das instituições financeiras, para logo seguir-se a ordem de cancelamento, em regra sem qualquer fundamento jurídico.

Plataformização do Registro Público

O fato é que não compreendemos perfeitamente o fenômeno do impacto que os meios eletrônicos têm nas transações econômicas, jurídicas e sociais. Num recorte exemplificativo, pensemos que a CNIB transportou para a nova plataforma "mais de 200 milhões de atos já cadastrados na central original"4 - o que nos dá a exata noção de magnitude da base de dados cuja gestão é humanamente impossível de se realizar sem o concurso das máquinas.

A criação dessa importante infovia desencadeou a irrupção de problemas inesperados - como a hipertrofia da ferramenta, fenômeno que exsurge de modo claro para o observador atento. O estudo da magnificação de eventos sugere que ela se dá em função direta da plataformização do registro público, o que acaba por transformar substancialmente o ecossistema registral e notarial, ocasionando fenômenos originais e não previstos.

Pode-se cogitar de uma distorção que guarda certa semelhança com o Paradoxo de Jevons5: à medida que os avanços tecnológicos aumentam a eficiência da plataforma, maior é geração de demandas que tendem a se diversificar e a acolher hipóteses análogas de constrição - one size fits all. Isto ocorre porque a maior eficiência da infovia tende a reduzir o custo de utilização do serviço, estimulando o crescimento da demanda. Ou seja, a facilidade de acesso, aliada à eficiência dos recursos tecnológicos, terá acarretado a aceleração inesperada (e quiçá ilegal) de novas modalidades de constrições, substituindo, como se viu, os instrumentos tradicionais de gravames judiciais.

O fenômeno levou à explosão de indisponibilidades de bens, desfigurando a função original, estimulando a opacidade nos negócios jurídicos e gerando maiores e mais significativos custos transacionais. Há uma década tivemos ocasião de alertar:

"Enfim, que diabos de indisponibilidade é essa que acaba por inibir a própria aquisição? É evidente que, decretada que seja uma indisponibilidade de bens, tal circunstância jazerá em estado de latência nos escaninhos labirínticos do sistema, ativando-se com o registro da aquisição.

(...).

Calharia um estudo para se apurar em que medida o uso desse instrumento é contraproducente. Nem me refiro, aqui, à indisponibilidade de bens decretada no bojo de ações de improbidade administrativa, intervenção em instituições financeiras, combate ao terrorismo; falo da vulgarização do instrumento nos processos de execução fiscal e trabalhista.

(...)

Como se vê, o grande drama dos gravames ocultos, que inspirou os legisladores no Século XIX a criarem o Registro Hipotecário, continua presente e embaraçando o livre intercâmbio de bens, onerando o sistema com crescentes custos transacionais. É o chamado "Custo Brasil".6

O meio é a mensagem

Estamos, possivelmente, diante de um fenômeno disruptivo percebido por Marshall McLuhan: os meios eletrônicos não apenas conduzem, mas traduzem e transformam o transmissor, o receptor e a mensagem, como na sua famosa formulação - the medium is the message.7 O ecossistema da CNIB que não será tão-somente um envoltório passivo e neutro, mas uma alavanca disruptiva, processo ativo e dinâmico tendente a reconformar o próprio registro e o processo executivo pátrios.

O problema não é novo e já em 2015 propúnhamos que previamente à inscrição na plataforma, a autoridade deveria ser "conduzida a um processo preliminar de consulta acerca da existência de bens ou de direitos inscritos cujos titulares poderiam ser atingidos pelo gravame. O processo é simples e não envolve qualquer custo para a sua formulação e gestão. Não se faria a inscrição na CNIB sem antes certificar-se que inexiste bens e direitos em nome das pessoas atingidas". Na mesma ocasião propugnávamos a reforma do sistema, com os argumentos abaixo expendidos.8

Os efeitos jurídicos da prenotação

Um dos inesperados efeitos surgidos no desenvolvimento da plataforma encontram-se no Provimento CN-CNJ 188, de 4/12/2024, que introduziu os artigos 320 e seguintes no CNN-CN-CNJ.Extra. O dispositivo que nos toca referir é o seguinte:

Art. 320-I. Os oficiais de registro de imóveis deverão consultar, diariamente, a CNIB e prenotar as ordens de indisponibilidade específicas relativas aos imóveis matriculados em suas serventias, bem como devem lançar as indisponibilidades sobre o patrimônio indistinto na base de dados utilizada para o controle da tramitação de títulos representativos de direitos contraditórios.

(...)

3º A superveniência de ordem de indisponibilidade impede o registro de títulos, ainda que anteriormente prenotados, salvo exista na ordem judicial previsão em contrário.

A prenotação é ato próprio de registro (art. 182 e ss. - Do Processo de Registro). A prioridade registral, que nasce da prenotação, é um direito de eficácia material cujos efeitos retroagem à data da inscrição do título no Livro 1 - Protocolo. É indiscutivelmente um direito material, consoante o disposto no art. 1.246 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.

É certo que o lançamento do título no Livro Protocolo proporciona o controle do transcurso posicional do título na esteira do processo de registro, graduando os acidentes representados por eventuais títulos concorrentes. A eficácia da prenotação, nesta perspectiva, é demarcatória de um direito posicional, de caráter formal. Todavia, o aspecto que deve merecer a nossa melhor consideração reside no aspecto material que decorre da eficácia jurídica que nasce diretamente da prenotação. Diz Pontes de Miranda:

"No art. 534 diz o Código Civil [atual art. 1.246], como regra, portanto, de direito privado (material): 'A transcrição datar-se-á do dia em que se apresentar o título ao oficial de registo, e esse o prenotar no protocolo'".9

Até a prenotação do título e a ulterior consumação do ato de registro, a situação jurídica do alienante ainda é de dono do imóvel, sujeito às dívidas cobráveis. O adquirente, antes do registro, "não pode dispor do imóvel, nem constituir sobre ele direitos reais, nem lhe cabem as ações de domínio, inclusive a de reivindicação. A sua situação é como a do comprador de bens móveis antes da tradição. Nada lhe é dado contra as ações reais e as constrições (penhoras, arrestos, sequestros), que partam de terceiros ou do próprio alienante". Todavia, segue o Tratadista:

"Desde a data em que a promove e obtém a protocolização, o bem imóvel é seu. O negócio jurídico do acordo investe-o de tal poder. Todavia, a eficácia mesma da transcrição [registro] é desde a data da protocolização, mas depende do bom êxito do pedido-exigência. Se houve protocolização e se não procedeu à transcrição, ou porque se retirou a provocação (pedido-exigência), ou porque foi denegada, a eficácia é nenhuma; se foi feita a transcrição, a eficácia é desde a data em que se protocolizou o pedido".[10]

O próprio Pontes de Miranda aludiria aos efeitos da decretação de falência ou insolvência do alienante no intervalo periclitante que calha entre a prenotação do título e o seu registro que "retroage, nesse caso, à data da prenotação". O tratadista referia-se ao art. 535 do CC1916, sem correlato no atual, muito embora a Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, preveja no inc. VII do art. 129 o seguinte:

Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores:

(...)

VII - os registros de direitos reais e de transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis realizados após a decretação da falência, salvo se tiver havido prenotação anterior.

A mesma regra se colhe do art. 215 da LRP, disposição que é tributária do direito registral brasileiro.11 A ressalva da lei releva os efeitos materiais da inscrição primigênia (prenotação), in verbis:

Art. 215 São nulos os registros efetuados após sentença de abertura de falência, ou do termo legal nele fixado, salvo se a apresentação tiver sido feita anteriormente.  

A regra é tradicional e prestigiada pela nossa melhor doutrina. Serpa Lopes sustenta que ocorrendo a prenotação, chave do registo imobiliário12, o "ato da transcrição ou inscrição, uma vez realizado, remonta, em seus efeitos, à data da prenotação".13 Em outra passagem, registra:

"Se a inscrição ou a transcrição representa o ato principal, a sua eficácia está até certo ponto dependente da prenotação no protocolo, pois a prioridade do registo funda-se na data de sua feitura.

Exerce função precípua quanto a uma das finalidades do registo, consistente, inegavelmente, não só na de constituição de direitos ou de requisitos de sua disponibilidade e de sua publicidade, como a de ser o fundamento da prioridade dos direitos que lhe estão afetos.

A posição dos direitos inscritos ou transcritos em relação a um imóvel, susceptíveis de entrarem em conflito entre si, fica necessariamente fixada pela ordem das prenotações, no protocolo, solução que se impõe, como bem refere René Morel, por se harmonizar com um bom sistema de publicidade imobiliária e que, além disso, aparece como uma consequência do princípio do nascimento do direito real a partir da data de sua inscrição.

Daí a razão do art. 202 [atual art. 186 da LRP] preceituar que o número de ordem determina a prioridade do título, e esta, a preferência dos direitos reais".14

Afrânio de Carvalho segue na mesma senda: a "data da inscrição é, em regra, a data da apresentação do título, vale dizer, da sua prenotação do protocolo", e segue:

"Quando o título passa para o livro de inscrição, por se mostrar apto a adquirir a posição registral, leva consigo a data da sua prenotação no protocolo. A data da inscrição, porém, será ordinariamente mais avançada do que a do protocolo. Não obstante, a numeração que lhe tiver sido dada nessa data assegurar-lhe-á a prioridade em relação a outro sobre o qual tiver precedência na cronologia da entrada. Só o título que, em confronto com outro, tiver essa prioridade é que deve ser transportado do protocolo para o livro de inscrição, ficando o outro retido na prenotação, como num verdadeiro limbo".15

Jurisprudência

Pode-se dizer que é igualmente clássica a lição prestigiada pelos tribunais brasileiros, consubstanciada na parêmia tempus regit actum. Ainda que o título tenha sido formalizado antes da decretação da indisponibilidade, o registro interdita-se em razão da prévia averbação da constrição. A contrario, tendo sido prenotado o título, a disposição voluntária será válida e eficaz, embora a decretação da indisponibilidade lhe suceda in itinere. É o que se decidiu na Ap. Civ. 1024407-10.2024.8.26.0100: "ao menos sob o ponto de vista dos princípios registrais, os requisitos de validade e eficácia do título são observados ao tempo da prenotação (art. 1.246 do Código Civil)".16 De fato, os requisitos de validade e eficácia do título são observados ao tempo da prenotação e assim, "em face do princípio da prioridade, gerado pela prenotação, os títulos contraditórios, preponderam sobre o título prenotado posteriormente (art. 186 da Lei nº 6.015/73)".17 Noutra passagem, o mesmo CSMSP aponta:

"se o art. 1.246, do Código Civil, dispõe que o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao Oficial de Registro, e este o prenotar no protocolo, fica claro que a marcha até a inscrição é um verdadeiro processo, no qual, protocolado o título, compete ao registrador, em observância ao disposto na Lei de Registros Públicos, fazer seu exame, qualificação e devolução, com exigências ou registro, no justo prazo".18

As Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo consagram o mesmo princípio no item 108.3, Capítulo XX:

"108.3. Quando se tratar de ordem genérica de indisponibilidade de determinado bem imóvel, sem indicação do título que a ordem pretende atingir, não serão sustados os registros dos títulos que já estejam tramitando, porque estes devem ter assegurado o seu direito de prioridade. Contudo, os títulos que forem posteriormente protocolados terão suas prenotações suspensas como previsto no item 108".19

No STJ o tema da graduação dos direitos já foi objeto de apreciação no caso de duplicidade de arrematações sobre o mesmo bem imóvel, firmando a corte a tese de que deve prevalecer a data da primeira prenotação nos termos do art. 186 da LRP, "tendo em vista que, nos termos do art. 1.246 do CC/2002, a aquisição do imóvel, embora perfectibilizada com o respectivo registro (7.7.2009), retroage à data de sua prenotação (25.6.2009)".20 Igualmente no REsp 1.339.876/PR:

"A data da transcrição é a mesma da prenotação (arts. 182, 183 e 186 da Lei nº 6.015/1973). Esta define a prioridade dos direitos que lhe são afetos. Seus efeitos só cessarão se o interessado deixar de atender as exigências legais no prazo de trinta dias (art. 205 da Lei nº 6.015/1973)".21

A determinação postada na plataforma da CNIB, ao fulminar o direito vestibular, acaba por atingir reflexamente os efeitos materiais da inscrição, afrontando o direito de propriedade e malferindo um de seus principais atributos que é o da disponibilidade. Ao final e ao cabo, interrompendo-se o curso natural do processo de registro no decêndio (art. 188 da LRP), sem qualquer culpa ou responsabilidade do adquirente - presumidamente de boa-fé -, tal fato nos conduz à necessidade de decisão judicial específica, apreciando o caso concreto e atacando, fundamentadamente, o ato de inscrição.

O direito de propriedade, na latência suspensiva da eficácia da prenotação, no caso da norma do CNJ, acaba por jazer numa espécie de limbo jurídico. Nem mesmo se pode cancelar a prenotação, pois este ato constitutivo negativo levaria à aniquilação dos efeitos jurídicos da prioridade sem o devido processo legal e, ipso facto, a obliteração da preferência dos direitos reais.

Por fim, calha uma pequena observação - decalcada do artigo de Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza. O CNN-CN-CNJ-Extra permite a lavratura de escrituras, mas impede o registro - não só destas, mas também daquelas lavradas e prenotadas antecedentemente no registro. Pergunta-nos o autor citado: "Qual a lógica, tendo em conta o sistema de duas etapas na aquisição da propriedade? Para a primeira etapa, a indisponibilidade não é óbice, ainda que decorra da lei e o efeito seja a nulidade do ato de disposição de bens atingidos pela indisponibilidade. Quanto à segunda etapa, a indisponibilidade impede o registro, mesmo a que alcança o protocolo após o ingresso de um título totalmente hígido".22

Ressalvado o título prenotado anteriormente à constrição, tanto a lavratura da escritura quanto o registro sucessivo podem representar mera ineficácia em face da execução, e não nulidade de pleno direito.

Valeria, em todo o caso, sopesar o menor impacto que a constrição representaria aos interessados.

Conclusões

O sistema eletrônico transformou-se em ferramenta draconiana na medida em que os vários meios postos à disposição do credor para promover a execução e a satisfação de seus créditos, a indisponibilidade de bens, entre todos eles, é o modo mais gravoso para o devedor, subvertendo a ordem e os princípios tradicionalmente consagrados na lei processual civil (art. 805 do CPC).

Por essa razão, toda ordem genérica deve ser utilizada de modo prudente e consentâneo com os princípios da boa-fé, preservando e garantindo o ato jurídico perfeito e o direito adquirido.

Em suma, prenotado o título e sem que o interessado deixe escoar o prazo decadencial da prenotação (no caso de não atendimento a exigências do Cartório por omissão ou desinteresse - art. 205 da LRP), o registro há de se efetivar, perfectibilizando-se no iter legal e consagrando o direito.

Proposta de alteração

Seria possível aperfeiçoar o sistema trocando simplesmente a ordem do referido § 3º:

3º A superveniência de ordem de indisponibilidade não impede o registro de títulos anteriormente prenotados, salvo ordem judicial expressa em sentido contrário.

4º No caso de prevalência da ordem de indisponibilidade, nos termos do § 3º, o registro será consumado no prazo legal, porém será ineficaz em relação ao processo do qual se originou a constrição.

Seja como for, a regra estampada no § 3º do art. 320-I do CNN-CN-CNJ-Extra, in fine, deve ser revista. Ela cria uma inesperada anomalia no sistema civil, registral e processual brasileiro e a consequente fragilização dos direitos e garantias de direitos fundamentais.

__________

1 Para um excurso retrospectivo, v. JACOMINO, Sérgio. Indisponibilidade de bens no Registro de Imóveis - Partes I e II. São Paulo: Observatório do Registro, 2024. Disponível: Parte I: https://wp.me/p6rdW-3BS; Parte II: https://wp.me/p6rdW-3Cz. Vide elenco de leis e dispositivos normativos sobre o tema da indisponibilidade em: RIBEIRO, Moacyr Petrocelli de Ávila. Da Indisponibilidade de Bens no Registro de Imóveis. São Paulo: IRIB, 2024, pp. 180 et seq.

2 STJ AgRg no Ag n. 1.429.330/BA, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 22/8/2012, DJe de 3/9/2012. V. CLAUS, Ben-Hur Silveira. A aplicação da medida legal de indisponibilidade de bens prevista no art. 185-A do CTN ao processo do trabalho - Execução trabalhista efetiva, por juiz do Trabalho. 13.1.2014. disponível: https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/108635. Vide, igualmente, a tese n. 137 do 3º Fórum Nacional de Processo do Trabalho (FNPT): "A Teoria do Diálogo das Fontes é fundamento para a aplicação da medida legal de indisponibilidade de bens, prevista no art. 185-A do Código Tributário Nacional, ao Processo do Trabalho". NERY JR., Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. CPC comentado. São Paulo: RT, 17ª ed., 2018, p. 66.

3 Ad exemplum: Banco do Brasil (202412.1213.03755670-IA-031), Bradesco (202412.0516.03741645-IA-490), Prefeitura Municipal de São Paulo (202401.0919.03105495-IA-560), Caixa Econômica (202408.1911.03520312-IA-470), Itaú (202410.2209.03654741-IA-210), Petrobrás (202410.2209.03654741-IA-210) entre tantos outros. Dados extraídos da fonte.

4 Informe do ONR - Atualizações sobre a Central de Indisponibilidade de Bens (CNIB 2.0), postado nas redes sociais no dia 16/1/2025, às 19h:52min.

5 A referência não é perfeita, mas nos faz pensar, como William Stanley Jevons, que à medida que os avanços tecnológicos aumentam a eficiência no uso de um recurso, o consumo total desse recurso pode aumentar, em vez de diminuir.

6 JACOMINO, Sérgio. A Reforma Indisponibilidade de Bens - Um Vírus: Sua Latência e Potência. São Paulo: Observatório do Registro, 19.9.2015, disponível: https://wp.me/p6rdW-DM.

7 McLUHAN. Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. PIGNATARI, Décio (trad.). São Paulo: Cultrix, 1969, p. 108-9.

8 JACOMINO, Sérgio. Op. cit. loc. cit.

9 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Tomo XI. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, § 1.220. Data do Registo, p. 332, n. 1, passim.

10 Op. Cit. § 1.245, p. 435-6, n. 5

11 V. art. 230 do Decreto 4.857/1939.

12 A expressão é esplêndida por encerrar uma figura de linguagem que encerra a ideia de processo cuja culminância é a consagração do direito real. A feliz expressão se acha consagrada desde a Reforma de Nabuco (art. 25 do Decreto 3.453, de 26 de abril de 1865), repetida sucessivamente nos regulamentos subsequentes, mas abandonada na atual LRP.

13 SERPA LOPES. Miguel Maria de. Tratado. Vol. IV, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, p. 363.

14 Op. Cit. p. 328.

15 CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis, 3ª ed. 1982, Rio de Janeiro: Forense, p. 398.

16 Ap. Civ. 1024407-10.2024.8.26.0100, São Paulo, j. 15/8/2024, Dje 15/8/2024, Rel. Des. Francisco Loureiro. Disponível: http://kollsys.org/us5.

17 Ap. Civ. 1003007-96.2021.8.26.0664, Votuporanga, j. 2/12/2021, Dje 24/2/2022, Rel. Des. Ricardo Mair Anafe. Disponível: http://kollsys.org/rbm.

18 Ap. Civ. 1006060-52.2022.8.26.0114, Campinas, j. 24/3/2023, Dje 25/5/2023, Rel. Des. Fernando Antônio Torres Garcia. Disponível: http://kollsys.org/st5. 

19 A redação das NSCGJSP originou-se do Provimento CG 17/1999 que se baseou, por seu turno, em parecer oferecido no Processo CG 1.671/1998. Destacamos: "De outro lado, no entanto, se a ordem for genérica, não poderá atingir os títulos que já estejam tramitando e já tenham a sua prioridade assegurada, mas impedirão o registro de outros títulos que sejam prenotados em seguida ao mandado, pelos mesmos motivos". Processo CG 1.671/1998, parecer da lavra de Antonio Carlos Morais Pucci, Francisco Antonio Bianco Neto, Luiz Paulo Aliende Ribeiro, Marcelo Fortes Barbosa Filho, Marcelo Martins Berthe, Juízes Auxiliares da Corregedoria Geral. Disponível: http://kollsys.org/4o4.

20 REsp n. 1.242.656/SC, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 7/6/2011, DJe de 10/6/2011.

21 REsp n. 1.339.876/PR, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 26/4/2016, DJe de 3/5/2016.

22 SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Averbação de indisponibilidade de bens - O CNJ prestigia a insegurança jurídica. São Paulo: Migalhas Notariais e Registrais, 16.12.2024. Disponível: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/421591/averbacao-de-indisponibilidade-de-bens--cnj-e-inseguranca-juridica.

Fonte: Migalhas


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