O terceiro e último dia do XXIV Congresso Brasileiro de Direito Notarial e Registral (Congresso da ANOREG/BR) e a VII Conferência Nacional dos Cartórios (CONCART) começou com uma palestra de alto nível, trazendo o tema “Panorama Atual da Regularização Fundiária e suas Implicações para o Mercado Brasileiro de Crédito de Carbono”, apresentada por grandes especialistas: Patrícia Ferraz, diretora de Meio Ambiente da ANOREG/BR, diretora da CNR e doutora pela Uninove/SP; Maria Tereza Uille Gomes, ex-conselheira do CNJ e doutora em sociologia pela UFRP; e Raquel Dodge, subprocuradora-geral da República, ex-procuradora-geral da República e mestre pela Universidade de Harvard.
A crise climática deixou de ser uma ameaça distante e hoje ocupa o centro das discussões globais e locais. Durante o painel do evento “Mulheres em Pauta”, Raquel Dodge trouxe dados alarmantes e reflexões urgentes sobre os impactos das mudanças climáticas e a responsabilidade do Brasil neste cenário.
“A gente está vivendo um problema climático severíssimo que agora atinge o Brasil”, destacou, mencionando os eventos extremos de 2024. Entre os exemplos, citou mini furacões em São Paulo, a seca histórica em Belo Horizonte com 172 dias sem chuva, queimadas devastadoras no Amazonas, e a redução de 62% do Pantanal. “Eu cresci ouvindo dizer que furacão era só nos Estados Unidos. Agora, a gente tem aqui.”
A palestrante chamou atenção para o papel estratégico do Brasil devido à sua biodiversidade e território. “O Brasil ocupa uma posição super estratégica por conta da quantidade de florestas que temos para preservar e pela possibilidade de remodelagem das atividades agropecuárias.” Contudo, advertiu que a falta de ações efetivas pode trazer impactos econômicos severos.
A discussão também abordou os créditos de carbono, uma solução promissora, mas que enfrenta desafios no Brasil. Segundo a subprocuradora-geral da República, ex-procuradora-geral da República, o mercado voluntário de créditos de carbono no país carece de controle e integridade. “Hoje, nada impede que uma certificadora emita múltiplos certificados para o mesmo projeto ou que um crédito seja vendido fraudulentamente para várias pessoas.”
Ela sugeriu medidas para regulamentar o mercado, incluindo o registro de créditos de carbono atrelado às matrículas de imóveis ou por meio de um sistema centralizado. “Sem controle, corremos o risco de práticas indesejáveis comprometerem não só a credibilidade do mercado, mas também os direitos das comunidades tradicionais que ajudam a preservar as florestas”, pontuou Dodge.
Estoque de carbono: um ativo valioso, mas pouco regulado
Por sua vez, Maria Tereza Uille Gomes, ex-conselheira do CNJ e doutora em sociologia pela UFRP, falou da falta de segurança jurídica e regulamentação no mercado de carbono brasileiro. “Como certificar a integridade do carbono?”, questionou. A palestrante explicou que o estoque de carbono é acumulado ao longo dos anos em florestas, manguezais e outras áreas verdes, mas que a ausência de uma legislação robusta permite lacunas graves no processo.
Segundo ela, a legislação aprovada recentemente é um passo importante, mas ainda insuficiente para assegurar transparência e prevenção de fraudes, como o greenwashing. “Hoje, temos um vazio normativo que coloca em risco a segurança das operações. Precisamos garantir que o carbono estocado em florestas ou manguezais seja devidamente registrado e mensurado”.
O papel dos cartórios e a regularização fundiária
A integração dos Cartórios no processo de certificação e registro de carbono foi amplamente discutida. “Os Cartórios de registros públicos têm um papel essencial na documentação desse estoque de carbono, mas enfrentam desafios, como o uso do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que é autodeclaratório e frequentemente carece de validação”, alertou.
A palestrante também destacou os riscos de se comercializar estoques de carbono sem que haja clareza sobre a titularidade das terras e a validade das informações registradas. “O CAR é um instrumento de gestão excelente, mas, sem validação, abre brechas para que estoques de carbono sejam negociados de forma inadequada, muitas vezes sobre terras sem titulação clara ou em áreas protegidas”.
Como solução, Uille sugeriu maior regulamentação e o desenvolvimento de mecanismos que garantam segurança jurídica. “É fundamental vincular os estoques de carbono às matrículas das propriedades e criar modelos claros de documentação. Isso inclui o uso de escrituras públicas ou atas notariais para formalizar as transações”, afirmou.
Em sua fala, Patrícia Ferraz, diretora de Meio Ambiente da ANOREG/BR, diretora da CNR e doutora pela Uninove/SP, a criação de um mercado de crédito de carbono vinculado à propriedade imobiliária exige um ambiente seguro e transparente. “Não dá para falar de crédito de carbono florestal se não tivermos segurança sobre a dominialidade. Como haverá confiança jurídica quanto aos proveitos econômicos se não soubermos quem é o titular do imóvel?”, questionou. Segundo ela, Cartórios têm um papel fundamental na estruturação desse mercado. “Com as ferramentas tecnológicas disponíveis hoje, podemos registrar matrículas e permitir que investidores de qualquer lugar do mundo, como um chinês ou um canadense, verifiquem online a autenticidade dos créditos de carbono, oferecendo transparência inédita no mercado internacional.”
Patrícia Ferraz reforçou a relevância do tema, explicando que o mercado atual privilegia países desenvolvidos, enquanto o Brasil, mesmo detentor de uma das maiores riquezas climáticas do mundo, permanece à margem. “Estamos falando de um modelo em que o emissor polui, paga uma fração mínima para manter a floresta e revende o crédito a um valor muito superior. Esse mercado não interessa ao Brasil”, afirmou.
Ela destacou que, além de segurança jurídica, o país precisa criar um mercado de estoque de carbono. “O Brasil tem a maior floresta tropical do mundo, mas não controla sua riqueza climática. É urgente registrar o estoque de carbono e negociar contratos com base em informações confiáveis, algo que os Cartórios podem garantir com eficiência.”
“O registro de imóveis e contratos de crédito de carbono precisa ser público, transparente e auditável. Assim, garantimos um modelo justo e eficiente, que beneficie o Brasil e fortaleça nossa soberania climática”, concluiu a diretora de Meio Ambiente da ANOREG/BR.
Fonte: Assessoria de Comunicação da ANOREG/BR