A tarde do segundo dia de XXIV Congresso da ANOREG/BR e VII CONCART trouxe uma palestra imperdível sobre “O Impacto do Direito Digital para Notários e Registradores”, explorando como a transformação digital está moldando o futuro da atividade extrajudicial.
Laura Porto, advogada, professora e consultora jurídica especializada em Direito Digital, foi a mediadora do painel, que contou com a participação de Ricardo Custódio, professor da UFSC e especialista em Direito Digital e Inteligência Artificial; Renato Dolci, mestre em Economia, sociólogo e cientista político pela PUC/SP; Fernando Nascimento, vice-presidente do ONR; e Rodrigo Pinho, coordenador de tecnologia do IRTDPJ Brasil. Juntos, abordaram os desafios e as oportunidades que o Direito Digital oferece, além de destacar como as tecnologias estão redefinindo os serviços notariais e registrais.
“Desde 1999, começamos a explorar a aplicação da tecnologia nos Cartórios brasileiros, desenvolvendo projetos pioneiros que ainda hoje guiam nossas práticas”, destacou o professor Ricardo Custódio, supervisor do Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento em Registro Civil do Brasil. Segundo ele, o foco inicial foi digitalizar registros e criar bases de dados acessíveis e seguras, algo que agora se expande com a introdução de IA.
Com o avanço da IA, surgem ferramentas que não apenas automatizam processos, mas também trazem novas capacidades analíticas para os Cartórios. “Criamos um livro que resume mais de cinco anos de estudos sobre IA em serviços públicos e privados. Nossa pesquisa abrange desde os avanços no Brasil até casos de sucesso em países como Canadá e Reino Unido”, explicou Custódio.
Um exemplo citado foi o uso da IA no registro civil, onde tecnologias podem gerar estatísticas digitais que auxiliam na formulação de políticas públicas. Além disso, a automação de processos, como a emissão de certidões e o registro de propriedades, promete maior agilidade e redução de custos.
Outro aspecto abordado foi a capacitação dos profissionais do setor. “Nossa missão é educar e preparar notários e registradores para essa nova realidade. Oferecemos cursos de mestrado e doutorado, além de treinamento específico em tecnologias de IA”, enfatizou Custódio.
Ele também apontou que a personalização de ferramentas tecnológicas pode fortalecer a confiança entre usuários e sistemas. “Ao personalizar soluções, refletindo características culturais e regionais, garantimos uma interação mais natural e eficiente com a tecnologia”, afirmou.
“Estamos apenas no início. A verdadeira transformação digital só será possível quando combinarmos tecnologia com uma base sólida de ética e conhecimento humano”, concluiu Custódio.
Segundo Renato Dolci, mestre em Economia, sociólogo e cientista político pela PUC/SP, para aqueles que trabalham diariamente com tecnologia, a IA já é uma realidade consolidada. “A gente escuta falar de IA como se fosse algo do futuro, mas para quem está no dia a dia da tecnologia, ela já é uma prática de mercado muito básica. Já usamos IA para uma série de coisas que são extremamente relevantes. É o futuro para alguns, mas para muitos é o passado.”
Ele explicou que a utilização de IA em Cartórios não é novidade e está presente em atividades como prompts e sistemas de atendimento automatizado. “Um prompt é quando você dá uma ordem para a IA executar algo. Talvez o ChatGPT seja o exemplo mais conhecido. Essa interação já acontece em Cartórios, ainda que não seja evidente para todos.”
Apesar dos avanços, ele destacou os desafios técnicos no treinamento de modelos de IA. “Você precisa treinar seu modelo. É fundamental testar a capacidade dele em diversas situações. Por exemplo, em um projeto que envolvia chatbots, ao xingar o modelo, ele revidava. Isso atrasou o lançamento do nosso projeto, mas mostrou como é essencial ‘estressar’ o modelo antes de implementá-lo.”
Essa questão é particularmente importante no atendimento ao público, onde a IA pode ser muito eficaz, mas também delicada. “O cliente pode chegar ao Cartório já estressado. O modelo precisa compreender o tom das mensagens e oferecer respostas adequadas para evitar problemas maiores.”
O palestrante alertou sobre o “canto da sereia” da tecnologia, ao lembrar que a IA deve ser encarada como um meio, e não um fim. “Se acreditarmos que a tecnologia vai resolver tudo sozinha, corremos o risco de abrir espaço para que nossa função perca relevância. No Brasil, um país com histórico complexo, a legitimidade conferida por notários e registradores é fundamental. A tecnologia precisa reforçar essa função, não substituí-la”, disse Dolci.
Ao concluir, o palestrante incentivou o uso consciente da IA. “Usem e abusem da IA, mas lembrem-se de que ela é uma ferramenta, não uma solução final. Para o atendimento ao público e a gestão de processos, ela é incrível. Mas nós, como profissionais, continuamos sendo indispensáveis para garantir legitimidade e transparência.”
IA como ferramenta e não substituição
Em sua fala, Fernando Nascimento, vice-presidente do ONR, foi enfático ao destacar que a inteligência artificial deve ser vista como uma ferramenta auxiliar, e não como substituta dos profissionais humanos. “A IA tem 99,7% de acuracidade na extração de dados de matrículas. Mas sim, há 0,3% de margem de erro. E o humano também erra, muitas vezes até mais. A validação final sempre será do oficial de registro”, explicou.
Essa abordagem híbrida, onde a tecnologia e o olhar humano se complementam, é a base dos projetos do ONR, que está implementando ferramentas inovadoras para atender às exigências do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como o cumprimento do Provimento 143.
Um dos projetos destacados foi a criação de uma IA específica para o registro de imóveis, desenvolvida para digitalizar e estruturar informações de matrículas. “A solução digitaliza a matrícula, extrai o texto e organiza os dados, como nomes, CPFs e informações sobre os imóveis. Isso permite que os Cartórios atendam ao prazo do CNJ para disponibilizar as informações na plataforma nacional RI Digital”, explicou Nascimento.
Além disso, a tecnologia está sendo usada em outras frentes, como na qualificação registral assistida. “A IA pode identificar inconsistências em contratos e emitir alertas, ajudando o registrador a validar cláusulas ou detectar alterações suspeitas. Essa assistência é um avanço significativo na análise de documentos complexos”, afirmou.
Apesar das inovações, Fernando destacou os desafios do setor, especialmente para Cartórios menores que ainda estão em processo de digitalização. Iniciativas como o Programa de Inclusão Digital (PID) têm sido fundamentais para garantir que Cartórios de pequeno porte recebam equipamentos e suporte tecnológico.
Outra preocupação mencionada foi a adaptação das matrículas longas e complexas para o formato eletrônico. “A IA pode estruturar a situação jurídica atualizada de uma matrícula, facilitando a transição para o registro eletrônico e garantindo que as informações estejam corretas e acessíveis”, disse.
Por sua vez, Rodrigo Pinho, coordenador de tecnologia do IRTDPJ Brasil, explicou que o uso de IA ainda em fase inicial no Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil, mas já apresenta potencial revolucionário. “A nossa prova de conceito mais avançada ensina, dentro de um ambiente privado, uma IA a produzir conteúdos como manuais para todos os serviços entregues aos clientes e Cartórios. É claro, sempre com revisão humana, porque não se pode confiar cegamente na IA para produzir conteúdo”, alertou.
Capacitação e respostas rápidas
Com mais de 3.800 Cartórios atendidos pelo RTDPJ, a necessidade de respostas rápidas e soluções eficientes é um desafio constante. Nesse contexto, a IA se apresenta como uma aliada poderosa para o suporte técnico e capacitação contínua. “Criamos um ambiente controlado de conhecimento para treinar nossa equipe de suporte. Quando um caso surge, a inteligência artificial pode consultar um histórico de cinco anos de dados, proporcionando uma resposta adequada e fundamentada em experiências anteriores”, explicou Rodrigo Pinho.
O futuro é promissor para o RTDPJ, com planos de disponibilizar novas ferramentas de IA até 2025. “Estamos à frente em investimentos em tecnologia como nunca antes. Nosso objetivo é trazer soluções que não só apoiem as equipes internas, mas também transformem a forma como os Cartórios lidam com demandas diárias e inovem no atendimento ao público”, concluiu.
“Foi um painel extremamente atual, digital. Tivemos todas as especialidades falando do impacto da inteligência artificial dentro do Cartório, sobre as perspectivas, o que está em desenvolvimento, principalmente como já estão utilizando a inteligência artificial hoje, no dia a dia”, pontuou Laura Porto.
“A inteligência artificial já está aqui entre nós. Temos que saber lidar com ela da melhor forma para ajudar a melhorar o atendimento, e o desenvolvimento do trabalho no Cartório”, concluiu a consultora jurídica especializada em Direito Digital.
Fonte: Assessoria de Comunicação da ANOREG/BR