A segunda palestra do Cartório Talks proferida no dia 28 de novembro, durante o XXIV Congresso Brasileiro de Direito Notarial e Registral (Congresso da ANOREG/BR) e a VII Conferência Nacional dos Cartórios (CONCART), trouxe o tema “Perspectivas da Reforma do Código Civil no Contexto do Direito Notarial e Registral”, proporcionando reflexões profundas e essenciais para a atividade extrajudicial.
Com uma mesa de debate composta por especialistas renomados – Carlos Elias, consultor do Senado Federal e doutor pela UnB; Rodrigo Toscano de Brito, advogado civilista e doutor pela PUC-SP; Pablo Stolze Gagliano, advogado civilista e doutor pela PUC-SP; e Eduardo Madruga, advogado e mestre pela Universidade de Coimbra – o painel abordou os impactos das reformas legislativas para o futuro da atividade notarial e registral no Brasil.
Em sua fala, Pablo Stolze Gagliano falou sobre o pacto antenupcial, direito da posse e a cláusula do pôr-do-sol, também conhecida como “cláusula de caducidade”.
No âmbito dos pactos antenupciais, não é incomum a inserção de uma cláusula que vigorará após um certo lapso de tempo ou em face do implemento de determinado evento. “O casal pode, em um primeiro momento, nos dois primeiros anos do casamento, por exemplo, estabelecer normas patrimoniais mais restritivas, de maneira que, após o decurso do prazo, o regime de bens passaria a ser mais comunitário ou compartilhado. Como se houvesse um “período de teste” ou “estágio probatório”, que, por medida de segurança, recomendaria inicialmente um estatuto normativo mais cauteloso”, explicou.
“É de inegável valor a proposta, constante no anteprojeto de Reforma do Código Civil, no sentido de se consagrar, no âmbito do Direito Patrimonial de Família, a cláusula do po?r-do-sol (sunset clause). Essa consagração dialoga com a autonomia privada, respeitando a autodeterminação e a liberdade dos casais brasileiros”, concluiu o palestrante.
Em sua fala, Carlos Elias, consultor do Senado Federal e doutor pela UnB, falou da proposta de tokenização imobiliária, que permitirá a transferência de propriedades via aplicativos digitais usando blockchain. A inovação promete simplificar as transações, mas traz consigo uma série de preocupações quanto à segurança jurídica e à clareza sobre a titularidade dos bens.
"A ideia, que no momento parece ser cativante, na verdade é um desastre da segurança jurídica, porque não vou saber mais quem é o proprietário. Se a empresa quebrar, você não vai ter mais acesso à informação."
A principal preocupação levantada é a ausência de um registro centralizado e seguro que garanta a autenticidade das transações e a identidade dos proprietários. Além disso, a suposta inviolabilidade da blockchain foi desmistificada. Segundo Carlos Elias, "existe um mito de que a blockchain é absolutamente intocável. Na verdade, não é bem assim. É possível, em tese, fraudar se alguém conseguir acessar todos os computadores."
A criação de matrículas virtuais e a possibilidade de escrituras públicas eletrônicas surgem como alternativas viáveis para modernizar o tráfego imobiliário, sem comprometer a segurança jurídica. "Os notários são fundamentais. Eles funcionam como verdadeiros índices de purificação jurídica dos negócios”, finalizou.
Por sua vez, Eduardo Madruga tratou do avanço tecnológico e das inovações jurídicas, especialmente com a implementação do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, e que estão redefinindo o papel do Poder Judiciário e das serventias extrajudiciais no Brasil. Ele destacou o impacto dessas mudanças, com foco na desjudicialização e no fortalecimento dos serviços notariais.
O advogado e mestre pela Universidade de Coimbra Durante abordou o conceito de "justiça multiportas", que propõe alternativas ao sistema tradicional de resolução de conflitos. “Ao lado do poder judiciário, temos agora portas paralelas e igualmente eficazes, como a conciliação, mediação e arbitragem”, explicou. Dentro desse contexto, os Cartórios, especialmente os serviços notariais, ganham protagonismo. “A serventia notarial é, digamos, a porta do céu dentro dessa justiça multiportas”, comparou, destacando a eficiência do modelo.
Outra inovação discutida foi a negociação processual, permitida pelo CPC 2015. Esse recurso possibilita que as partes ajustem previamente como futuros processos serão conduzidos. Um exemplo mencionado foi a possibilidade de estipular, em um contrato, que notificações judiciais ocorram via aplicativos como WhatsApp ou e-mail.
A adaptação do sistema extrajudicial às novas realidades sociais e tecnológicas foi destacada como um desafio contínuo. “Os cartórios surgiram pela necessidade da sociedade e, agora, cabe aos notários e registradores encontrarem soluções para as demandas atuais”, ressaltou o especialista.
Desafios e Expectativas
O mediador do debate Rodrigo Toscano de Brito explicou que a proposta de reforma do Código Civil vem despertando interesse e gerando debates intensos na comunidade jurídica, especialmente no âmbito do direito notarial e registral.
“Estamos vendo uma oxigenação do que chamamos de autotutela constitucionalizada. Isso representa uma evolução importante, permitindo que ações previamente vistas como arbitrárias sejam tratadas sob o manto da legalidade e eficiência”. Ele exemplificou o conceito citando o funcionamento de plataformas digitais como o Uber, onde o cancelamento de uma viagem acarreta automaticamente o débito de uma multa, caracterizando um exercício legítimo de autotutela.
A reforma também traz mudanças significativas no campo notarial, ampliando as possibilidades de atuação dos tabeliães. Entre os destaques estão escrituras públicas inovadoras, escrituras relacionadas a menores de idade, adoção de maiores de 18 anos, pactos pós-nupciais e mudança de regime de bens.
Toscano ainda apontou as oportunidades que a reforma trará para modernizar o direito notarial e registral. Entre as propostas mais aguardadas estão o avanço na digitalização de processos e a adoção de contratos eletrônicos. “Vivemos em um mundo digital, mas nosso Código Civil ainda parte de premissas analógicas. Essas mudanças são necessárias para nos alinharmos ao presente,” ressaltou.
Embora a proposta de reforma ainda esteja em tramitação, ele se mostrou otimista com a possibilidade de implementação de boa parte das mudanças. “É um universo de avanços tanto para o notariado quanto para o registro civil, e esperamos que o texto aprovado reflita a modernidade e as necessidades do nosso tempo,” concluiu.
Fonte: Assessoria de Comunicação da ANOREG/BR