Resolução nº 571/24 também prevê a lavratura dos atos notariais relacionados a separações e divórcios consensuais pela via extrajudicial, mesmo quando há menores ou incapazes entre os herdeiros
A Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG/BR) conversou com a advogada, presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-SP e pós-graduada em Direito Notarial e Registral pela Escola Paulista da Magistratura (EPM-SP), Rachel Leticia Curcio Ximenes de Lima Almeida, para repercutir a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através da publicação da Resolução nº 571/24, que disciplina a lavratura dos atos notariais relacionados a inventários, partilhas, separações consensuais, divórcios consensuais pela via extrajudicial, mesmo quando há menores ou incapazes entre os herdeiros.
A normativa altera a Resolução nº 35/2007 e traz também a extinção consensual de uniões estáveis pela via administrativa, a autorização para venda de bens do espólio por escritura pública e a realização de inventário extrajudicial mesmo quando o falecido deixou testamento. A decisão unânime foi aprovada pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no dia 20 de agosto, durante a 3ª Sessão Extraordinária de 2024, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, quando estava no cargo de corregedor nacional de Justiça.
Leia abaixo a entrevista completa:
ANOREG/BR – Qual sua opinião sobre essa decisão do CNJ?
Rachel Ximenes – Vejo com entusiasmo a decisão do CNJ de pacificar o entendimento em âmbito nacional. A uniformização permitirá que a realização de inventários e partilhas de bens ocorra pela via administrativa, diretamente em cartórios, mesmo nos casos em que existam herdeiros menores de 18 anos ou incapazes. Essa medida, que já era adotada em alguns Estados, como São Paulo, tem o objetivo de trazer maior celeridade aos processos, aperfeiçoando e promovendo um sistema cada vez mais eficiente e ágil para a população brasileira. Vale destacar que o mecanismo extrajudicial amplia o acesso à justiça por meio do sistema multiportas, já consolidado e prestigiado em todo o país e que se estabelece como mais passo dado na caminhada de desjudicialização.
ANOREG/BR – Como essa autorização pode influenciar a dinâmica e a eficiência do
processo sucessório?
Rachel Ximenes – A norma publicada pelo CNJ trouxe a expressamente a possibilidade de realizar divórcios, inventários e partilhas consensuais, mesmo quando houver menores ou incapazes, ou no caso de o falecido ter deixado testamento.
Nos casos em que há menores ou incapazes, ressalta-se que para a realização da escritura pública de divórcio consensual, deva ser previamente resolvidas, por via judicial, todas as questões relacionadas à guarda, visitação e pensão alimentícia. Quanto ao inventário, este poderá ser realizado pela via extrajudicial, desde que seja assegurada a parte ideal em cada um dos bens inventários e haja manifestação favorável do Ministério Público.
No que se refere ao inventário com testamento, a resolução exige a autorização expressa do juízo sucessório competente, em ação de abertura e cumprimento do testamento. É importante destacar que não basta a simples abertura do testamento no Judiciário, sendo necessária também a autorização expressa para a lavratura da escritura pública. Além disso, a norma prevê a possibilidade de alienação de bens do espólio, sem necessidade de autorização judicial, para cobrir as despesas do inventário. O que é um passo importante para aqueles que encontram-se desamparado financeiramente no momento e precisam finalizar o procedimento.
Essas mudanças representam uma significativa alteração na dinâmica dos procedimentos, embora já sejam uma realidade em alguns Estados, como no Rio de Janeiro, onde há previsão nos códigos de normas das corregedorias. No entanto, essas alterações trazem uma verdadeira renovação dos institutos, permitindo maior celeridade, simplificação e acesso à justiça de forma menos burocrática, eliminando as disparidades entre os Estados e reforçando a segurança jurídica.
ANOREG/BR – Quais os desafios que podem ser enfrentados ao adaptar-se às mudanças
trazidas pela autorização?
Rachel Ximenes – Acredito que a criação desse instituto já era aguardada e desejada há muito tempo pelos operadores do Direito. São inegáveis os benefícios e a segurança jurídica proporcionados pela padronização dos serviços notariais. A norma vem em auxílio ao Poder Judiciário, que, como sabemos, enfrenta atualmente um número excessivo de processos. A resolução surge, justamente, como uma medida de colaboração e contribuição. No entanto, por ser bastante recente, ainda pode suscitar alguns questionamentos, embora já aplicada por alguns Estados em regulamentos próprios. Um aspecto que, assim que publicada, chamou a atenção e levantou debates, foi em relação ao momento em que o Ministério Público deva se manifestar nos autos do inventário em que haja interessados menores ou incapazes. Há quem defenda a manifestação prévia à lavratura da escritura e quem opte pela posterior. As justificativas apresentadas por ambos os lados são consistentes e plausíveis. O Ministério Público de São Paulo acabou de liberar a Resolução n.º 1.919/2024 tratando sobre o tema. Trouxe o órgão dispondo, em seu artigo 3º, que o Tabelião deverá encaminhar a minuta com todos os documentos, e que a manifestação do Promotor de Justiça será feita por meio eletrônico. Após manifestação favorável, o Tabelião deverá enviar o translado, após a lavratura da escritura pública, ao Ministério Público, no prazo de 48 horas, para controle. Há quem discorde desse ponto, justificando que isso comprometeria a celeridade inerente ao procedimento extrajudicial. Será preciso verificar na prática como isso funcionará. Como mencionado anteriormente, embora seja um grande passo, a norma não é novidade para alguns Estados, que já adotavam esse mecanismo. O que temos agora é um procedimento aplicado em todo o país. Essas pequenas controvérsias de regulamentação serão, indiscutivelmente, dirimidas com o tempo, e o ganho para a população será imensurável.
ANOREG/BR – Como avalia a satisfação dos clientes ao optarem por realizar
inventários e partilhas em Cartórios?
Rachel Ximenes – Não restam dúvidas quanto à qualidade dos serviços prestados pelas serventias extrajudiciais e à satisfação de seus usuários. Isso se deve, principalmente, à maior celeridade, simplicidade e menor burocracia dos procedimentos extrajudiciais. As partes optam por essa via justamente porque resulta em menor desgaste, tanto financeiro quanto emocional.
Esse fato é comprovado pela revista Cartório em Números, que aponta que, até 30 de novembro de 2023, foram realizados mais de 210.833 inventários no Brasil. No Rio de Janeiro, por exemplo, em 2022, houve um aumento de 142% no número de divórcios e inventários em dois anos, quando comparado à média anual entre 2007 e 2020.
Embora o Poder Judiciário preste um bom serviço, está sobrecarregado. A delegação de questões consensuais às serventias extrajudiciais é de extrema importância para a própria manutenção da justiça. Os cartórios já foram reconhecidos como uma das instituições mais confiáveis do país. Assim, podemos concluir que o impacto dessas mudanças é, e continuará sendo, positivo, proporcionando acesso rápido e eficiente às demandas, aumentando o uso das vias extrajudiciais e fortalecendo a confiança e a satisfação com os serviços prestados pelos cartórios.
Fonte: AssCom ANOREG/BR