Não é necessário alterar o sobrenome do cônjuge no casamento civil. Esse ato tem como motivação unicamente a vontade expressa das partes. Dito isso, lembre-se de que conhecimento é importante em qualquer fase da vida. O casamento, mormente o casamento civil, integra o rol dos direitos de caráter constitucional previstos no Capítulo VII do Título VIII da atual Constituição, mais precisamente em seu artigo 226, caput e § 1º, que já em seu caput define: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º O casamento é civil e gratuita a celebração”.
E na mesma oportunidade, ou seja, ainda no artigo 226, é assegurado com relevância constitucional o direito ao divórcio, vide o parágrafo sexto do retro mencionado dispositivo constitucional: “§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.
Tais normas detêm, assim como a maior parte do texto contido na Constituição, um caráter geral e amplo que possuí o condão de alcançar e abranger toda a sociedade, considerando ainda todas as suas peculiaridades, seja de forma direta ou indireta, através da interpretação de seu texto.
Não obstante, justamente para que as normas constitucionais possam ser efetivamente aplicadas na sociedade, as matérias exaustivamente contidas na Carta Magna são ainda destrinchadas e regulamentadas em vasta legislação infraconstitucional.
Dentre essa legislação, que se encontra abaixo da Constituição na pirâmide de Hans Kelsen, para manipular o instituto do casamento civil e sua dissolução, bem como, suas características e requisitos, é necessário fazer uso sobretudo da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil brasileiro; da Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015, que institui o mais recente e atualmente em voga Código de Processo Civil; e da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, a Lei do Divórcio.
O Código Civil, regulamentador da vida civil em múltiplos âmbitos, cuida do instituto do casamento e do divórcio desde 2002 em muitos momentos, mas especialmente a partir do artigo 1.511, primeiro artigo das divisões: Livro IV – Do Direito de Família; Título I – Do Direito Pessoal; Subtítulo I – Do Casamento. Logo, é possível observar que, assim como a Constituição, o códex cível dá início ao tratamento da matéria do direito de família legislando sobre o instituto do casamento, e a partir daí sua regulamentação é feita de forma mais específica, sendo estabelecidos os requisitos e as proibições pertinentes à contração legal e voluntária de núpcias.
Tão abrangentes são as disposições contidas no Subtítulo I – Do Casamento que a matéria só é encerrada no artigo 1.582. Nesses mais de 70 artigos, é possível notar a influência da Lei do Divórcio, além disso, em nenhum momento é requerida a alteração do nome de qualquer dos nubentes.
O Código de Processo Civil, a Lei nº 13.105/2015, por sua vez, é a norma legal responsável pela regulamentação processual da matéria. Em tal código, as regras normativas que tratam de forma mais específica a demanda social casamento/divórcio se fazem presentes a partir do artigo 731, contido no Capítulo X, denominado: “Das Ações de Família”, tal capítulo não possui divisão em seções.
E ainda, o Código de Processo Civil já é essencialmente o código responsável pela regulamentação da forma como se dará a proposição e o impulso oficial dos processos cíveis no Brasil, servindo ainda como fonte analógica para suprir alguma eventual demanda de outros ramos do Direito.
Ainda assim, conforme anteriormente descrito, o CPC reserva uma parte especial para reger o rito das ações de família, porque essas ações são ações de caráter especial não genérico requerendo, portanto, uma tramitação especial e uniformizada e necessitando, sempre, de um profissional postulatoriamente capaz. Não possuindo, entretanto, requisitos capazes de tolher a sua proposição, uma vez que, além de ser uma garantia constitucional o divórcio é uma questão real, de human rights (direitos humanos).
Divórcio: separação a qualquer tempo
Já a Lei do Divórcio veio, em 1977, trazer vanguarda e inovação à regulamentação brasileira da matéria, transformando o antigo “desquite“ no divórcio tal como conhecemos hoje, que não carece mais de um tempo prévio de separação, podendo ser realizado a qualquer momento, partindo da vontade unilateral de qualquer das partes que compõe a união matrimonial.
O mencionado “desquite“ era, antes do advento do divórcio, a forma existente de dissolução da sociedade conjugal, entretanto, muito restrita e pouco efetiva, limitando-se ao taxativo rol do artigo 371 da Lei nº 3.071 de 1º de janeiro de 2016, outrora chamado de Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. O dispositivo retromencionado, assim dispunha em seu texto:
“CC, Art. 317. A ação de desquite só se pode fundar em algum dos seguintes motivos: I. Adultério. II. Tentativa de morte. III. Sevicia, ou injuria grave. IV. Abandono voluntário do lar conjugal, durante dois anos contínuos”. Infere-se que toda e qualquer ocorrência não condizente com as hipóteses apresentadas nos quatro incisos acima não concediam aos cônjuges o direito ao “desquite”, uma vez que o caput do artigo já classifica o rol como expressamente taxativo através do uso da expressão “só se pode fundar.”
Tal código tratava também sobre a necessidade de adoção pelo cônjuge virago do sobrenome do cônjuge varão, o que não representava uma decisão voluntária, mas um requisito compulsório. Em sua versão original, o Código Civil de 1916 (dois anos antes da deflagração da Primeira Guerra Mundial) estabelecia em seu artigo 240, Capítulo III, denominado “Dos Direitos e Deveres da Mulher”, o seguinte:
“CC/1916, Art. 240. A mulher assume, pelo casamento, com os apelidos [1] do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família (artigo 324).”
Mais tarde, em 1962, tal artigo foi alterado pela Lei nº 4.121, tomando a seguinte forma: “CC/1916, Art. 240. A mulher assume, com o casamento, os apelidos do marido e a condição de sua companheira, consorte e colaboradora dos encargos da família, cumprindo-lhe velar pela direção material e moral desta”.
E por fim, na década de 70, o Código Civil vigente na época foi alterado pela lei aqui tratada, a Lei nº 6.515/1977, que reformou pela última vez o artigo 240 do códex, vide sua última versão: “CC/1916, Art. 240 – A mulher, com o casamento, assume a condição de companheira, consorte e colaboradora do marido nos encargos de família, cumprindo-lhe velar pela direção material e moral desta. Parágrafo único – A mulher poderá acrescer ao seus os apelidos do marido”.
Note que a presença da palavra “poderá” na última versão desse artigo passou a caracterizar a mudança de sobrenome pela mulher como uma possibilidade, não como uma obrigação: vitória.
O fruto dessa reforma perdurou até o ano de 2002, quando o código em comento foi totalmente revogado pelo código atual, o qual já foi promulgado com observância à Lei do Divórcio em suas bases.
Também por força da Lei do Divórcio, restou totalmente revogado o “desquite”, surgindo como meio de dissolução da sociedade conjugal o divórcio nos termos já descritos acima, sendo essa a principal intenção da lei que já em seu artigo 2º determina: “Lei nº 6.515/1977, Art 2º – A Sociedade Conjugal termina: I – pela morte de um dos cônjuges; Il – pela nulidade ou anulação do casamento; III – pela separação judicial; IV – pelo divórcio”.
Hoje em dia, esse mesmo texto pode ser encontrado no artigo 1.517 do Código Civil vigente que, com quase as mesmas palavras, expressa (grifou): “CC, Art. 1.571. A sociedade conjugal termina: I – pela morte de um dos cônjuges; II – pela nulidade ou anulação do casamento; III – pela separação judicial; IV – pelo divórcio”.
Já a necessidade de mudança de sobrenome pelo nubente virago, como já dito, não é em nenhum momento mencionada pelo atual código porque no ano de 2002 essa necessidade já não mais existia há 25 anos.
O passar do tempo tende a, mesmo que com idas e vindas, alterar os costumes e o entendimento da sociedade em todos os aspectos. É importante lembrar que o casamento e seus ritos tornou-se um direito civil de forma relativamente “recente” na história da humanidade.
Na maior parte da história, o casamento se deu como uma prática religiosa, que não representava apenas uma atividade humana, mas o cumprimento de uma obrigação transcendental. Daí é fácil compreender porque as primeiras leis que surgiram com o objetivo de civilizar a prática, estabelecia regras e formas rígidas para o ato, proibindo o seu desfazimento e a permanência do nome da família de origem da noiva na nova família ser formada, por exemplo.
Fruto do Estado laico
Logo, o divórcio e a permanência do nome original da mulher podem também ser considerados frutos da laicização do Estado, considerando ainda que a primeira tentativa de laicização do Estado remonta ainda do século 19, quando, em 7 de janeiro de 1890, ocorreu o divórcio oficial entre a igreja e o Estado através do Decreto 119-A/1890.
Assim, tendo o Estado deixado de ser teocrático, os dogmas religiosos começaram a deixar de ser a principal fundamentação da criação, do desenvolvimento e da manutenção de leis no arcabouço jurídico. De modo que o teor dos atos legislativos tende a ser mais baseado na organização da sociedade que no cumprimento de deveres sacramentais inerentes às tradições religiosas.
Junto a isso, vêm também as mudanças sociais que estão sempre em constância. Desde que foi instituído, o instituto do casamento — que em boa parte das vezes, ao longo da história do mundo, demandou a mudança do nome do nubente virago — nem sempre trouxe consigo apenas o significado e a intenção da demonstração de afeto e a realização de planos pessoais e metas de vida.
Em outros tempos — ou ainda em tempos atuais, tendo em vista a diversidade de culturas existentes ao redor do planeta —, o casamento possuía objetivos menos idealistas e mais definidos, consistindo, muitas vezes, quase que em um dever social, bem como servia à satisfação de interesses diversos e geralmente de caráter patrimonial, como a aquisição e a manutenção de bens, terras e poder.
Exemplos disso formam os diversos casamentos históricos realizados ao longo das eras, que muitas vezes uniram não apenas os nubentes, mas reinos e sociedades inteiras. E pode-se dizer que essa forma de união serviu ainda como uma forma de, através da prole, acrescer a propriedade de indivíduos que futuramente seriam aptos ao trabalho, algo que foi muito comum, quase a regra, em contextos sociais antigos.
Atualmente, entretanto, e principalmente na sociedade ocidental, tais motivações matrimoniais não tendem a ser as principais, partindo, na maioria das vezes, originalmente da vontade das partes. De modo que cabe ao Estado apenas o dever de oficializá-lo, conforme essa vontade. Ficando superadas legislações que imponham formas rígidas para a realização de atos que são de interesse particular e pessoal, unicamente. Mesmo porque em qualquer âmbito do direito, a burocratização excessiva de um ato tende a diminuir a sua procura.
Todo o processo envolvido na alteração do sobrenome, em qualquer caso, tende a ser consideravelmente trabalhoso e até mesmo oneroso, já que envolve a mudança de diversos documentos que no futuro talvez precisem ser novamente alterados com a eventual ocorrência de um divórcio.
Entretanto, o importante é que o direito esteja disponível, sendo facultado a qualquer pessoa o seu exercício. Logo também importante é mencionar que a mudança de nome é uma escolha que certamente ainda pode ser efetivada e por parte de qualquer dos contratantes do matrimônio, não importa o sexo, podendo o novo sobrenome ser mantido, após o divórcio também.
Assim, depreende-se que quanto menor o sentimento de necessidade de praticar algo, mais esse algo pode ser praticado de forma espontânea. E através do exercício de uma livre e legítima vontade, o que pode representar benefícios para cada nova geração que surge, que ao ter a oportunidade de fazer livremente suas próprias escolhas, tende a fazer para si escolhas melhores. A igualdade começa no aceite das diferenças.
Fonte: Conjur