Com grande entusiasmo e reflexão, a comunidade jurídica recebeu no primeiro semestre de 2024 o relatório elaborado pela comissão de juristas, responsável pela proposição de atualização do Código Civil brasileiro. O relatório contempla uma série de sugestões visando aprimorar a sistemática da legislação civil, que perpassa pelo direito das obrigações, contratos, responsabilidade civil, direito de família, direito societário e direito digital.
Em determinados casos, as sugestões de atualização de determinada regra relacionada a uma área geram reflexos em outras. É o caso do artigo ora analisado, com a modificação do artigo 1.660 do Código Civil, a partir da inclusão dos incisos VII, VIII e IX.
O atual artigo 1.660 do Código Civil traz a previsão dos bens que integram a comunhão no regime de comunhão parcial, aplicável ao casamento e/ou união estável que de outra forma não dispuser sobre o regime. De acordo com a proposta de reforma do Código Civil, haveria a inclusão de mais alguns incisos no citado artigo, visando disciplinar a comunhão das cotas sociais detidas por um dos cônjuges ou conviventes.
Na sugestão para o inciso VII, a comunhão de bens integraria “os direitos patrimoniais sobre as quotas ou ações societárias adquiridas na constância do casamento ou da união estável”. Dentro do quadro de direitos detidos por um sócio, estão os direitos políticos e os direitos econômicos, os primeiros atinentes ao direito de votar nas deliberações em assembleias e reuniões de sócios e os segundos, eminentemente, o direito de receber lucros em razão da propriedade das cotas.
Assim, da leitura da previsão sugerida, infere-se que, além do valor patrimonial relativo às cotas detidas pelo cônjuge ou convivente sócio no ato da partilha em decorrência do divórcio ou separação, os lucros acumulados e disponíveis para distribuição também integrariam a comunhão.
Já o inciso VIII sugere que, na comunhão, seja integrada “a valorização das quotas ou das participações societárias ocorrida na constância do casamento ou da união estável, ainda que a aquisição das quotas ou das ações tenha ocorrido anteriormente ao início da convivência do casal, até a data da separação de fato”.
Em linha semelhante, a sugestão para o inciso IX prevê que integra a comunhão de bens a serem partilhados “a valorização das quotas sociais ou ações societárias decorrentes dos lucros reinvestidos na sociedade na vigência do casamento ou união estável do sócio, ainda que a sua constituição seja anterior à convivência do casal, até a data da separação de fato”.
Análise dos aspectos societários
Algumas reflexões no aspecto societário são importantes na análise dos incisos VIII e IX. A primeira delas refere-se à redação do inciso VIII, ao ampliar a comunhão para a valorização das cotas mesmo que estas tenham sido adquiridas em momento anterior ao casamento ou união estável. Aqui, busca-se preservar o direito do cônjuge ou companheiro não ao valor patrimonial da cota em si, que pode ter sido adquirida previamente à união, mas à valorização da participação societária quando da constância do casamento ou da convivência.
A segunda reflexão refere-se ao inciso IX, que prevê que a valorização da cota ou da ação integra a comunhão de bens mesmo que resultante de lucros reinvestidos na sociedade “ainda que a sua constituição seja anterior à convivência do casal”. Presume-se que “constituição anterior à convivência do casal” constante na redação do artigo refira-se à constituição do lucro reinvestido, embora a redação não seja clara, também podendo se interpretar como “constituição anterior” à própria participação societária ou mesmo a sociedade.
De todo o modo, no aspecto societário, a vigência do artigo 1.660 conforme previsto na sugestão da reforma trará a necessidade de atenção pelos sócios, acionistas e administradores de sociedades. Isto porque não é um ato simples a determinação do que venha a ser a “valorização” de uma participação societária, especialmente quando se trata de uma sociedade limitada.
A realidade nos mostra que, em muitos casos, o contrato social prevê um valor atribuído à cota que é destoante da realidade. Da mesma forma, tratando-se de sociedades limitadas, é sempre delicado a determinação de quanto efetivamente vale a cota de um sócio. A complexidade se torna maior se pensarmos em uma situação em que o sócio em processo de separação ou divórcio, além da partilha do valor patrimonial da sua participação, deverá identificar e pagar ao ex-cônjuge ou ex-convivente o resultado da valorização da sua cota.
Será necessário, dessa forma, realizar um verdadeiro processo de avaliação das cotas do sócio, como ocorre em processos de compra e venda de participações societárias, mas, para malefício do sócio, sem que ocorra efetivamente a realização dessa valorização no seu patrimônio.
Do ponto de vista societário, medidas como a elaboração de acordos de cotistas/acionistas, com a anuência dos cônjuges/conviventes, bem como a utilização de pactos antenupciais, delimitando ou vedando a abrangência dessa comunhão, tornar-se-ão ainda mais importantes, não apenas para as partes diretamente envolvidas no processo de divórcio ou separação, para sobretudo para a sociedade empresária, que indiretamente impactada, pode ter suas contas afetadas em decorrência do litígio na esfera individual de um sócio ou acionista.
Fonte: Conjur