RESOLUÇÃO Nº 541, DE 18 DE DEZEMBRO DE 2023.
Disciplina a instituição das comissões de heteroidentificação e o respectivo procedimento nos concursos públicos realizados no âmbito do Poder Judiciário, na forma prevista nas Resoluções CNJ nº 75/2009, 81/2009 e 203/2015.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO o disposto na Lei nº 12.990/2014;
CONSIDERANDO o disposto na Lei nº 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial);
CONSIDERANDO o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 186/Distrito Federal, declarando constitucional ações afirmativas para promover a igualdade racial, bem como a ADC 41/Distrito Federal, que reputou legítima a utilização de critérios subsidiários de heteroidentificação à autodeclaração de pessoa negra;
CONSIDERANDO as Resoluções CNJ nº 81/2009, 203/2015 e 75/2009, as duas últimas alteradas pela Resolução CNJ nº 457/2022;
CONSIDERANDO o relatório da Pesquisa sobre Negros e Negras no Poder Judiciário, realizada por este CNJ e divulgada em 2021;
CONSIDERANDO a necessidade de auxiliar a uniformização dos procedimentos adotados pelos tribunais na composição de suas comissões de heteroidentificação;
CONSIDERANDO o que foi decidido no PCA nº 0002371-92.2022.2.00.0000;
CONSIDERANDO a decisão plenária tomada no procedimento Ato Normativo nº 0005090-13.2023.2.00.0000, na 19ª Sessão Ordinária, realizada em 13 de dezembro de 2023;
RESOLVE:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Disciplinar o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos(as) candidatos(as) negros(as), a ser previsto nos editais de abertura de concursos públicos para provimento de cargos no âmbito do Poder Judiciário, inclusive de ingresso na magistratura, e para a outorga das delegações de notas e de registro, para fins de preenchimento das vagas reservadas, previstas nas Resoluções CNJ nº 81/2009, 75/2009 e 203/2015, nos termos da Lei nº 12.990/2014.
Parágrafo único. O procedimento de heteroidentificação previsto nesta Resoluçãosubmete-se aos seguintes princípios e diretrizes:
I – respeito à dignidade da pessoa humana;
II – observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal;
III – garantia de padronização e de igualdade de tratamento entre candidatos(as) submetidos(as) ao procedimento de heteroidentificação promovido no mesmo concurso público;
IV – garantia da publicidade e do controle social do procedimento de heteroidentificação, resguardadas as hipóteses de sigilo previstas em lei;
V – atendimento ao dever de autotutela da legalidade pela administração pública;
VI – garantia da efetividade da ação afirmativa de reserva de vagas a candidatos(as) negros(as) nos concursos públicos de ingresso no serviço público do Poder Judiciário.
Art. 2º Para concorrer às vagas reservadas a candidatos(as) negros(as), o(a) postulante deverá assim se autodeclarar, no momento da inscrição no concurso público, de acordo com os critérios de raça e cor utilizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Art. 3º A autodeclaração do(a) candidato(a) goza da presunção relativa de veracidade.
Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no caput, a autodeclaração do(a) candidato(a) será confirmada mediante procedimento de heteroidentificação.
Art. 4º Os editais de abertura de concursos públicos no âmbito do Poder Judiciário explicitarão as providências a serem adotadas no procedimento de heteroidentificação, nos termos da Lei nº 12.990/2014, bem como o local provável de sua realização.
CAPÍTULO II
DO PROCEDIMENTO PARA FINS DE HETEROIDENTIFICAÇÃO
Art. 5º Considera-se procedimento de heteroidentificação a identificação por terceiros da condição racial autodeclarada.
Art. 6º O procedimento de heteroidentificação será realizado por comissão criada especificamente para este fim.
I – reputação ilibada;
II – residência no Brasil;
III – participação de curso, com carga horária mínima de 20h, sobre relações raciais e enfrentamento ao racismo, oferecidos por escolas de formação damagistratura, centros de educação judicial, instituições públicas ou privadas de ensino credenciadas pelo MEC, desde que, comprovadamente, adotem política de cotas e possuam comissões de heteroidentificação instituídas, devendo ser abordados os seguintes conteúdos mínimos:
Art. 7º O procedimento de heteroidentificação ocorrerá em 2 (duas) etapas.
Art. 8º O procedimento de heteroidentificação será filmado e sua gravação será utilizada na análise de eventuais recursos interpostos pelos candidatos.
Art. 9º A comissão de heteroidentificação utilizará exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo(a) candidato(a) no concurso público.
Art. 10. Serão direcionados(as) para a lista de ampla concorrência do concurso público os(as) candidatos cujas autodeclarações não forem confirmadas em procedimento de heteroidentificação, salvo comprovada a má-fé em procedimento no qual seja assegurado o contraditório e a ampla defesa.
Art. 11. A comissão de heteroidentificação sempre deliberará pela maioria dos seus membros, sob forma de parecer motivado.
heteroidentificação a respeito da confirmação da autodeclaração e as condições para exercício do direito de recurso pelo(a) interessado(a).
CAPÍTULO III
DA FASE RECURSAL
Art. 12. Os editais preverão a existência de comissão recursal.
Art. 13. Das decisões da comissão de heteroidentificação caberá recurso dirigido à comissão recursal, nos termos do edital.
Parágrafo único. Em face de decisão que não confirmar a autodeclaração, terá interesse recursal o(a) candidato(a) por ela prejudicado(a).
Art. 14. Em suas decisões, a comissão recursal deverá considerar a filmagem do procedimento para fins de heteroidentificação, o parecer emitido pela comissão e o conteúdo do recurso elaborado pelo(a) candidato(a).
CAPÍTULO IV
DO BANCO NACIONAL DE ESPECIALISTAS PARA COMPOSIÇÃO DE COMISSÕES DE HETEROIDENTIFICAÇÃO
Art. 15.Fica instituído o Banco Nacional de Especialistas para composição de comissões de heteroidentificação no âmbito do Poder Judiciário, para cadastramento de dados de profissionais com formação emquestões raciais, nos termos do art. 6º desta Resolução.
Art. 16. O cadastramento de profissionais capacitados no Banco Nacional ocorrerá mediante requerimento da pessoa interessada, que deverá fornecer consentimento expresso, nos termos da Lei nº 13.709/2018, para a ampla divulgação dos seguintes dados:
I – nome;
II – cargo, função e vínculo profissional;
III – endereço eletrônico da Plataforma Lattes, se possuir, ou instrumento curricular congênere;
IV – titulação;
V – indicação do curso em questões raciais para o qual foi capacitada, com nome, carga horária e instituição responsável pela formação, nos termos do inciso III do § 1º do art. 6º desta Resolução.
Art. 17.O CNJ poderá, a qualquer momento, tornar indisponível o cadastro de profissional que não atenda às condições estabelecidas nesta Resolução.
Art. 18. O CNJ poderá admitir, para os fins de composição do Banco Nacional, a utilização de profissionais cadastrados pelos tribunais, desde que seja comprovada a observância das diretrizes da Lei nº 13.709/2018 e das regras previstas nesta Resolução.
Art. 19.O Comitê Executivo do Fórum Nacional do Poder Judiciário pela Equidade Racial (Fonaer) funcionará como instância decisória acerca do funcionamento do Banco Nacional de Especialistas para composição de Comissões de Heteroidentificação, cabendo-lhe decidir sobre os casos omissos.
Parágrafo único. O Departamento de Tecnologia da Informação e Comunicação (DTI) e o Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ prestarão o auxílio necessário à operacionalização técnica do Banco Nacional de Especialistas para composição de Comissões de Heteroidentificação.
CAPÍTULO V
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 20.O CNJ, subsidiado pelo Fonaer e em parceria com a ENFAM, realizará anualmente, no mínimo, um curso de formação e atualização em questões raciais com o objetivo de capacitar profissionais para acomposição de comissões de heteroidentificação.
Art. 21. Esta Resolução entra em vigor em 120 (cento e vinte dias) após sua publicação.
Ministro Luís Roberto Barroso
Fonte: DJe/CNJ