O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lança nesta quarta-feira (13/11) a pesquisa “Diagnóstico da Emissão de Documentos Básicos no Sistema Socioeducativo: atendimento inicial e meio fechado”, com dados inéditos que apontam que apenas 22% dos estados possuem projetos específicos para emissão de documentação de adolescentes envolvidos em atos infracionais, com impactos nas vidas de adolescentes e jovens. Atualmente, cerca de 12 mil adolescentes cumpram medidas em meio fechado, e mais de 117 mil em meio aberto no Brasil.
Ao serem indagadas sobre a existência de projeto específico para a emissão de documentação de adolescentes a quem se atribua a prática de ato infracional, sinalizaram positivamente Goiás, Alagoas, Espírito Santo, São Paulo, Distrito Federal e Santa Catarina. Dezoito estados informaram não possuir esse tipo de iniciativa. Aos três estados que participaram do pré-teste – Ceará, Pernambuco e Rio de Janeiro – não foi questionado esse aspecto.
O estudo ainda aponta que o acesso à Central de Informações do Registro Civil (CRC), sistema utilizado para localizar registros de nascimento, está disponível em somente seis estados do país (22% das 27 UFs) – Amazonas, Tocantins, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Santa Catarina. Um ponto positivo identificado na pesquisa é a adesão de 74% dos estados à isenção de taxa para a emissão da 2ª via do RG, o que facilita o acesso à documentação para grupos mais vulnerabilizados – não possuem isenção Acre, Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Roraima, São Paulo e Tocantins. A pesquisa foi realizada entre outubro e dezembro de 2022 pelo programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para transformar a privação de liberdade.
“Viabilizar o acesso à documentação civil de adolescentes no âmbito do sistema socioeducativo é medida crucial para superarmos estigmas e, principalmente, se evitar métodos invasivos de identificação compulsória, algo vedado pelo art. 109 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesta semana em que se comemorou o Dia Internacional de Direitos Humanos, o CNJ entende que o direito à documentação é fundamental porque viabiliza diversos outros direitos para o pleno exercício da cidadania”, afirma o coordenador do coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Luís Lanfredi.
Uma das principais recomendações da pesquisa é a necessidade de estabelecer convênios e fomentar legislações que garantam a gratuidade da documentação para jovens e adolescentes em cumprimento de medida, seguindo práticas bem-sucedidas já adotadas em determinadas UFs. “O CNJ conduziu o diagnóstico para mapear desafios no acesso à documentação civil de adolescentes no sistema socioeducativo, respeitando os princípios da prioridade absoluta e da proteção integral, conforme estabelecidos na Constituição Federal de 1988. O relatório é um chamado à ação. Nós, como sociedade, temos a responsabilidade de agir com base nessas descobertas para garantir que cada adolescente e jovem tenha acesso irrestrito aos documentos que são fundamentais para o exercício pleno da cidadania”, ressalta o juiz auxiliar da presidência do CNJ com atuação na área socioeducativa do DMF, Edinaldo César Santos Junior.
Estratégias
Ao informar que não foi identificado um modelo padrão entre as unidades federativas para os setores de emissão de documentos, a pesquisa destaca uma série de estratégias que podem ser adotadas pelas UFs para aprimorar o fluxo de emissão de documentos de jovens em cumprimento de medidas socioeducativas. Uma delas é reforçar, na educação dos adolescentes, uma compreensão aprofundada do papel dos documentos e sua conexão com os direitos civis, políticos, sociais e culturais.
Propõe, ainda, precauções para que os documentos emitidos não contenham elementos que possam identificar o adolescente em situação de cumprimento de medida socioeducativa, como fotos com uniformes específicos, visando preservar a privacidade e evitar estigmatização. Também aponta a necessidade de garantir o sigilo do processo socioeducativo, evitando a transferência de informações sobre o cumprimento de medidas aos órgãos emissores, com a importância do acompanhamento dos pais ou responsáveis em atendimentos presenciais para evitar identificação automática do adolescente.
Um dos temas debatidos no documento é o papel da tecnologia. Atualmente, a informatização de alguns serviços tem sido uma oportunidade para facilitar o fluxo de consulta, solicitação de documentos e agendamento de atendimentos, mas também um desafio diante do nível de exclusão digital a que está submetida a maioria dos(as) adolescentes no sistema socioeducativo, o que torna as plataformas digitais largamente inacessíveis a esse público.
Coordenadora do eixo Socioeducativo do Programa Fazendo Justiça, Fernanda Givisiez avalia que o diagnóstico destaca a urgência de abordar as disparidades dos fluxos e implementar políticas que assegurem o pleno acesso de adolescentes no socioeducativo à documentação civil. ” No sistema socioeducativo, muitos dos adolescentes não têm acesso à documentação, ou já tiveram e perderam. Não existem fluxos estabelecidos, o que acaba por dificultar o pleno exercício da cidadania a esses jovens. A partir desse diagnóstico, conseguimos perceber os gargalos e principais dificuldades para que possamos construir políticas públicas baseadas em evidências”.
Com oito ações simultâneas voltadas ao sistema socioeducativo, o Programa Fazendo Justiça concentra esforços na qualificação da atuação judiciária, desde o atendimento inicial até a saída do adolescente do sistema socioeducativo, com o objetivo de evitar a aplicação excessiva de medidas restritivas de liberdade, prevenir a superlotação das unidades socioeducativas e promover a garantia dos direitos fundamentais dos adolescentes e jovens.
Perfil de adolescentes em atendimento socioeducativo
Dados de 2023 do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), divulgados na última semana pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, mostram um total de 11.556 adolescentes inseridos ao sistema socioeducativo nas modalidades de restrição e privação de liberdade, com importante redução em comparação ao último levantamento de 2017, que registrou 24.803 pessoas.
Entre as pessoas em cumprimento de medida socioeducativa, 95,6% são do sexo masculino e 4,4% do sexo feminino. A maioria dos adolescentes declarou-se como parda/preta (63,8%), brancos (22,3%), e seguidos de amarelos, indígenas e quilombolas com porcentagens menores.
Fonte: Agência CNJ de Notícias