DECRETO Nº 11.585, DE 28 DE JUNHO 2023
Regulamenta a Lei Complementar nº 93, de 4 de fevereiro de 1998, que institui o Fundo de Terras e da Reforma Agrária.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei Complementar nº 93, de 4 de fevereiro de 1998,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DO FUNDO DE TERRAS E DA REFORMA AGRÁRIA
Art. 1º O Fundo de Terras e da Reforma Agrária, fundo especial de natureza contábil, instituído pela Lei Complementar nº 93, de 4 de fevereiro de 1998, será regido por este Decreto e pelo regulamento operativo elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.
I - programa de reordenação fundiária - ação do Poder Público federal, estadual, distrital ou municipal que visa a ampliar a redistribuição de terras e consolidar regimes de propriedade e de uso em bases familiares, com vistas à sua justa distribuição, por meio de mecanismos de crédito fundiário;
II - programa de assentamento rural - ação do Poder Público federal, estadual, distrital ou municipal e de cooperativas ou associações de trabalhadores rurais, com ou sem o apoio do Poder Público, que promova a redistribuição de terras com a dimensão de propriedade familiar; e
III - Programa Nacional de Crédito Fundiário - programa de reordenação fundiária e de assentamento rural, complementar à reforma agrária, financiado por meio do crédito fundiário oriundo dos recursos do Fundo de Terras e da Reforma Agrária destinados ao acesso à terra e a investimentos básicos, e integrado pelo Subprograma de Combate à Pobreza Rural, instituído pelo art. 6º da Medida Provisória nº 2.183-56, de 24 de agosto de 2001.
I - obedecer, entre outros, aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, nos termos do disposto no art. 37 da Constituição; e
II - considerar as questões de gênero, etnia e geração, e as de conservação e proteção ao meio ambiente.
CAPÍTULO II
DOS RECURSOS
Art. 2º O Fundo de Terras e da Reforma Agrária, instituído com a finalidade de financiar programas de reordenação fundiária e de assentamento rural, será constituído de:
I - sessenta por cento dos valores originários de contas de depósito, sob qualquer título, repassados ao Tesouro Nacional na forma prevista no art. 2º da Lei nº 9.526, de 8 de dezembro de 1997;
II - parcela dos recursos a que se refere o § 1º do art. 239 da Constituição, excedente ao mínimo nele previsto, em montantes e em condições a serem estabelecidas pelo Poder Executivo federal;
III - Títulos da Dívida Agrária - TDA, a serem emitidos na quantidade correspondente aos valores utilizados nas aquisições de terras destinadas aos Programas de Reordenação Fundiária implementados com amparo no Fundo de Terras e da Reforma Agrária, dentro dos limites previstos no Orçamento Geral da União, em cada ano;
IV - dotações consignadas no Orçamento Geral da União e em créditos adicionais;
V - dotações consignadas nos orçamentos gerais dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
VI - retorno de financiamentos concedidos com recursos do Fundo de Terras e da Reforma Agrária e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA;
VII - doações realizadas por entidades nacionais ou estrangeiras, públicas ou privadas;
VIII - recursos decorrentes de acordos, ajustes, contratos e convênios celebrados com órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital ou municipal;
IX - empréstimos e financiamentos de instituições financeiras nacionais e internacionais; e
X - recursos diversos, inclusive os resultantes das aplicações financeiras dos recursos do Fundo de Terras e da Reforma Agrária e de captação no mercado financeiro.
CAPÍTULO III
DA DESTINAÇÃO DOS RECURSOS
Art. 3º Os recursos financeiros que constituírem o Fundo de Terras e da Reforma Agrária serão destinados ao financiamento da aquisição de imóveis rurais, aos investimentos iniciais para estruturação da unidade produtiva e às despesas acessórias relativas à aquisição do imóvel rural.
I - para financiar, total ou parcialmente, a infraestrutura complementar de assentamentos promovidos prioritariamente pelo Poder Público, em condições a serem estabelecidas em resolução do Conselho Monetário Nacional e no regulamento operativo; e
II - como adiantamento dos recursos oriundos de acordos de empréstimo, quando constar como contrapartida nacional, respeitados os limites de movimentação e empenho e de pagamento vigentes.
CAPÍTULO IV
DOS BENEFICIÁRIOS
Art. 4º Poderão ser beneficiados com financiamentos amparados em recursos do Fundo de Terras e da Reforma Agrária:
I - trabalhadores rurais não proprietários, preferencialmente assalariados, parceiros, posseiros e arrendatários que comprovem, no mínimo, cinco anos de experiência na atividade rural, exercida até a data do pedido de empréstimo ao Fundo de Terras e da Reforma Agrária, como autônomo, empregado, integrante de grupo familiar ou aluno de escola técnica agrícola, inclusive similares, permitida a comprovação por meio de:
II - agricultores proprietários de imóveis cuja área seja inferior à dimensão de propriedade familiar, assim definida nos termos do disposto no inciso II docaputdo art. 4º da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, e cuja renda familiar seja insuficiente para lhes garantir seu sustento.
Parágrafo único. A insuficiência de renda a que se refere o inciso II docaputdeverá ser comprovada e atestada pelo sindicato de trabalhadores ou de produtores rurais que jurisdiciona a área do imóvel.
Art. 5º As entidades com personalidade jurídica de direito privado, constituídas sob a forma de associações ou de cooperativas, representativas de trabalhadores ou de produtores rurais, poderão pleitear financiamento do Fundo de Terras e da Reforma Agrária para implantar projetos de assentamento destinados aos beneficiários de que trata o art. 4º.
CAPÍTULO V
DOS IMPEDIMENTOS
Art. 6º É vedada a concessão de financiamento com recursos do Fundo de Terras e da Reforma Agrária ao:
I - beneficiado com esses recursos, mesmo que tenha liquidado o débito referente ao financiamento;
II - contemplado por qualquer projeto de assentamento rural na hipótese de financiamento para aquisição de terras, ou o seu cônjuge;
III - proprietário de imóvel rural, com área superior à de uma propriedade familiar, nos últimos três anos, contados da data de apresentação do pedido de financiamento ao Fundo de Terras e da Reforma Agrária;
IV - promitente comprador ou possuidor de direito de ação ou herança sobre imóvel rural, exceto quando se tratar de aquisição entre coerdeiros de imóvel rural objeto de partilha decorrente de sucessão; ou
V - agente público que exerça cargo, emprego ou função pública, na administração pública direta ou indireta.
Art. 7º O Fundo de Terras e da Reforma Agrária não financiará a aquisição de imóveis:
I - localizados em unidades de conservação ambiental, em áreas de preservação permanente ou de reserva legal, em áreas indígenas ou em áreas ocupadas por remanescentes de quilombos;
II - improdutivos, com área superior a quinze módulos fiscais, passíveis de desapropriação;
III - cuja área resultante de eventual divisão entre os beneficiários seja inferior à área mínima de fracionamento da região onde o imóvel esteja situado;
IV - que não disponham de:
V - que já foram objeto de transação nos últimos dois anos, com exceção dos oriundos de espólio, de extinção de condomínios ou de outras hipóteses previstas no regulamento operativo; e
VI - que sejam objeto de ação discriminatória.
Parágrafo único. O regulamento operativo poderá estabelecer novos critérios de impedimento para a aquisição de imóveis.
CAPÍTULO VI
DAS CONDIÇÕES GERAIS DE FINANCIAMENTO
Art. 8º O Conselho Monetário Nacional estabelecerá, mediante proposta do órgão gestor do Fundo de Terras e da Reforma Agrária, e observado o disposto no art. 7º da Lei Complementar nº 93, de 1998, e no art. 3º-A da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, as condições para a concessão de financiamentos para aquisição de imóvel rural, para despesas acessórias relativas à aquisição e para os investimentos básicos que permitam estruturar as atividades produtivas iniciais no imóvel, incluídos:
I - o prazo de reembolso;
II - a carência;
III - o risco da operação;
IV - os encargos financeiros;
V - a forma de amortização;
VI - os bônus de adimplência;
VII - o teto anual de bônus por beneficiário; e
VIII - os limites de crédito do financiamento.
I - o limite da renda bruta familiar será a média mensal de R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) e não ultrapassará R$ 216.000,00 (duzentos e dezesseis mil reais) por ano;
II - a atualização dos limites ocorrerá por meio da aplicação da variação acumulada no ano anterior do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA ou do índice que vier a substituí-lo; e
III - o limite de crédito, observado o disposto no § 3º, será de R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais).
I - renda bruta familiar anual no valor de até R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e patrimônio no valor de até R$ 70.000,00 (setenta mil reais), para as famílias da Região Norte e dos Municípios que integram a área de abrangência da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - Sudene, inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico;
II - renda bruta familiar anual de até R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) e patrimônio de até R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais), para famílias de qualquer Região;
III - renda bruta familiar anual de até R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) e patrimônio de até R$ 140.000,00 (cento e quarenta mil reais), para jovens com menos de trinta anos de idade, de qualquer Região; e
IV - renda bruta familiar anual de até R$ 216.000,00 (duzentos e dezesseis mil reais) e patrimônio de até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), para famílias de qualquer Região.
I - resultado da atividade rural, que consiste na diferença entre os valores das receitas recebidas e das despesas de custeio e dos investimentos pagos;
II - benefícios sociais e previdenciários; e
III - demais rendas provenientes de atividades desenvolvidas no estabelecimento e fora dele.
Art. 9º Nos programas e nos projetos de crédito fundiário poderá ser concedido, nas mesmas condições do financiamento referente ao imóvel rural, financiamento:
I - das despesas acessórias relativas à aquisição do imóvel rural, como:
II - dos investimentos básicos que permitam estruturar as atividades produtivas iniciais no imóvel adquirido com recursos do Fundo de Terras e da Reforma Agrária.
I - variar em função:
II - sofrer acréscimos na hipótese de comprovada redução do valor final da aquisição da terra comparado com os valores referenciais, que serão estabelecidos individualmente e de acordo com normas estabelecidas no regulamento operativo, observado o limite previsto no § 1º.
Art. 10. Nos programas e nos projetos de integração e consolidação de assentamentos rurais será financiada infraestrutura complementar aos investimentos já realizados somente nos casos em que os planos de consolidação demonstrem claramente, na forma estabelecida no regulamento operativo:
I - o caráter voluntário e participativo dos beneficiários;
II - a viabilidade econômica do projeto produtivo, em execução ou a ser executado; e
III - a finalidade de consolidação e emancipação dos projetos, com base em contrato anual ou plurianual.
Art. 11. Os projetos técnicos de financiamento de crédito fundiário serão aprovados nos termos do disposto no regulamento operativo do Fundo de Terras e da Reforma Agrária, ouvidos os conselhos municipais de desenvolvimento rural.
Art. 12. O risco dos financiamentos concedidos na forma prevista neste Decreto será do Fundo de Terras e da Reforma Agrária, conforme o disposto no art. 7º da Lei Complementar nº 93, de 1998, ou do agente financeiro, na forma e nas condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.
Parágrafo único. Na hipótese de a responsabilidade ser do Fundo de Terras e da Reforma Agrária, o risco da operação de financiamento poderá ser transferido, por meio de instrumento jurídico específico, para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Art. 13. Os beneficiários dos Programas de Crédito Fundiário e de Integração e Consolidação de Assentamentos Rurais também poderão ser apoiados pelos programas de fomento à agropecuária, à agroindústria e ao turismo, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - Pronaf, o Programa de Geração de Emprego e Renda - Proger e os Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
CAPÍTULO VII
DA GESTÃO FINANCEIRA
Art. 14. A gestão financeira do Fundo de Terras e da Reforma Agrária será do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, que terá as seguintes competências:
I - receber os recursos do Fundo de Terras e da Reforma Agrária encaminhados pelo órgão gestor e destiná-los a conta específica;
II - remunerar as disponibilidades financeiras da conta específica, garantida a mesma taxa de remuneração das disponibilidades do BNDES;
III - liberar os recursos conforme as instruções do órgão gestor;
IV - disponibilizar para o órgão gestor as informações referentes às movimentações efetuadas na conta específica, inclusive as relativas à remuneração das disponibilidades; e
V - credenciar os agentes financeiros para operar com recursos do Fundo de Terras e da Reforma Agrária.
CAPÍTULO VIII
DO ÓRGÃO GESTOR
Art. 15. O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, órgão gestor de que trata o art. 5º da Lei Complementar nº 93, de 1998, terá as seguintes competências:
I - coordenar as ações interinstitucionais relativas à operacionalização dos financiamentos concedidos pelo Fundo de Terras e da Reforma Agrária;
II - propor ao Conselho Monetário Nacional normas para a concessão de financiamento a projetos que cumpram os requisitos estabelecidos neste Decreto;
III - propor ao órgão colegiado de que trata o art. 16 o regulamento operativo do Fundo de Terras e da Reforma Agrária;
IV - definir, com base nas diretrizes e normas estabelecidas no regulamento operativo, o montante de recursos destinados:
V - aprovar, com base nas diretrizes e normas estabelecidas no regulamento operativo, o plano de aplicação anual e das metas a serem atingidas no exercício seguinte;
VI - propor aos órgãos responsáveis pela gestão orçamentária a consignação de dotações no Orçamento Geral da União e de créditos adicionais;
VII - buscar fontes adicionais de recursos e mecanismos alternativos e complementares de acesso à terra para os fins de que trata o art. 3º;
VIII - incentivar a participação dos Poderes Públicos estaduais, distrital e municipais e das comunidades locais em todas as fases de implementação dos Programas de Crédito Fundiário e de Integração e Consolidação de Assentamentos Rurais, a fim de:
IX - promover a formalização de acordos ou convênios com os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as associações ou os consórcios de Municípios, com o intuito de:
X - estabelecer normas gerais de fiscalização dos projetos assistidos pelo Fundo de Terras e da Reforma Agrária;
XI - fiscalizar e controlar:
XII - implementar sistemas eletrônicos de informações gerenciais e mecanismos de supervisão para permitir o monitoramento dos preços de terras, dar transparência aos programas e permitir o controle dos processos e da execução dos projetos;
XIII - elaborar estudos de avaliação de:
XIV - fornecer ao órgão colegiado de que trata o art. 16, quando solicitadas, as informações relativas ao Fundo de Terras e da Reforma Agrária, ao seu desempenho financeiro e contábil e aos programas por ele financiados; e
XV - adotar medidas complementares para atingir os objetivos do Fundo de Terras e da Reforma Agrária.
CAPÍTULO IX
DO ÓRGÃO COLEGIADO
Art. 16. Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar instituir órgão colegiado que terá as seguintes competências:
I - aprovar:
II - apreciar as avaliações de desempenho e de impacto do Fundo de Terras e da Reforma Agrária e dos programas por ele financiados;
III - solicitar ao órgão gestor do Fundo de Terras e da Reforma Agrária e aos órgãos executores dos programas financiados com recursos do Fundo, quando necessárias:
IV - acompanhar e monitorar os programas financiados pelo Fundo de Terras e da Reforma Agrária e o seu desempenho financeiro e contábil;
V - propor ações, normas ou diretrizes que contribuam para melhorar:
VI - apresentar, semestralmente, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável - Condraf, instituído pelo Decreto nº 11.451, de 22 de março de 2023, as avaliações dos programas e o desempenho financeiro e contábil do Fundo de Terras e da Reforma Agrária.
Parágrafo único. O órgão colegiado de que trata ocaputserá composto exclusivamente por representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e de organizações da sociedade civil.
CAPÍTULO X
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 17. Ficam revogados:
I - o Decreto nº 4.892, de 25 de novembro de 2003;
II - o Decreto nº 8.025, de 6 de junho de 2013;
III - o Decreto nº 8.500, de 12 de agosto de 2015;
IV - o Decreto nº 9.263, de 10 de janeiro de 2018; e
V - o Decreto nº 10.126, de 21 de novembro de 2019.
Art. 18. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 28 de junho de 2023; 202º da Independência e 135º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Luiz Paulo Teixeira Ferreira
Fernando Haddad
Fonte: DOU