"...conhecendo o que os que esto leerem que nom screvo do que ouvy,
mes daquello que per grande custume tenho aprendido".
(Dom DUARTE I, 1391-1438. Livro da Ensinança do Bem Cavalgar toda Sela).
Introdução
Toda reforma institucional tem uma história. O SERP - Sistema Eletrônico de Registros Públicos não foge à regra. Este organismo artificial, resultado de tour de force empreendido por agentes do mercado financeiro e de capitais[1] e de representantes do setor imobiliário - apoiados por alguns registradores, impulsionados pelo Ministério da Economia - desde cedo despontou no cenário legislativo no afã de reformar o sistema registral, reconvertendo-o segundo modelos, referências e matrizes alienígenas - como o notice-based registry, sobre o qual muito já se falou[2].
A partir 2017 iniciaram-se várias tentativas de transformar o tradicional sistema registral pátrio em algo novo, moderno, ágil, eficiente, barato. Um novo Registro. O paradigma que primeiro se insinuou foi a criação de um ente privado centralizado de prestação de serviços de registro e informação - numa palavra, em uma entidade registradora "registral", a exemplo dos modelos recomendados por organismos internacionais e que vicejaram por aqui[3]. Sob o pálio da "modernização" do sistema registral, as tentativas de reforma foram se sucedendo até que, finalmente, elas vieram consagradas, parcial e imperfeitamente, na lei 14.382/2022.
Alguns registradores se inclinariam a esta iniciativa de modo muito entusiasmado, sem que o assunto fosse posto em amplo debate com a sociedade e especialistas[4], como se verá ao longo destas páginas. Aliados a representantes de centrais de serviços eletrônicos compartilhados de vários estados brasileiros, os registradores deram impulso às reformas legais que culminaram no SERP[5].
Há duas grandes vertentes identificáveis no cerne destas reformas: (a) a criação de uma central de serviços notariais e registrais (o que se consumou com a repristinação do art. 42-A incrustrado na lei 8.935/1994) e (b) criação do SERP, com a figuração de central nacional de registros públicos, criada à imagem e semelhança das matrizes alienígenas, exequíveis pela assimilação de novas tecnologias econômico-financeiras, como a segregação patrimonial e mobilização do crédito (securitização), aliadas a novas ferramentas de comunicação e informação próprias de plataformas digitais.
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[1] Por parte do Governo, desempenhou importante papel o IMK - Iniciativa de Mercado de Capitais, lançado pelo Banco Central em parceria com outras instituições. [mirror]. Veremos em detalhe na parte II deste trabalho o papel do IMK na MP 992/2020.
[2] Vide defesa do modelo em ABELHA. André. CHALHUB. Melhim Namem. VITALE. Oliver. Org. Sistema Eletrônico de Registros Públicos - Lei 14.382 de 27 de junho de 2022 comentada e comparada, p. 7, n. 2 et seq.
[3] UNCITRAL. V. UNCITRAL - Legislative Guide on Secured Transactions. New York: UN, 2010. Vide especialmente pp. 110, passim.
[4] Ainda agora, no Congresso Nacional, no âmbito dos debates e discussões relacionados à tramitação da MP 1.162/2022, civilistas firmaram em 19/5/20223 a Carta Aberta de Civilistas dirigida ao relator, Dep. FERNANDO MARANGONI, em que criticam a utilização dos extratos no processo de registração.
[5] Como veremos mais à frente em detalhes, o processo de reforma da LRP ganhou impulso com a provocação dos próprios registradores em parceria com setores do Governo Federal. Indico o dossiê que retrata o processo de discussão interna: Dinamização do crédito - índice. Acesso aqui.
Fonte: Migalhas