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10/05/2023

Jurisprudência mineira - TJMG. Jurisprudência. Usucapião. Ausência de matrícula. Sentença nula.

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO - NULIDADE DA SENTENÇA - PROCEDIMENTO LEGAL NÃO ATENDIDO - AUSÊNCIA DA MATRÍCULA DO IMÓVEL USUCAPIENDO E DA IDENTIFICAÇÃO DE SEU PROPRIETÁRIO - OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO - SENTENÇA CASSADA - EMENDA A SER OPORTUNIZADA

 

- As decisões do TJMG vêm no sentido da necessidade da juntada da matrícula do imóvel usucapiendo para identificar o proprietário e garantir o contraditório.

 

- Sem a prova da propriedade por meio da matrícula do imóvel usucapiendo, resta inviabilizada a citação do proprietário e, se falecido, como diz a parte autora, a citação do espólio ou dos herdeiros, a depender da existência do inventário e do estado em que esse se encontra.

 

- A medida cabível é o reconhecimento da nulidade da sentença, por ter sido proferida sem apontar o legitimado passivo, devendo a petição inicial ser emendada, para fazer constar o nome do proprietário registral, e, se falecido, do espólio ou dos herdeiros, comprovando o domínio por meio da juntada da matrícula do imóvel.

 

Apelação cível nº 1.0000.22.297008-9/001 - Comarca de Medina - Apelante: João Pedro Soares Rocha - Apelado: Onofre Nunes Teixeira - Relator: Des. José Eustáquio Lucas Pereira

 

ACÓRDÃO

 

Vistos etc., acorda, em Turma, a 21ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em acolher a preliminar suscitada de ofício para cassar a sentença e oportunizar a emenda à inicial.

Belo Horizonte, 12 de abril de 2023. - José Eustáquio Lucas Pereira - Relator.

 

VOTO

 

DES. JOSÉ EUSTÁQUIO LUCAS PEREIRA - Trata-se de recurso de apelação, interposto por João Pedro Soares Rocha, opondo-se à sentença de ordem nº 122, proferida pelo Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Medina, Dr. Arnon Argolo Matos Rocha, que julgou procedente o pedido formulado nos autos da ação de usucapião, ajuizada em face de Onofre Nunes Teixeira, nos seguintes termos:

 

``Ante o exposto, julgo procedente o pedido veiculado na inicial, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do NCPC, para declarar o domínio do autor sobre o imóvel urbano situado na Rua Frei Dimas, nº127, Bairro Centro, nesta cidade de Medina/MG, que possui uma área total de 408,48 m² (quatrocentos e oito metros e quarenta e oito centímetros quadrados).

 

[...].

 

Sem custas, vez que a parte se encontra sob o pálio da assistência judiciária gratuita.''

Inconformado, João Pedro Soares Rocha insiste no reconhecimento do domínio do imóvel localizado na Rua Frei Dimas, nº 137, Bairro Bonfim, cidade de Medina, com 300m², tendo a posse do bem por força do ``Instrumento Particular de Direitos Hereditários dos co-herdeiros de Carolina Soares Rocha''.

Narra que o apelado, Onofre Nunes Teixeira, nunca foi morador do imóvel usucapiendo, mas reside no imóvel confinante, localizado na Rua Frei Dimas, 127, Bairro Bonfim, cidade de Medina.

 

Alega que o imóvel era de Carolina Soares Rocha e o apelado não comprovou a posse sobre o bem usucapiendo, além de vir pagando o IPTU desde o falecimento de Carolina Soares Rocha.

 

Requer a reforma da sentença, para julgar procedente o pedido formulado pelo apelante, nos autos da ação de usucapião em apenso - ordem nº 124.

 

Contrarrazões à ordem nº 127, sem preliminar de admissibilidade e, no mérito, pelo não provimento.

 

Parecer do Ministério Público à ordem nº 129, pelo não provimento do recurso.

Relatados, tudo visto e examinado, decido.

 

Recurso próprio, tempestivo e dispensado do preparo por estar o recorrente sob o amparo da assistência judiciária.

 

Depreende-se que Onofre Nunes Vieira ajuizou ação de usucapião, buscando o reconhecimento do domínio do imóvel localizado na Rua Frei Dimas, 127, Bairro Bonfim, cidade de Medina, com 408,48m² - ordem nº 6 e 10.

O presente feito está conexo à ação de usucapião ajuizada por João Pedro Soares Rocha, por determinação judicial, ao entendimento de que ambas as demandas têm o mesmo imóvel como objeto, razão pela qual, ainda, fez incluir como réu o autor da ação em apenso - ordem nº 53.

 

João Pedro Soares Rocha, por sua vez, ajuizou ação de usucapião, a fim de ver reconhecido o domínio do imóvel, localizado na Rua Frei Dimas, 137, Bairro Bonfim, cidade de Medina, com 300m², tendo a posse do bem por força do ``Instrumento Particular de Direitos Hereditários dos co-herdeiros de Carolina Soares Rocha''.

 

A ata notarial, produzida em ambas as ações, aponta confinantes diferentes para ambas as áreas - ordem nº 102/103 e 147 dos autos nº 1.000022.280107-8/001, assim como os memoriais trazem localizações distintas - ordem nº 10 do presente feito e ordem nº 13 dos autos nº 1.000022.280107-8/001.

 

Assim, s.m.j., não se trata do mesmo imóvel, o que não justifica a inclusão dos autores como réus, reciprocamente.

 

Mais.

 

Onofre Nunes Vieira não indica a parte legítima a figurar no polo passivo e o Cartório de Registro de Imóveis aponta não haver registro do imóvel localizado na Rua Frei Dimas, 127, Bairro Bonfim, cidade de Medina, ressalvando a ``possível existência de matrícula ou transcrição com descrição diversas da apresentada, que possa englobar referido imóvel, conforme previsto no at. 849 do Provimento nº 260/CGJ/2013'' - ordem nº49.

 

Verifica-se, portanto, que o proprietário do imóvel usucapiendo não foi identificado, uma vez que a parte autora não trouxe a sua matrícula, ao argumento de não existir a mesma. No entanto, não é crível que um imóvel, situado em área urbana, não tenha a sua matrícula no Cartório de Registro Imobiliário.

 

Ademais, pode o imóvel não estar matriculado no endereço apontado na inicial, mas fazer parte de outro imóvel maior, cuja matrícula é desconhecida da parte autora/apelante, embora identificável, como ressalvado pelo oficial do Cartório de Registro de Imóveis.

As decisões do TJMG vêm no sentido da necessidade da juntada da matrícula do imóvel usucapiendo, para identificar o proprietário e garantir o contraditório:

 

``Apelação cível. Ação de usucapião. Documentos indispensáveis à propositura da ação. Memorial descritivo. Matrícula do imóvel usucapiendo. Princípio da cooperação. O memorial descritivo é indispensável para identificar de forma precisa o imóvel usucapiendo. A apresentação da matrícula do imóvel é necessária para assegurar a regularidade da citação do proprietário ou titular da área. O princípio da cooperação estabelece que o processo é fruto da atividade cooperativa entre o juiz e as partes, exigindo do juiz uma postura ativa no centro da controvérsia e a participação ativa das partes.'' (TJMG - Apelação Cível 1.0702.13.033159-9/001, Rel. Des. Octávio de Almeida Neves, 15ª Câmara Cível, j. em 5/3/2020, p. em 11/3/2020).

 

``Apelação cível. Usucapião extraordinária com moradia habitual. Imóvel comprovadamente sem matrícula. Impossibilidade de extinção do processo sem resolução do mérito. Posse mansa e pacífica pelo lapso temporal exigido. Ausência de comprovação. Requisitos legais não preenchidos. Impossibilidade de soma das posses anteriores. Reconvenção. Reintegração de posse. Ausência de prova da posse. - Tratando-se de ação de usucapião de imóvel comprovadamente sem matrícula, não há falar em extinção do processo sem resolução do mérito, por suposta ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular. - O instituto da usucapião constitui meio de aquisição da propriedade pela posse continuada, durante certo decurso de tempo, desde que observados os requisitos da lei, quais sejam, a posse mansa, pacífica e ininterrupta e o decurso do prazo legalmente previsto. - É possível a soma das posses dos antecessores desde que apresentem a mesma natureza jurídica. Ausente a prova do exercício de posse ad usucapionem pela antecessora não é possível a soma das posses anteriores. - A improcedência da usucapião não induz, necessariamente, a procedência da reconvenção, uma vez que deve restar comprovado o fato constitutivo do direito do reconvinte. - Formulado pedido reconvencional possessório, a prova do efetivo exercício da posse e o respectivo esbulho é imprescindível à procedência da reconvenção. V. v.: - Não se concebe que em pleno século XXI não se conheça quem seja o proprietário de um imóvel no Estado de Minas Gerais. - É nulo o processo de usucapião, se o pedido inicial não foi instruído com certidão positiva expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis da situação do bem, possibilitando a identificação do proprietário, para sua regular citação. - A certidão negativa deve ser admitida somente após a prova do exaurimento da possibilidade de localização do registro do imóvel objeto da usucapião.'' (TJMG - Apelação Cível 1.0625.13.010345-4/001, Rel. Des. João Cancio, 18ª Câmara Cível, j. em 3/12/2019, p. em 6/12/2019).

 

De tudo que se viu, tem-se que a legitimidade passiva da demanda deve ser devidamente apurada junto ao Cartório de Registro de Imóveis.

No caso em anexo, na ação de usucapião ajuizada por João Pedro Soares Rocha, há indícios de que o imóvel usucapiendo (Rua Frei Dimas, 137) pertencia a Carolina Soares Rocha, sendo que a cessão de direitos hereditários se deu pelos herdeiros Altino Soares Rocha, Geraldo Soares Rocha e Maria das Graças Soares Rocha - ordem nº 9 dos autos nº 1.0000.22.297008-9/001.

 

No caso sub judice, considerando tratar-se de imóvel vizinho (Rua Frei Dimas, 127), a pesquisa junto ao Cartório de Imóveis pode ter como referência o nome de Carolina Soares Rocha, considerando, ainda, a possibilidade de se tratar de uma fração de uma área maior.

 

Diante da falta da matrícula do imóvel usucapiendo, a demostrar a legitimidade passiva; e da indicação da parte autora como requerida, reciprocamente, sob a premissa falsa de que ambas as demandas têm o mesmo objeto, não há como subsistir a presente sentença.

Com essas considerações, de ofício, suscito a preliminar de nulidade da sentença, para cassá-la, porque proferida, sem aperfeiçoar a relação processual, diante da ausência de indicação certa da parte ré, e, via de consequência, determino o retorno dos autos à vara de origem, para oportunizar a emenda à inicial, para fazer constar o nome do proprietário registral e, se falecido, do espólio ou dos herdeiros, comprovando o domínio por meio da juntada da matrícula do imóvel, com o aproveitamento dos atos processuais praticados, sem prejuízo da realização de demais atos processuais, em decorrência da indicação do legitimado passivo.

 

Desde já, ressalvo que, mantida a confusão entre os imóveis usucapiendos, promova o juízo a quo a prova pericial, a ser realizada por engenheiro civil habilitado.

 

E julgo prejudicado o conhecimento do recurso.

 

Custas, ex lege.

 

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Alexandre Victor de Carvalho e Marcelo Rodrigues.

 

Súmula - ACOLHERAM A PRELIMINAR SUSCITADA DE OFÍCIO PARA CASSAR A SENTENÇA E OPORTUNIZAR A EMENDA À INICIAL.

 

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - MG


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