O fiasco do Censo, que deveria ser substituído pelas estatísticas diariamente atualizadas nas delegações extrajudiciais do registro civil das pessoas naturais, trouxe mais uma questão tormentosa. A perda de verba garantida no Fundo de Participação dos Municípios, diante da anunciada queda populacional em algumas cidades.
Está anunciado o fracasso dessa tentativa que se faz a cada decênio, de traçar um diagnóstico do Brasil. Falta de planejamento, adoção de técnicas superadas, a preservação de um trabalho artesanal em que recenseadores ad-hoc são recrutados para visitar casa por casa brasileira, tudo estava anunciado: não vai funcionar. E de acordo com as primeiras informações assim captadas, oitocentas e sessenta e três municípios virão reduzida a verba que obtêm, apenas porque existe previsão na Constituição.
A Federação Brasileira é constituída por três grandes entidades: União, Estado-membro e município. O Distrito Federal não é senão um município que abriga a sede da União, destacado no quadro como uma espécie de exceção.
O Fundo de Participação dos Municípios garante obrigatória transferência da União às Prefeituras, mediante distribuição de 25,5% da arrecadação com Imposto de Renda e IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados. Um dos critérios para receber esse dinheiro é a população. Ora, quando a população cai, evidente que a participação no Fundo também cai.
O problema não está aí. É algo que ninguém tem coragem de enfrentar, embora de quando em vez uma voz isolada levante o assunto. Há uma inflação de municípios no Brasil. Só o Estado de São Paulo possui 645 – seiscentos e emunerados. Houve um tempo em que o vereador, no Brasil, exercia um múnus gratuito, assim como quem atua como jurado no Tribunal encarregado de julgar os pares, uma instituição considerada ícone da democracia.
Pequenos povoados não têm condições de se converter em organismo federativo. Para a criação de um município, dever-se-ia perquirir se há receita suficiente para o sustento da máquina. Senão, acontece aquilo que ocorre com frequência: os prefeitos, de pires na mão, implorando auxílio do governador e do Presidente da República.
É constrangedor verificar que municípios há, que pleiteiam a instalação de uma penitenciária, só para poder oferecer cargos públicos aos seus moradores. Basta fazer um levantamento de quantos estabelecimentos prisionais existem no Estado de São Paulo, que é o maior encarcerador da República.
Uma República moderna deveria ter coragem para rever a volúpia na criação de municípios. Estes só podem existir quando se bastem a si próprios. Quando possam ser considerados verdadeiras autarquias, ou seja, produzem receita suficiente para a manutenção da burocracia e também para investir. Pois é legítimo o sonho de cada cidadão em ter uma cidade agradável, limpa, civilizada, culta e educada.
Os municípios que perdem população, porque não conseguem reter os seus moradores, e que – por causa disso também – perdem receita, deveriam voltar a ser distritos, agregados a municípios maiores e autossuficientes.
Sei que isso é uma utopia. Assisti, em virtude de encargos assumidos, ao pleito de algumas lideranças, pretendendo emancipação de bairros onde eram votados. É um discurso que anima os moradores, pois dentre eles sairá o Prefeito, o Vice, os Secretários Municipais, os vereadores e todos os demais funcionários públicos. Remunerados com a verba adveniente do Fundo de Participação.
É uma cultura de retrocesso. Ela deveria ser substituída pela engenhosidade e criatividade de suas lideranças. Como fazer para o meu município ser um lugar que produza riqueza e queira atrair mais moradores. Não permanecer à míngua, esperando que venha ajuda da União e do Estado. As cidades, como as pessoas, podem também morrer. Uma das consequências, é deixar de ter autonomia. Isso já ocorreu no Brasil, quando a política era a arte de bem servir à comunidade e não de servir-se dela.
*José Renato Nalini é diretor-geral da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras.
Fonte: O Estado de S.Paulo