A 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu recentemente afastar a penhora sobre um imóvel com base na Súmula 375 do STJ. O imóvel havia sido adquirido por um casal em 2012, época em que estava em curso processo trabalhista contra o antigo proprietário, mas não havia registro de penhora na matrícula do imóvel, o que só veio a ocorrer em 2017 por determinação do juiz trabalhista. Segundo a decisão, somente se reconhece a fraude à execução quando existe registro da penhora, na oportunidade da alienação do bem, ou quando comprovada a má-fé do terceiro adquirente, nos termos da Súmula 375 do STJ (RR-184-97.2018.5.09.0567 — 12/8/2022).
Esse entendimento não é novo, ainda que nem sempre observado pela Justiça do Trabalho.
A referida Súmula 375 que foi editada pelo STJ em 2009, e aplicada sistematicamente pelo Tribunal Superior do Trabalho no mínimo desde 2016, quando da decisão proferida pela Subseção II especializada em dissídios individuais do TST, que no âmbito de uma ação rescisória, afastou a fraude à execução, fixando o seguinte entendimento:
"(...) é certo que os negócios celebrados com terceiros de boa-fé apenas poderão ser afetados quando a penhora de imóvel houver sido registrada ou quando configurada situação de conluio ou má-fé. Nesse exato sentido a diretriz da Súmula 375 do STJ segundo a qual, 'O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente'. No caso em exame, a leitura do acórdão rescindendo revela que a alienação do imóvel em discussão foi considerada fraude em virtude de ter ocorrido após a inclusão da sócia da empresa executada no polo passivo da execução. Ocorre que, conforme se extrai da decisão rescindenda, o imóvel foi adquirido pelos Autores (terceiros embargantes) sem que restasse configurada a má-fé. Ora, o imóvel foi comprado pelos Autores três anos antes da penhora. Não havia no Registro de Imóveis qualquer notícia da existência de execução movida contra a sócia da empresa executada ou gravame sobre o mencionado bem. Tampouco restou demonstrado que os adquirentes, no momento da compra do imóvel, tinham ou deveriam ter conhecimento da existência de processo movido contra a alienante, ou do seu estado de solvência (...)". (RO — 51070-60.2012.5.02.0000 — 11/10/2016).
Entretanto, não raros aqueles que se debruçam sobre a prática nos tribunais e nos negócios imobiliários se veem diante de uma penhora trabalhista em situações semelhantes a descrita no precedente acima, mas que não respeitam o posicionamento do TST e do STJ. Isso ocorre pela conjunção de dois fatores: desrespeito às decisões dos tribunais superiores e limitações processuais na execução trabalhista.
A estabilidade nas decisões sobre o tema no TST não se reflete nos Tribunais Regionais, que decidem em sentido contrário, penhorando e expropriando bens imóveis de adquirentes de boa-fé independentemente da existência de restrições na matrícula. É o que vemos, por exemplo, em recente decisão da Subseção Especializada em Execução do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (0020592-46.2021.5.04.0017 — 28/07/2022), o qual entendeu que "considera-se em fraude à execução qualquer alteração de titularidade efetuada após o ajuizamento da ação". Ou seja, para o tribunal, basta a existência de ação trabalhista ajuizada — ainda em fase de conhecimento — para que qualquer alienação feita pelo réu seja considerada fraude à execução.
Com relação ao adquirente de boa-fé, a decisão deixa claro que não importa a existência ou não de registro na matrícula — como de fato não havia no caso concreto — e que caberia ao terceiro demonstrar de forma robusta que adotou todas as medidas para agir de boa-fé. Nos termos da referida decisão "ainda que não houvesse registro de indisponibilidade na matrícula do imóvel na data da compra, o terceiro embargante não comprova a compra de boa-fé, pois sequer junta certidões negativas contra o executado, mesmo que da Justiça Comum ou Federal, sendo este serviço também disponibilizado pela Justiça do Trabalho. No caso em análise, não é viável que se adote o entendimento da Súmula 375 do STJ, diante da ausência de qualquer evidência de boa-fé do adquirente".
Como se percebe, o Tribunal afasta a Súmula 375 do STJ sob o argumento de que não haveria indícios de boa-fé, o que não só subverte a ordem legal do ônus da prova (a boa-fé se presume, a má-fé que precisa ser comprovada) como vai de encontro a ratio decidendi da própria Súmula e das decisões do TST, no sentido de que a ausência de restrição na matrícula presume a boa-fé do adquirente.
Mas por qual motivo decisões desse tipo permanecem sendo proferidas — e prevalecendo — após tantos anos de consolidação do entendimento nos Tribunais Superiores?
É aí que entra a questão processual. No âmbito da Justiça do Trabalho, os recursos na fase de execução — quando ocorrem as penhoras — são limitados, especialmente quando se fala de recurso de revista direcionado ao TST, uma vez que o artigo 896, §2º limita a atuação da Corte Superior às violações diretas à Constituição Federal. Ou seja, as hipóteses tradicionais de recurso por violação à lei federal ou uniformização de jurisprudência não são admissíveis na fase de execução trabalhista, tornando bastante difícil submeter a matéria à revisão do TST. É por conta disso que a maioria das decisões que ainda vemos atualmente mantendo penhoras/indisponibilidades abusivas e contrárias ao entendimento da súmula 375 do STJ prevalecem: Entraves processuais que impedem que o Tribunal Superior do Trabalho faça seu entendimento prevalecer nas cortes de origem.
Por isso, quando se trata de penhora trabalhista indevida, mesmo que exista previsão legal que lhe garanta o direito de propriedade como adquirente de boa-fé, assim como jurisprudência favorável dos tribunais superiores, é preciso agir com extrema cautela, preparando o caminho processual para o TST desde a primeira manifestação no processo, para não acabar com todos os direitos do mundo, mas sem patrimônio. Todo cuidado é pouco.
Geraldo Korpaliski Filho é advogado da área trabalhista do Souto Correa Advogados.
Fábio Machado Baldissera é sócio da área imobiliária do Souto Correa Advogados.
Fonte: ConJur