As grades que separam podem unir, transformar vidas em famílias. Em treze anos de realização dos tradicionais casamentos comunitários, pela primeira vez a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) promoveu a ação extrajudicial de celebração de matrimônios coletivos dentro de uma unidade prisional, a Penitenciária de Segurança Máxima de Francisco Sá, no norte de Minas.
Com uma população carcerária de quase 450 detentos, que cumprem pena em regime fechado, oito escolheram a manhã do último sábado (24/9) para a mudança do estado civil durante a celebração do Casamento Comunitário, promovido pela Defensoria Pública de Minas em parceria com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública do Estado (SEJUSP).
Com um pequeno atraso – tradicional nas cerimônias de casamento –, passava das nove da manhã quando o mestre de cerimônias anunciou a entrada da dama e do pajem, filhos dos casais. Na presença de familiares, agentes penitenciários e de veículos de imprensa, os noivos vieram em seguida acompanhados de suas respectivas noivas sob o olhar de admiração e alegria de defensoras e defensores públicos, da oficial e do juiz de Paz do Cartório de Registro Civil de Cana Brava, do novo diretor-geral, assentado ao lado do diretor regional da unidade prisional além de um padre e pastor convidados para a celebração religiosa.
A cerimônia
Coube à oficial registradora com funções notariais, Ana Laís Duarte Dias e ao juiz de paz, Geraldo Dias Vasconcelos, a formalização das uniões. Momento em que cada casal chamado à frente confirmou sua livre e espontânea escolha de receber um ao outro como marido e mulher. Diante da emoção que cercava o momento, a assinatura do documento cartorial selou o compromisso mútuo dos nubentes.
O momento da troca de alianças veio a seguir. Conduzido pelo mestre de cerimônias, agora, marido e mulher, ficaram um de frente para o outro e alguns, sob o olhar atento dos filhos, trocaram juras de amor eterno e as alianças, símbolo maior da união e do compromisso matrimonial. Alguns não conseguiram segurar a emoção, e lhes vieram as lágrimas. Foi o caso de Rita**, que, sob o olhar atento e emocionado dos pais do seu agora marido João**, realizou seu sonho. “Muita felicidade. Valeu a pena as muitas horas de viagem que fiz para chegar até aqui e concretizar esse antigo sonho. Tudo do bom! Esse sim é muito especial”, disse Rita**, com um largo sorriso.
Tão bem-vinda quanto a presença do padre da Paróquia de São Gonçalo, Vanderlei de Souza e Silva, e do pastor da Igreja Universal do Reino de Deus da comunidade, Valdeler dos Santos que, juntos, trouxeram uma palavra bíblica de edificação e esperança aos corações dos casais e fizeram orações abençoando a nova união familiar estabelecida. “Apesar da distância, não há separação. Que Deus possa trazer sempre esta benção. E como é bonito poder dizer que nós temos alguém que, mesmo fora, fica orando e rezando por vocês. Que Deus continue dando muita força e muitas bênçãos pra vocês.”, disse o pároco em seu breve sermão. O momento religioso do casamento foi concluído com a benção do pastor. Ele selou o compromisso matrimonial com uma oração, abençoando as alianças e as novas famílias, ressaltando que o compromisso de amor, cuidado e fidelidade que sustentam o matrimônio, ratificados diante do juiz, representou algo maior no plano espiritual. “O juiz que aqui conduziu a cerimônia foi uma legítima representação do próprio Deus. E os votos assumidos diante da autoridade foi também diante do Criador”, disse o pastor ao falar do próprio compromisso assumido com a esposa há 30 anos.
Concluída a cerimônia, casais receberam as certidões de casamento e tiraram fotos ao lado da mesa de bolo para registro e recordação do momento. Ao lado de filhos e familiares convidados, noivos ganharam um presente para o novo lar e participaram de um momento de confraternização, com salgados, refrigerante, sucos e o tradicional bem-casado, proporcionados por parceiros e pelos gestores da Penitenciária de Francisco Sá. Quase duas horas de evento que podem ser descritos por José** e a esposa dele, Maria**. “Muito muito, muito feliz! Nos últimos anos, nunca me senti tão ser humano como me senti hoje. Estou sem palavras pra explicar esse momento. Muita felicidade. Muito especial. A palavra certa é essa: especial”, disse José**. Para a esposa, os momentos vividos no Casamento Comunitário também vieram com palavras de gratidão. “Foi o melhor dia da minha vida. Um sonho realizado. Porque eu estou com o amor da minha vida. Depois de muitos anos de espera, o casamento. Estou muito feliz e agradecida a Deus e a cada um que compartilhou para hoje estarmos aqui casados”, declarou Maria**.
Passava do meio-dia quando esposas e familiares se despediram dos maridos, que retornaram para as celas nos pavilhões da unidade. “Nesta parceria, realizada por iniciativa da Defensoria Pública de Minas Gerais e apoio do Ofício de Registro Civil e demais autoridades que participaram desta cerimônia, a Polícia Penal – como instituição responsável pelo procedimento de execução da pena privativa de liberdade possui – como um de seus pilares – a ressocialização em síntese. Tornar o custodiado apto a viver em sociedade, agregada por meio de atividades de trabalho, educação, disciplina bem como a manutenção dos laços familiares. É nesse sentido que esse evento de Casamento Comunitário realizado hoje nesta Penitenciária vem proporcionar aos custodiados a garantia de direitos, valorização do afeto e a manutenção dos laços familiares. Parabéns e obrigado a todos”, declarou o diretor regional de Polícia Penal da 11ª Região Integrada de Segurança Pública (RISP), Antônio José Costa Neto.
Realizado pela primeira vez dentro de uma unidade prisional de Segurança Máxima, o Casamento Comunitário foi organizado pela unidade da Defensoria de Minas em Francisco Sá e teve o apoio da Coordenadoria de Projetos, Convênios e Parcerias da DPMG, o CooProC, que, mais uma vez, tomou todos os cuidados necessários para proporcionar aos casais uma cerimônia à altura do momento. Evento extrajudicial promovido pela Defensoria Pública do Estado em vários municípios mineiros, a cerimônia contou com a participação de membros da Instituição, autoridades e parceiros da cidade. Em seu breve discurso e representando, na cerimônia, a defensora pública-geral do Estado, Raquel da Costa Dias, a coordenadora da CooProC, defensora pública Michelle Lopes Mascarenhas Glaeser, destacou a importância da iniciativa como um instrumento de inclusão social. “O casamento trouxe a essas famílias, tão vulnerabilizadas, o exercício da cidadania. Regularizar a sua situação civil, constituir família, amar, são direitos garantidos a qualquer cidadã ou cidadão, e a DPMG tem o dever de garantir o seu exercício”, destacou a defensora pública.
O sentimento foi acompanhado pelos idealizadores do Casamento Comunitário na cidade, os defensores públicos Diego Orlando Castelo Branco Ribeiro e João Víctor Santos Muruci, nesta iniciativa inédita realizada em uma Penitenciária de Segurança Máxima, há quase doze quilômetros do município popularmente chamado de Brejo das Almas.
Instrumento de inclusão e transformação social
Marco de um grande momento de cidadania que busca promover a regularização jurídica de casais que ainda não têm a união oficializada, o Casamento Comunitário é mais uma das ações extrajudiciais de alcance social da Defensoria mineira, que oferece às pessoas de baixa renda a oportunidade de legalizarem sua situação civil, com isenção de taxas e emolumentos e, assim, realizarem o sonho do grande dia: a cerimônia nupcial – legitimando a vida conjugal com a inclusão social e o resgate da autoestima.
O evento se destaca por proporcionar não só a proteção jurídica e garantia dos direitos civis da família e sucessões – em questões como pensão, auxílios, inventários, partilha e direito de herança –, mas a regularização de relações familiares, a valorização do afeto do casal e, consequentemente, da família, revelando-se importante fator de prevenção aos conflitos sociais. Desde as primeiras cerimônias, a Defensoria Pública de Minas Gerais já oficializou a união de mais de 8 mil pessoas por meio dos Casamentos Comunitários, realizados em Belo Horizonte e nas unidades no interior do Estado.
Na parceria voluntária, o sucesso do evento
Porta de acesso à Justiça das cidadãs e cidadãos em situação de vulnerabilidade, a Defensoria Pública, em razão de restrições orçamentárias, sempre busca o apoio de empresas e instituições para a realização do Casamento Comunitário. E para viabilizar as ações desenvolvidas, empresas, profissionais liberais e voluntários que, procurados, não mediram esforços para que o Casamento Comunitário ocorresse, marcando essa fase na história de vida dos 8 casais. São eles e elas: Kátia Decoração, Cantinho da Arte, Sonho de Festas Decorações, Eliane Pena – Bolos & Doces de Sucesso, Casa de Carnes Moreira, Padaria Mateus Leão, Rotary Clube de Francisco Sá, Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (SEJUSP) e Associação das Defensoras e dos Defensores Públicos de Minas Gerais (ADEP-MG). E aqui, uma menção especial aos gestores. Gestoras, servidoras e servidores da Polícia Penal de Minas Gerais, representados pela diretora adjunta do Presídio, Laurentina Cristina Veloso Soares, e pela diretora de Atendimento, Anne Catherine Dias Prado.
**Nota: considerando o fato dos maridos estarem privados de liberdade e a preocupação com a segurança de seus respectivos familiares, não foram publicadas fotos que pudessem expor os casais e/ou parentes deles. Os nomes dos depoentes desta matéria são fictícios.
Fonte: DPMG