Em seus próprios termos, adjudicação compulsória significa uma “entrega forçada” que possui regulamentação normativa desde a década de 30 (trinta).
O Decreto-Lei 58/37 que dispõe sobre o loteamento e a venda de terrenos para pagamento em prestações, prevê a possibilidade de propositura de ação de adjudicação compulsória quando o compromitente vendedor recusasse a outorga da escritura definitiva. Vejamos:
Art. 16. Recusando-se os compromitentes a outorgar a escritura definitiva no caso do artigo 15, o compromissário poderá propor, para o cumprimento da obrigação, ação de adjudicação compulsória, que tomará o rito sumaríssimo. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973)
Nesse mesmo sentido, o vigente Código Civil Brasileiro prevê, em seu artigo 1.418, o direito de se requerer ao juiz a adjudicação do imóvel quando houver recusa do promitente vendedor em outorgar a escritura definitiva. Vejamos:
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
Nota-se que a legislação brasileira já possuía previsão e regulamentação da adjudicação compulsória há décadas, porém, se tratava de PROCEDIMENTO QUE TRAMITAVA EXCLUSIVAMENTE PELA VIA JUDICIAL.
Noutra senda, o vigente Código de Normas e Procedimentos do Foro Extrajudicial da Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de Goiás – CNPFE/GO, bem como normas equivalentes em outros estados da federação, tem em seu bojo a regulamentação para que se proceda o registro da Adjudicação Compulsória Judicial no artigo 822. Vejamos:
Art. 822. O registro de adjudicação compulsória será feito mediante apresentação de mandado contendo:
I – qualificação das partes;
II – natureza, número do processo, órgão judicial e nome do magistrado;
III – identificação do imóvel, com suas características essenciais, inclusive o número da matrícula ou transcrição; e
IV – certidão do trânsito em julgado da sentença.
Parágrafo único. O mandado ou a carta de adjudicação serão acompanhados de:
I – cópia da sentença de adjudicação;
II – cópia da petição inicial; e
III – prova de quitação do imposto de transmissão.
Conforme já dito anteriormente, a Adjudicação Compulsória, até o advento da lei 14.382/2022 (que inseriu o artigo 216-B na Lei 6.015/73), somente se procedia de forma judicial.
O processo judicial da adjudicação compulsória possui um procedimento bastante simples onde o autor precisa comprovar ao juízo apenas os seguintes requisitos:
Comprovada a presença destes requisitos, o juízo então reconhece o direito do autor declarando a este o domínio do imóvel com a determinação de expedição de Mandado de Adjudicação para que se procedo o ato registral.
É fato inconteste que estamos passando por um processo de DESJUDICIALIZAÇÃO onde as situações que não apresentam uma real e efetiva necessidade de serem submetidas ao poder judiciário tenham a possibilidade de ser apresentadas e resolvidas administrativamente.
Os Tabeliães e Registradores, como agentes públicos e juristas que detêm um elevadíssimo grau de confiança da população brasileira, bem como pela sua característica sui generis na prestação de serviço de natureza pública – possuem a fé-pública prestando serviços públicos de forma privada – são os grandes protagonistas deste processo de desjudicialização.
Seguindo a diretriz da desjudicialização, o legislador entendeu pela possibilidade de o procedimento de adjudicação compulsória tramitar diretamente no Ofício de Registro de Imóveis sem a necessidade de submeter o caso à apreciação judicial.
Logo, surge então a lei 14.382/2022, que insere na lei 6.015/73 o artigo 216-B, e prevê a adjudicação compulsória extrajudicial. Vejamos o seu teor:
Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
I – instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso;
II – prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos;
III – (VETADO);
IV – certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação;
V – comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI);
VI – procuração com poderes específicos.
Vejamos que, conforme dito alhures, o processo judicial de adjudicação compulsória tem como objeto a verificação de:
O que pretende o artigo 216-B da lei 6.015/73 é exatamente estender o poder de apreciação do requerimento e constatação dos requisitos ao Oficial de Registro de Imóveis.
Quanto aos dois primeiros requisitos, tratam-se de provas documentais que serão apresentadas ao Oficial de Registro de Imóveis, juntamente como o requerimento, e este verificará se estão em conformidade com a lei.
Quanto ao terceiro requisito, que é a inadimplência obrigacional, esta será verificada mediante procedimento prévio de notificação conforme prevê o § 1º, II do artigo 216-B.
II – prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos;
Podemos notar que, antes de se recepcionar o requerimento de adjudicação compulsória, deve ser realizado o procedimento de notificação prévia para constatação do inadimplemento, pois, é possível que, após ser notificado, o devedor resolva outorgar a escritura definitiva, restando prejudicada a adjudicação compulsória.
O referido procedimento de notificação prévia para constatação do inadimplemento ocorrerá diretamente perante o Ofício de Registro de Imóveis ou, mediante delegação, perante o Ofício de Registro de Títulos e Documentos.
Conclui-se também que, não há qualquer necessidade de regulamentação para tanto, uma vez que se trata de procedimento bastante semelhante ao que ocorre nas notificações relacionadas ao procedimento de consolidação da propriedade em alienação fiduciária.
Portanto, s.m.j., para aferição dos requisitos necessários ao reconhecimento do direito à declaração do domínio ao requerente, não há qualquer necessidade de regulamentação, pois trata-se de situações menos complexas.
Enquanto no procedimento judicial o Oficial de Registro de Imóveis recepciona o MANDADO JUDICIAL para proceder o registro, no procedimento extrajudicial o REQUERIMENTO, ACOMPANHADO DO TÍTULO, (contrato preliminar) seria o equivalente ao mandado judicial.
Para tanto, os requisitos constantes no artigo 822 do CNPFE/GO devem se fazer presentes no requerimento, quais sejam:
Da mesma forma que devem ser comprovados perante o juiz a existência de promessa de compra e venda e a efetiva quitação das prestações, tais documentos também devem acompanhar o requerimento, quais sejam:
Além destes documentos, comuns ao procedimento judicial e extrajudicial, este último ainda exige que sejam apresentados:
Nota-se que a verificação da existência do direito do Requerente e a prática do ato registral não envolvem formação de juízo de valor por parte do Oficial, mas apenas uma aferição objetiva da presença de documentos necessários e a respectiva regularidade destes.
Essa constatação documental, ainda que a obrigatoriedade tenha sido vetada pelo Presidente da República, pode ser realizada por Tabelião de Notas por meio de Ata Notarial, ou seja, ainda que a Ata Notarial tenha sido vetada como documento obrigatório ao requerimento, a sua presença acaba por trazer maior segurança ao Oficial de Registro de Imóveis quando da qualificação dos documentos.
Logo, podemos concluir que para que se proceda a Adjudicação Compulsória Extrajudicial não há necessidade de qualquer regulamentação, seja na etapa preliminar (notificação do devedor); na etapa inicial (verificação do direito do requerente) ou na etapa final (qualificação dos documentos e registro), sendo perfeitamente possível que se proceda coma recepção de requerimentos de adjudicação compulsória, uma vez que o texto da lei e a regulamentação do CNPFE/GO (a normativas equivalentes de outros estados), utilizada por analogia, são suficientes para garantir a segurança jurídica.
*Silmar Lopes é advogado e professor.
Fonte: Rota Jurídica