Cumpre, por fim, destacar que a utilização do instituto da adjudicação compulsória extrajudicial, assim como ocorre na via judicial, necessita do preenchimento de determinados requisitos.
Com o advento da lei 14.382/22, que promoveu alterações na Lei de Registros Públicos, a regularização imobiliária ganha novos contornos.
É cediço que, não raras vezes e por motivos diversos, a transferência de um imóvel, que somente se concretiza com a averbação do título translativo no Cartório competente, é deixado em segundo plano pelos contratantes. Nesta linha, com o passar do tempo, a regularização do imóvel pode tornar-se um verdadeiro pesadelo para os interessados em desonerar-se de suas obrigações, com a devida adequação da cadeia dominial constante no registro imobiliário.
Na prática jurídica nos deparamos com situações em que não há interesse de uma das partes em regularizar a transferência da propriedade, considerando a necessidade de recolhimento dos impostos pertinentes ao ato. No caso de negócio jurídico celebrado por pessoas jurídicas, situação frequentemente encontrada é o irregular encerramento das atividades, impossibilitando a concretização da transferência pela via ordinária, ou mesmo a ocorrência de sucessão empresarial sem a efetiva regularização do portfólio imobiliário.
A judicialização da regularização imobiliária por meio da utilização da adjudicação compulsória, além de favorecer o acúmulo de demandas no Judiciário, contribuindo para que o tempo médio de duração de um processo no Brasil seja de aproximadamente 3 (três) anos¹, onera excessivamente os interessados em promover a transferência da propriedade, considerando as despesas inerentes ao ajuizamento de uma ação. Todavia, com a entrada em vigor da lei 14.382/22, a via Judicial deixa de ser o único caminho possível.
É que este importante instituto, que já existia em nosso ordenamento jurídico, foi colocado à disposição dos interessados por meio da via notarial. Conforme preconiza o art. 1.418, do Código Civil, "o promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel".
Neste sentido, temos que o instituto da adjudicação compulsória representa importante meio de promoção da regularização imobiliária, visto que possibilita, em caso de recusa de algum dos contratantes em receber ou outorgar a escritura, tal omissão possa ser suprida por meio de decisão judicial substitutiva da vontade da(s) parte(s).
Ocorre que tal instituto, até então, somente poderia ser utilizado por meio de ajuizamento de ação própria. Contudo, a lei 14.382/22, visando promover importante modernização no sistema cartorário, dando maior autonomia às serventias notariais, possibilitou a adjudicação extrajudicial de imóveis, ou seja, independentemente de uma ordem judicial.
A norma em questão introduziu na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) o art. 216-B, que possui a seguinte redação:
Art. 216-B - Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo.
Necessário ainda destacar que a lei confere legitimidade a uma ampla de gama de interessados, vejamos:
A alteração promovida pela lei 14.382/22 representa, sem dúvidas, grande avanço do ponto de vista legislativo, visto que confere maior autonomia aos Cartórios e possibilita que a adjudicação e a consequente regularização do imóvel, nos casos em que há omissão recusa injustificada de um dos contratantes em receber ou outorgar a escritura pública translativa do direito de propriedade, ocorram de forma mais célere e menos onerosa.
Cumpre, por fim, destacar que a utilização do instituto da adjudicação compulsória extrajudicial, assim como ocorre na via judicial, necessita do preenchimento de determinados requisitos, notadamente aqueles indicados nos incisos de I a VI, do parágrafo primeiro, do art. 216-B, da Lei de Registros Públicos:
I - instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso; II - prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos; IV - certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação; V - comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI); VI - procuração com poderes específicos.
Em que pese a norma ainda pender de regulamentação específica pelo Conselho Nacional de Justiça, é possível concluirmos que, por já estarem delimitados no diploma legal todos os requisitos necessários, bem como os legitimados, o instituto em questão já pode ser utilizado, devendo, contudo, haver representação por advogado, semelhante ao que ocorre na usucapião extrajudicial.
Notas
1 Justiça em números - Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justicaem-numeros2021-12.pdf - Acesso em 5/8/22
*Lucas Santos é advogado no Abi-Ackel Advogados Associados, especialista em Proteção de Dados e Segurança da Informação, em Processo Civil e Argumentação Jurídica e em Direito Processual Civil.
Fonte: Migalhas