Com profissão regulamentada há mais de 40 anos, corretores de imóveis sofreram um revés a partir do recém publicado Decreto 11.165, de 9 de agosto de 2022. Mas, após forte manifestação do setor imobiliário, o normativo foi revogado em menos de 24 horas após a sua publicação.
Ficou confuso de acompanhar? Bom... imagina para o setor que desde a terça-feira (9) está às voltas com tamanho desacerto provocado pela medida. Ao tirar a exclusividade dos profissionais registrados junto ao Conselho Regional de Corretores de Imóveis, a medida liberava sua atuação a qualquer pessoa que pudesse intermediar a compra, venda e aluguel de um bem imóvel.
É o que trazia o parágrafo 2º do artigo 2º:
"Não compete exclusivamente aos corretores de imóveis a realização de atividades e serviços auxiliares, entre os quais:
I - publicidade ou marketing imobiliário;
II - atendimento ao público;
III - indicação de imóveis para intermediação; e
IV - publicação, hospedagem em sítio eletrônico ou divulgação na internet de imóveis à venda ou para locação."
Em nota, o Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci-Creci) defendeu a imediata revogação do Decreto 11.165: "O presidente Bolsonaro não pode afetar a segurança jurídica e financeira do mercado imobiliário, fragilizar a segurança das famílias e dos cidadãos que almejam a casa própria, nem favorecer interesse de grupos em detrimento de um importante segmento, que é o setor imobiliário. O Sistema Cofeci-Creci irá atuar para restabelecer a proteção à sociedade nas transações imobiliárias".
A profissão, regulamentada desde 1978, vem sendo fortemente impactada há algum tempo, gerando um retrocesso na relação entre quem quer comprar, alugar e os que querem dispor de seus imóveis para tal.
Baqueados com a abolição da tabela referencial de honorários — profissões que atuam com prestação de serviços a terceiros costumam ter uma tabela referencial de preços —, aplicativos que sugerem a remoção deste profissional da intermediação de aluguéis e vendas, agora qualquer um poderia anunciar, atender, realizar uma venda sem que o profissional esteja devidamente cadastrado no Creci.
Caso fosse mantida, não seria mais necessário nem mesmo entender do trâmite processual. Bastaria simplesmente anunciar, atender o interessado, tirar uma proposta, procurar um cartório, já que o escrevente tem por obrigação emitir as certidões.
Há quem diga, por exemplo, que estar-se-ia legitimando o porteiro do prédio ou o síndico condominial a atuar diretamente no processo de venda ou aluguel de imóveis, desde a captação, passando pela análise documental, exposição dos riscos e detalhes do negócio às partes e concretização da venda.
Há ainda quem vá mais adiante e afirme que não seria apenas a legitimação de agentes que detém a competência necessária para assumir o papel do corretor de imóveis qualificado, mas a legalização da contravenção-penal de exercício ilegal da profissão, prevista no artigo 47 da Lei 3688/41. Afinal, pela redação anterior ao decreto já revogado, o exercício das atividades inerentes a profissão de Corretor de Imóveis somente é permitido às pessoas que sejam registradas nos Conselhos Regionais de Corretores de Imóveis.
A Constituição, em seu artigo 5º inciso XIII, determina que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão desde que sejam atendidas as qualificações estabelecidas em lei. A mudança em se retirar o registro profissional para que a atividade pudesse ser realizada por outros que não corretores traz precariedade ao sistema, insegurança jurídica e degeneração das relações.
Se a desregulamentação trouxesse benefícios ao consumidor até seria viável sua propositura, como pode ser observado em casos específicos. Mas, ao levar em consideração a construção do sonho da maioria dos brasileiros, a casa própria, a autorregulação sem a intervenção do Estado pode ser onerosa à sociedade nos moldes contemporâneos.
Assim, após tamanho rebuliço, prevalece o instituído pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na qual entre o corretor de imóveis e as partes do negócio que intermedeia é de consumo, e o artigo 6º, III, IV e VI, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece que são direitos básicos do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços e sobre os riscos que apresentem; a proteção contra métodos comerciais desleais; e a efetiva prevenção de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio, sendo vedado prejudicar, por dolo ou culpa, os interesses que lhe forem confiados.
Cabe ao corretor de imóveis diligentemente se inteirar e prestar informações usuais e notórias acerca do título de domínio exibido pelo vendedor, da regularidade da cadeia dominial, da existência, ou não, de gravames reais e de ações que envolvam o vendedor e que, em tese, poderiam conduzir à ineficácia, nulidade ou anulabilidade do contrato de compra e venda.
Em se tratando de prestação de serviços vinculadas à compra e venda de imóvel, em linha de princípio, a completa formação do contrato de corretagem depende de três etapas: a) a aproximação das partes; b) o fechamento do negócio (assinatura da proposta de compra e venda); e c) a execução do contrato (compra e venda), por meio da assinatura da escritura para transcrição no registro de imóveis.
Dito isso, a relação culmina com o artigo 725 do Código Civil (CC), ao estabelecer que a remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes, demandando harmonização com os artigos 723 do CC; 6º, III, IV e VI, do CDC; e 20, I e VIII, da Lei nº 6.530/1978.
Assim, o resguardo das atividades profissionais a partir dos 25 conselhos regionais dos corretores de imóveis se faz fundamental ao bom desempenho da atividade no Brasil. Os Crecis representam as 27 unidades da federação, fiscalizando a atuação dos corretores de imóveis. Apesar do sobressalto, menos um baque ao setor imobiliário.
Alfredo Lobo é advogado especialista em Processo Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e sócio fundador do escritório Miranda Lima & Lobo.
Fonte: ConJur