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13/07/2022

Quer mudar de nome? Saiba como fazer alteração sem precisar de autorização judicial

Direito é para qualquer pessoa acima de 18 anos

Até junho deste ano, se uma pessoa tivesse a vontade de mudar de nome, o procedimento só poderia ser realizado quando o interessado tivesse entre 18 e 19 anos e ainda era necessário entrar na Justiça para fazer a alteração. Porém, uma nova lei federal (nº 14.382/22) sancionada no dia 27 do mês passado, amplia o rol de possibilidades para que pessoas com mais de 18 anos façam a mudança diretamente nos cartórios de Registro Civil.

Para fazer a mudança, é necessário que a pessoa interessada compareça à unidade dos cartórios com seus documentos pessoais (RG e CPF) e se informe sobre quais certidões deverão ser entregues a depender do tipo de procedimento. A nova certidão deve ser expedida em cerca de cinco dias e o procedimento custa em média R$200.

A Lei de Registros Públicos representa um avanço no entendimento que a escolha do nome próprio deve ser um direito e torna o processo muito mais fácil, já que não é preciso passar por audiências até que um juiz decida sobre como alguém deve ser chamado. Há alguns anos, um caso de tentativa de mudança de nome ficou conhecido na capital baiana.

Cláudio Cézar procurou a Defensoria Pública da Bahia ainda em 2015 para pedir a inclusão dos nomes Jaspion, Jiraiya e Jiban em sua certidão de nascimento. Na época, ele alegou que queria incluir na identidade um apelido público, que já usava há muitos anos.

O processo na Justiça durou quase dois anos. Cláudio Cézar Jaspion Jiraiya Jiban dos Santos precisou provar, entre outras coisas, que não desejava mudar de identidade por conta de pendências jurídicas ou criminais. Em entrevista concedida ao CORREIO em 2017, Cláudio disse que às vezes, nem ele lembrava o seu nome de batismo, uma vez que todos o conheciam pelo nome dos personagens japoneses.

“Eu tenho um lava jato aqui na rua e todo mundo me conhece como Jiraiya” chegou a dizer o Jiraiya do Tororó, como é conhecido.

Se Cláudio desse início ao procedimento a partir de agora, a mudança de nome, em teoria, seria realizada de maneira mais simples, como explica o presidente da Associação dos Registradores Civis de Pessoas Naturais do Estado da Bahia (Arpen/BA), Daniel Sampaio. “A lei trouxe mudanças substanciais e reinventou a forma de prestar o serviço de registro civil de pessoas naturais. Até então, havia um princípio de que o nome era imutável e se fazia o possível para preservá-lo. Mas de uns anos para cá, isso passou a ser questionado”, diz.

Agora, qualquer pessoa pode alterar o nome independente de prazo, motivação, gênero, juízo de valor ou de conveniência, salvo suspeita de coação, fraude, falsidade ou simulação. Após a mudança, cabe ao Cartório de Registro Civil comunicar a alteração aos órgãos expedidores do documento de identidade, CPF e passaporte. Assim como ao Tribunal Superior Eleitoral.

Mudança de nome de recém-nascidos pode ser feita em até 15 dias

A nova lei também permite a mudança de nome de recém-nascidos em até 15 dias após o registro, no caso de não ter havido consenso entre os pais sobre como a criança vai chamar. Esta inovação possibilita a correção em muitos casos onde a mãe está impossibilitada de comparecer ao cartório em razão do parto e o pai ou declarante registra a criança com um nome diferente do combinado.

Para realizar a alteração do nome e do sobrenome do recém-nascido é necessário que os pais estejam em consenso, apresentem a certidão de nascimento do bebê e os documentos pessoais (CPF e RG). Em caso de divergência entre os tutores, o caso deverá ser encaminhado pelo cartório ao juiz competente para a decisão.

A Lei 14.382, de 2022 também efetiva o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp) para modernizar e unificar sistemas de cartórios em todo o país e permitir registros e consultas pela internet. A nova norma é resultado da Medida Provisória (MP) 1.085/2021, e o sistema deve ser implantado até 31 de janeiro de 2023.

Outra possibilidades que a Lei de Registros Públicos traz é a inclusão de sobrenomes presentes na família, mas que não foram dados pelos pais. "A pessoa pode colocar sobrenomes de avós, que os pais não tenham colocado, diretamente nos cartórios. São várias inovações feitas para preservar o princípio da dignidade humana", explica Daniel Sampaio.

Mais de 250 pessoas trans mudaram de nome na Bahia em quatro anos

Quem sabe bem a importância de ser ter registra um nome com o qual se identifica é Tuka Perez, que foi a primeira assessora parlamentar transgênero da Câmara de Vereadores de Salvador. Tuka lembra que procurou a Defensoria Pública para tentar dar início ao processo de mudança de nome ainda em 2014, mas eram tantos entraves, que ela não conseguiu.

“Na época, tinha muitas exigências. Eles pediam, por exemplo, um laudo médico, depois de passar de seis meses a um ano tendo consultas com um psicólogo para tentar provar ao juiz que não éramos loucas. Cheguei a apresentar documentos, mas, infelizmente, não fui à frente no processo porque nunca marcavam minha audiência", relembra.

Tuka só começou a transitar por espaços com seu nome social, o que escolheu para si, quando se tornou assessora parlamentar em 2013 e recebeu um crachá com o nome com o qual se identificava. “Eu nunca andava com minha cédula de identidade, só andava com meu crachá e o apresentava nos lugares buscando me preservar nos ambientes”, conta. Só em 2019, ela conseguiu realizar a mudança oficialmente, no I Mutirão de Adequação de Nome e Gênero da Defensoria Pública do Estado da Bahia.

Tuka admite que houve muitos avanços desde que tentou alterar o nome pela primeira vez há oito anos. Em 2018, um provimento do Conselho Nacional de Justiça já previa que a alteração do nome de pessoas trans poderia ser feita em cartórios, o que é reforçado pela nova lei. Entre 2019 e este ano, 288 pessoas trans mudaram de nome na Bahia, segundo a Arpen. Somente na capital foram 85 alterações.

Os empecilhos, no entanto, ainda existem, como lembra Tuka Perez, e muitas vezes são financeiros. “Sabemos das dificuldades que pessoas trans enfrentam para entrar no mercado de trabalho e muitas não têm condições de arcar com os custos para a mudança”, diz.

Cassandra Falck de Matos, 21, por exemplo, precisou desembolsar cerca de R$300 para realizar o processo em 2018.  A jovem conta que assim que completou 18 anos deu início ao trâmite no cartório. Mesmo sem precisar entrar na Justiça, ela diz que foi desgastante devido à série de documentos que precisou apresentar. “Foram muitas documentações e o cartório ficava pedindo novas cópias de documentos que eu já tinha entregue”, diz.

Foram cerca de três meses até a emissão da nova certidão. Mas toda a demora valeu a pena quando Cassandra finalmente conseguiu o documento.

“Quando a gente inicia a terapia hormonal, o nosso corpo muda e o jeito que a sociedade nos olha também. Mas quando eu precisava mostrar minha documentação eu vivia um pesadelo, porque as pessoas achavam que eu tentava aplicar golpes ou eram preconceituosas. Quando eu consegui a nova documentação, pude transitar pelos espaços mais tranquilamente”, conta.

 

Fonte: Correio


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