A averbação premonitória consiste no ato pelo qual se atribui publicidade erga omnes à demanda judicial que tramita contra o proprietário de bem sujeito a registro, com a finalidade de caracterizar-se fraude à execução prevista no artigo 792 do Código de Processo Civil (CPC). O presente estudo estará circunscrito às averbações premonitórias efetuadas no registro de imóveis.
A averbação premonitória chancelará presunção absoluta de conhecimento da ação judicial perante terceiros [1]. O exequente estará liberado de provar a má-fé do terceiro adquirente. Contra o executado recairá a presunção absoluta de conhecimento da ação, mesmo que ainda não tenha sido citado. As alienações e onerações — em caso de fraude à execução — serão consideradas ineficazes em relação ao exequente, nos ditames do § 1º do artigo 792 do CPC.
Na ausência da averbação premonitória, o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento da demanda judicial recairá sobre o exequente — consoante entendimento jurisprudencial consolidado, desde 2009, no Superior Tribunal de Justiça. O STJ desobriga o terceiro adquirente de buscar — ao tempo da alienação — por certidões negativas, no nome do alienante, junto a distribuidores judiciais [2].
O artigo 54 da Lei nº 13.097/15 consagrou o princípio da concentração dos atos na matrícula — e realçou a importância da averbação premonitória — ao estabelecer que não poderão ser opostas ao terceiro de boa-fé situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis [3].
O § 2º do artigo 792 do CPC sedimentou a jurisprudência do STJ, no sentido de liberar o terceiro adquirente do ônus de exibir certidões negativas de distribuidores judiciais, pois a existência de eventuais ações contra o alienante deveria estar inscrita no fólio real.
O artigo 54 da Lei nº 13.097/15, por meio da Lei nº 14.382 — de 27/6/2022 —, recebeu a inclusão do seguinte dispositivo:
"§ 2º. Não serão exigidos, para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos a que se refere o caput ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real: I - a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles requeridos nos termos do disposto no § 2º do art. 1º da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985; e II - a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais" [4].
Assim, não se poderá opor ao terceiro adquirente de boa-fé fraude à execução no caso de inexistência de averbação na matrícula. A concentração dos atos na matrícula protege somente o terceiro adquirente de boa-fé, conforme o § 1º do artigo 54 da Lei nº 13.097/15. A ausência de averbação gerará presunção relativa de boa-fé do terceiro adquirente, que poderá ser afastada por prova produzida pelo exequente [5].
A averbação premonitória — no processo de execução — encontra guarida no caput do artigo 828 do CPC:
"Art. 828. O exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz, com identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade."
A certidão — para fins de averbação premonitória — será expedida sem a necessidade de ordem judicial, bastando que a execução tenha sido admitida pelo juiz [6]. No cumprimento de sentença, a averbação premonitória também ocorrerá com lastro no artigo 828 — combinado com o artigo 513 — do CPC [7].
O CPC não prevê hipótese de averbação premonitória no processo de conhecimento [8]. Encontra-se tal previsão na Lei nº 13.097/15:
"Artigo 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:
IV - averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do disposto no inciso do caput do art. 792 da Lei nº 13.105, de 2015 - Código de Processo Civil. (Redação dada Pela Lei nº 14.382, de 2022) [9]
Art. 56. A averbação na matrícula do imóvel prevista no inciso IV do art. 54 será realizada por determinação judicial e conterá a identificação das partes, o valor da causa e o juízo para o qual a petição inicial foi distribuída.
Artigo 57. Recebida a comunicação da determinação de que trata o caput do art. 56, será feita a averbação ou serão indicadas as pendências a serem satisfeitas para sua efetivação no prazo de 5 (cinco) dias."
Destarte, revelam-se inadequadas decisões judiciais que concedem a averbação premonitória — no processo de conhecimento — por meio de aplicação analógica do artigo 828 do CPC em cumulação com os requisitos da tutela de urgência — artigo 300 do CPC —, a exemplo do aresto abaixo indicado:
"A anotação da existência do litígio no registro do bem se afigura como medida plausível, com base no princípio da publicidade, de forma a dar conhecimento a terceiros de boa-fé que possam se interessar pela aquisição do imóvel. O artigo 828 do CPC não tem aplicabilidade restrita às execuções, podendo ser aplicado aos processos de conhecimento, com observância dos requisitos da tutela de urgência."
(TJ-MG — Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.154318-6/001, relator: des. José de Carvalho Barbosa, 13ª C MARA CÍVEL, julgamento em 10/2/2022, publicação da súmula em 11/2/2022)
A diferença entre a averbação premonitória do artigo 828 do CPC e a da Lei nº 13.097/15 consiste — basicamente – na exigência de determinação judicial para esta última. No processo de conhecimento — diante da inexistência de título executivo — exige-se determinação judicial.
O juiz, ao admitir a ação de conhecimento — e verificar a plausibilidade mínima do direito do autor —, estará apto a deferir o pedido de averbação premonitória. O que se busca evitar é, tão somente, a determinação de averbações premonitórias calcadas em demandas frívolas [10].
Outrossim, não é lícito ao juiz imiscuir-se na perquirição do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Não se deve confundir averbação premonitória com arresto ou indisponibilidade de bens [11]. Diferentemente do arresto, a averbação premonitória não ostentará preferência em face de futuras penhoras [12], nem sujeitará o imóvel a quaisquer ônus.
A insolvência do réu, do mesmo modo, não configura requisito da averbação premonitória. A redação do inciso IV do artigo 792 do CPC é confusa. O que torna o devedor insolvável é a alienação do imóvel, e não a tramitação do processo de conhecimento. A insolvabilidade do devedor somente poderá ser aquilatada no juízo da execução, em que se apurará a inexistência de bens penhoráveis, ocasionando a frustração dos meios executórios e a eventual conformação de fraude [13].
A averbação premonitória outorga publicidade à tramitação da demanda judicial e, assim, assevera presunção absoluta de cognoscibilidade perante terceiros, segurança ao tráfego jurídico imobiliário e proteção ao terceiro adquirente de boa-fé [14].
A decisão judicial abaixo transcrita confirma o mero desiderato da averbação premonitória de conferir publicidade aos atos processuais, embora fundamentada — contraditoriamente — em tutela de urgência:
"Nos termos do art. 300, do CPC, a antecipação de tutela pode ser deferida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Ainda que o processo se encontre na fase de conhecimento, possível a averbação da existência de demanda judicial na matrícula do imóvel em litígio, dando publicidade e prestigiando, desta forma, o poder geral de cautela, condição esta que não prejudica o direito dos proprietários pelo seu caráter meramente informativo."
(TJ-MG — Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.19.141692-4/002, Relator: Des. Adriano de Mesquita Carneiro, 11ª C MARA CÍVEL, julgamento em 09/09/2020, publicação da súmula em 11/9/2020)
A estipulação de requisitos excessivos — e sem amparo legal — para deferimento da averbação premonitória acarretará a impossibilidade de futuro decreto de fraude executiva, tendo em vista a extrema dificuldade do credor em comprovar a má-fé do terceiro adquirente, diante do princípio da concentração dos atos na matrícula.
O autor indenizará o réu, no caso de averbação premonitória indevida, nos termos do § 5º do artigo 828 do CPC.
Em suma, caberá ao juiz, no processo de conhecimento, deferir o pedido de averbação premonitória – com força no inciso IV do artigo 54, da Lei nº 13.097/15 — sem a comprovação do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, tampouco de que a ação admitida poderá levar o réu à insolvência. Ao juiz bastará constatar a probabilidade do direito do autor em grau de intensidade inferior à probabilidade do direito exigida na tutela de urgência.
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[1] Nesse sentido: REsp nº 1.863.999/SP, relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 3/8/2021, DJe de 9/8/2021. Vide arts. 792, incs. I, II e III, 828, § 4º, e 844 do CPC, além do art. 54 da Lei nº 13.097/15.
[2] Enunciado nº 375 da súmula do STJ, publicada em 30/3/2009: "O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente". Tese fixada — em 20/8/2014 —, no regime dos recursos repetitivos — Tema 243 —, reafirmou o enunciado nº 375 da súmula do STJ.
[3] "Nesse contexto, o Brasil passou a prestigiar mais ainda o princípio da concentração dos atos registrais com o advento da Lei nº 13.097/15. Ou seja: o que não está na matrícula não está no mundo. Esse foi um passo relevante e até revolucionário dado pelo ordenamento jurídico brasileiro de forma relativamente recente." (OLIVEIRA, Carlos Elias de; COSTA-NETO, João. Direito Civil: volume único. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 929) "De todo modo, a tendência para o futuro parece ser a de prevalência da boa-fé do adquirente caso não exista qualquer restrição na matrícula do imóvel, caminhando-se para a antes citada solução pela concentração absoluta dos atos na matrícula. Essa posição acaba por favorecer o tráfego jurídico e a conservação dos negócios." (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 277)
[4] Há quem sustente que as Leis nos 13.097/15 e 14.382/22, ambas oriundas de conversão de medidas provisórias, violariam a Constituição (art. 62, § 1º, inc. I, b). Contudo, impera a presunção relativa de constitucionalidade.
[5] Nesse sentido, a jurisprudência do STJ, anteriormente citada, e o seguinte entendimento doutrinário: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 14ª ed. São Paulo: Juspodivm, 2022. p. 1178-1179; Enunciado nº 149 da II Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal.
[6] Nessa linha: Enunciado nº 130 do Fórum Permanente de Processualistas Civis e Enunciado nº 104 da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal.
[7] Nessa perspectiva: Enunciado nº 529 do FPPC. Vale lembrar que, em fase anterior ao cumprimento de sentença — como efeito anexo das decisões condenatórias —, o credor poderá valer-se da hipoteca judiciária (art. 495 do CPC).
[8] O item 21, do inc. I do art. 167 da Lei nº 6.015/73, o inc. I do art. 54 da Lei nº 13.097/15 e o inc. I do art. 792 do CPC mencionam a inscrição de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias. Depreende-se que tal inscrição não dependerá de determinação judicial, bastando a apresentação, perante o oficial de registro de imóveis, de requerimento do autor e de certidão de citação ocorrida na ação real ou pessoal reipersecutória.
[9] A Lei nº 14.382/22 simplesmente atualizou a referência ao CPC atual em detrimento da redação original do dispositivo que mencionava o CPC anterior.
[10] Demandas propostas por motivos escusos e desprovidas de fundamentação jurídica plausível, nas quais o autor está ciente da baixíssima probabilidade de êxito.
[11] A alienação de bem imóvel, após a inscrição em dívida ativa, basta para presumir-se, de modo absoluto, a fraude à execução (art. 185 do CTN). A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá, ainda, efetuar a averbação da certidão da dívida ativa na matrícula do imóvel do devedor (art. 20-B, § 3º, inc. II, da Lei nº 10.522/02). O STF entendeu que essa averbação pré-executória é constitucional, diante do seu caráter meramente publicitário, diferentemente da averbação administrativa de indisponibilidade de bens, declarada inconstitucional, pois carece de intervenção judicial. O STF, assim, estabeleceu a clara distinção entre a averbação na matrícula com finalidade publicitária e a averbação com finalidade de gravar ônus (ADI 5886, Relator: MARCO AURÉLIO, Relator p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 9/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-061. DIVULG 30/3/2021. PUBLIC 5/4/2022).
[12] No caso, a anterioridade do arresto realizado pelo agravado lhe confere preferência para recebimento do crédito perseguido, visto que diligentemente efetuou o ato de constrição do bem, em detrimento da penhora posteriormente realizada. (AgInt no REsp nº 1.267.262/MG, relator ministro Marco Buzzi, 4ª Turma, julgado em 10/11/2016, DJe de 21/11/2016). A averbação premonitória não equivale à penhora, e não induz preferência do credor em prejuízo daquele em favor do qual foi realizada a constrição judicial. (REsp 1334635/RS, rel. ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, 4ª TURMA, julgado em 19/9/2019, DJe 24/9/2019)
[13] Nesse sentido: C MARA, Alexandre Freitas. Manual de Direito Processual Civil. Barueri: Atlas, 2022. p. 686; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Op. cit. p. 1179-1180; ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 18ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 228.
[14] Na lição de Leonardo Brandelli, o único modo de se atribuir publicidade a ato processual que diga respeito a imóvel será pela inscrição no registro imobiliário (Publicidade Registral Imobiliária e a Lei 13.097/15. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 104, v. 962, p. 219-236, dez. 2015). A publicidade dos registros públicos está assegurada na Lei nº 6.015/73 (art. 1º, § 3º, I, e arts. 16 a 21) e na Lei nº 8.935/94 (arts. 1º e 42-A). Acerca da publicidade registral, vide a doutrina de Carlos Ferreira de Almeida (Publicidade e Teoria dos Registros. Coimbra: Almedina, 1966).
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Carlos Augusto Thomaz é professor da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ.
Fonte: ConJur