No setor imobiliário as operações de permutas de imóveis são bastante utilizadas para viabilização de incorporações pelo país, principalmente na modalidade entrega futura (unidades a serem construídas [1]), onde o proprietário do imóvel transmite total ou parcialmente o terreno para construção de empreendimento pelo incorporador, que em contrapartida, assume o risco do negócio e se compromete a entregar uma ou algumas unidades autônomas que serão construídas.
Essa transação geralmente se revela vantajosa para as partes envolvidas no negócio jurídico, pois de um lado, o incorporador reduzirá seus custos, tendo em vista que não utilizará imediatamente dinheiro disponível em caixa para o início das obras, e do outro, o proprietário do terreno receberá unidades imobiliárias do empreendimento com maior liquidez no mercado para alienação ou locação, além da própria valorização relativa ao imóvel.
No CC o contrato de permuta encontra-se previsto no artigo 533 [2], e consiste no negócio jurídico em que as partes se obrigam reciprocamente a entregar coisas, que não seja dinheiro [3], que poderá ser utilizado apenas como complemento da obrigação (torna).
Embora o CC estabeleça que se aplicam à troca as disposições referentes à compra e venda, com algumas modificações, são institutos diferentes. Enquanto na compra e venda a propriedade do bem será transferida mediante pagamento do preço em dinheiro, na permuta ocorrerá a troca de bens sem que seja necessariamente obrigado o desembolso de qualquer valor pecuniário.
Em relação à tributação dessas transações, a Receita Federal, na IN SRF nº 107, de 1988, no item 1.1 [iv], definiu que "se considera permuta toda e qualquer operação que tenha por objeto a troca de uma ou mais unidades imobiliárias por outra ou outras unidades, ainda que ocorra, por parte de um dos contratantes o pagamento de parcela complementar em dinheiro aqui denominada torna".
Pela relevância dessas operações para o setor imobiliário, e o elevado número de empresas incorporadoras optantes pelo regime de lucro presumido em função da simplicidade e economia fiscal, passou-se a questionar se a permuta, com ou sem torna (complementação em dinheiro), constitui receita bruta para fins de IRPJ e CSLL.
A base de cálculo do IRPJ e CSLL dos contribuintes que exploram atividades imobiliárias no lucro presumido será determinada mediante a aplicação do percentual de 8%, e 12%, respectivamente, sobre a receita bruta auferida mensalmente, deduzida das devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos (artigos 15 e 20 da Lei n° 9.249/1995 [5], c/c artigo 25 da Lei n° 9.430/1996 [6]).
Ocorre que, o conceito de receita não pode ser confundido com o mero ingresso de recurso na entidade, pois ao contrário deste, integra de maneira definitiva ao patrimônio sem qualquer reserva ou condição.
Por essa perspectiva nas operações de permuta de imóveis, o valor recebido a título na troca não se caracteriza como receita bruta, pois na realidade existe apenas a substituição de ativos com o mesmo valor contábil do bem baixado em sua escrituração (item 2.1.1 da IN SRF nº 107, de 1988).
A propósito, consoante o disposto no artigo 30, da Lei nº 8.981/1995 [7], aplicável tanto ao lucro real, quando ao presumido, só haverá receita bruta quando as unidades imobiliárias forem efetivamente vendidas pela incorporadora, com o consequente ingresso em caráter definitivo, e acrescentando elemento positivo ao patrimônio do contribuinte.
A despeito disso, a Receita Federal por meio da Solução de Consulta Cosit nº 207/2014, e do Parecer normativo COSIT n° 9/2014 [8] equiparou o contrato de permuta ao de compra e venda, e estabeleceu que "o valor do imóvel recebido constitui receita bruta indistintamente se trata-se de permuta tendo por objeto unidades imobiliárias prontas ou unidades imobiliárias a construir", devendo integrar a base de cálculo de IRPJ e CSLL no regime de lucro presumido "tanto o valor do imóvel recebido em permuta quanto o montante recebido a título de torna".
Não obstante o posicionamento da RFB em desfavor do contribuinte, o STJ no julgamento do Resp. n° 1.733.560/SC [9], ocorrido em 21 de novembro de 2018, decidiu que o contrato de troca ou permuta não deverá ser equiparado na esfera tributária ao contrato de compra e venda, pois não haverá, na maioria das vezes, auferimento de receita, faturamento ou lucro na troca.
No mesmo julgado, o STJ definiu que o valor decorrente do recebimento de imóveis dados como parte do pagamento nas operações de permuta de imóveis não se enquadra no conceito de receita bruta, consequentemente, não integrando a base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, somente a torna eventualmente recebida nas operações de permuta, deve ser oferecida à tributação pelas empresas optantes pelo lucro presumido.
Nesse contexto, a PGFN, diante da pacificação da jurisprudência no STJ [10], e a consequente inviabilidade de reversão do entendimento desfavorável à União, por meio do despacho n° 167, de 08 de abril de 2022 [11], incluiu o tema na lista de dispensa de Contestar e Recorrer [12] (artigo 2º, V, VII e §§3º a 8º, da Portaria PGFN nº 502/2016) [13], nos seguintes termos:
"[...] Base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Empresas do ramo imobiliário que apuram seus tributos pela sistemática do lucro presumido. Contrato de permuta, sem parcela complementar. Resumo: O contrato de troca ou permuta não deve ser equiparado, na esfera tributária, ao contrato de compra e venda, pois não haverá, em regra, auferimento de receita, faturamento ou lucro na troca. O artigo 533 do Código Civil apenas ressalta que as disposições legais referentes à compra e venda se aplicam, no que forem compatíveis, com a troca no âmbito civil, definindo suas regras gerais. Como corolário, não havendo comprovação documental em sentido contrário, nem parcela complementar, o valor do imóvel recebido nas operações de permuta com outro imóvel não deve ser considerado receita, faturamento, renda ou lucro para fins do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins apurados pelas empresas optantes pelo lucro presumido. [...]".
Com isso, o órgão de representação judicial da União acolheu a jurisprudência do STJ, e a partir de agora não irá mais discutir o tema judicialmente, passando a reconhecer que o valor do imóvel recebido em permuta não deve ser considerado receita bruta para fins do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, quando apurados por empresas que exploram atividades do ramo imobiliário optantes pelo lucro presumido.
O novo entendimento da PGFN em favor do contribuinte representa um verdadeiro avanço para a resolução da disputa que já dura anos, mas sem pôr termo, pelo menos por ora, pois a RFB até o momento não se manifestou oficialmente editando qualquer ato normativo ou instruções necessárias à sua execução [14], visando a aplicação do art. 19-A, caput e inciso III, da Lei nº 10.522/2002, que autoriza aos auditores fiscais a deixarem de constituir os créditos tributários quando se trata de matérias que não existe mais viabilidade de reversão da tese firmada em sentido desfavorável à Fazenda Nacional [15].
Com efeito, o Parecer normativo COSIT n° 9/2014 continua vigente [16] e refletindo o entendimento do Fisco enquanto não for revogado [17], devendo o contribuinte ter bastante cautela ao realizar a simples exclusão dessas operações de permuta imobiliária da base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, sem autorização judicial.
Por tais razões é que, espera-se o posicionamento da RFB o mais breve possível para evitar incertezas no ambiente de negócios do setor, e, consequentemente, garantir a segurança jurídica necessária para realização das operações de permuta de imóveis por empresas do ramo imobiliário no lucro presumido, sem o risco de eventual autuação fiscal com imposição de penalidades e juros.
[1] Artigo 32, a, e artigo 39 da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4591.htm . Acesso em 16 de maio de 2022.
[2] Artigo 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações:
I - salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca;
II - é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.
[3] Novo Curso de Direito Civil — Contratos — V. 4/Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. — 5. Ed. -São Paulo: Saraiva, 2022. Pag. 347.
[4] Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br//sijut2consulta/link.action?visao=original&idAto=14681. Acesso em 12 de maio de 2022.
[5] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9249.htm .Acesso em 16 de maio de 2022.
[6] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9430.htm Acesso em 12 de maio de 2022.
[7] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8981.htm Acesso em 12 de maio de 2022.
[8] Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?naoPublicado=&idAto=55839&visao=compilado Acesso em 15 de maio de 2022.
[9] STJ - REsp: 1733560 SC 2018/0076511-6, relator: ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 17/05/2018, T2 — SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/11/2018. Disponível aqui. Acesso em 16 de maio de 2022
[10] Precedentes: REsp nº 1.733.560/SC, AgInt no REsp nº 1.758.483/SC, AgInt no REsp 1.796.877/SC, AgInt no AgInt no REsp nº 1.639.798/RS, AgInt no REsp 1.737.467/SC, AgInt no REsp 1.800.971/SC, AgInt no REsp nº REsp 1.868.026/PB, REsp nº 1.754.618/SC, REsp nº 1.798.211/RS, REsp nº 1.801.839/RS, REsp nº 1.850.377/SC, REsp nº 1.737.790/RS e REsp nº 1.738.667/SC.
[11] Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?naoPublicado=&idAto=123595&visao=compilado Acesso em 12 de maio de 2022.
[12] Artigo 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões e de interpor recursos, e fica autorizada a desistir de recursos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese em que a ação ou a decisão judicial ou administrativa versar sobre: [...]
VI - tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior do Trabalho, pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito de suas competências, quando: [...]
[13] Disponível em: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/representacao-judicial/temas-com-dispensa-de-contestar-e-recorrer/portaria-pgfn-502-texto-consolidado-ate-portaria-19581-alterada-2020.pdf . Acesso em 12 de maio de 2022.
[14] Artigo 1, III, c/c artigo 350, III, da Portaria n° 284, de 27 de julho de 2020. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=111265 . Acesso em 15 de maio de 2022.
[15] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10522.htm Acesso em 12 de maio de 2022.
[16] Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?naoPublicado=&idAto=55839&visao=relacional. Acesso em 15 de maio de 2022.
[17] Segundo o artigo110, I, do CTN, os atos normativos expedidos pela autoridade administrativa são normas complementares a legislação tributária.
Guilherme José Lima é advogado e pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Fonte: Conjur