Recentemente, foi publicado o Despacho PGFN nº 167/2022, por meio do qual a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional incluiu na lista de dispensa de contestar ou recorrer as discussões sobre a inexistência de receita ou lucro tributável nas permutas imobiliárias. Por esse posicionamento, fica reconhecido que a permuta não se equipara à compra e venda para fins tributários, devendo ser exigida a tributação somente em casos excepcionais, desde que documentalmente comprovadas hipóteses como o recebimento de parcela complementar (torna).
Há algum tempo, a Receita Federal regulou a permuta de unidades imobiliárias por meio da Instrução Normativa RFB nº 107/88, oportunidade em que reconheceu a existência de resultado tributável somente nos casos de permuta com torna. Anos depois, a RFB editou o Parecer Normativo Cosit nº 09/2014, manifestando-se no sentido de que a antiga IN 107/88 seria aplicável tão somente às empresas optantes pelo lucro real, enquanto as empresas optantes pelo lucro presumido deveriam reconhecer como receita bruta tanto o valor do imóvel recebido quanto de eventual torna.
Durante esse contexto de recorrentes controvérsias entre Fisco e contribuintes, 1) o STJ pacificou o entendimento de que não há auferimento de receita, faturamento ou lucro na permuta [1], motivando a recente manifestação da PGFN e 2) até a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF [2]) proferiu acórdão reconhecendo a inexistência de receita ou lucro tributável.
No entanto, em que pese o acerto das decisões que afastam a tributação nas permutas imobiliárias, a mesma conclusão nem sempre é aplicável aos casos de permuta de ações. No âmbito do CSRF, por exemplo, prevalece o entendimento de que a permuta é uma espécie do gênero alienação, e que essas operações deveriam ser consideradas quando da apuração do ganho de capital, com fundamento no artigo 3º, §3º, da Lei nº 7.713/88 [3].
Ocorre que, parece-nos que a ratio decidendi dos acórdãos do STJ que afastaram a tributação nas operações imobiliárias é inteiramente aplicável às permutas de ações. De acordo com a Corte Superior, a exemplo do REsp nº 1.733.560, a previsão contida no artigo 533 do Código Civil dispõe que a permuta e a compra e venda são regidas basicamente pelas mesmas normas, mas não há equiparação entre os institutos. Nesse sentido, concluiu que as disposições que tratam da compra e venda são aplicáveis à permuta somente naquilo que forem compatíveis, o que não inclui os efeitos tributários.
Trata-se, em verdade, de verdadeira inocorrência de fato gerador, eis que as operações de permuta não revelam acréscimo patrimonial. Seja pela premissa da existência de um conceito constitucional de renda, seja pela de que seu conceito é definido no artigo 43 do CTN, fato é que não há que se falar em renda sem acréscimo patrimonial, representado pela aquisição de disponibilidade.
Sobretudo quando se trata de sócios pessoas físicas, situação em que se atribui ao bem recebido o mesmo valor daquele dado em permuta, pois não houve qualquer custo para além do de aquisição do bem permutado. Sem acréscimo patrimonial, não ocorre o fato necessário e suficiente para o surgimento da obrigação tributária.
A permuta é negócio jurídico típico, distinto da compra e venda, pois possuem causas distintas, bem como por diversos outros fatores, sendo o principal deles a ausência de preço na permuta, as formas de adimplemento e as consequências do inadimplemento.
Dessa forma, a incorporação do instituto da permuta ao mundo tributário deve observar o conceito desenvolvido pelo direito privado, como ordena o artigo 109 do CTN. Não bastasse, não cabe às leis ordinárias como a nº 7.713/88 pretender atribuir efeitos tributários que não se coadunam com o fato gerador conceituado pela CRFB/88 e cuja definição foi delegada à lei complementar.
Ainda que normas contábeis possam determinar o reconhecimento de alguma receita pelas pessoas jurídicas, pelo registro do bem recebido em permuta pelo seu valor justo, não há que se falar em tributação. Isso porque, a Contabilidade é uma ciência própria, com seus métodos e princípios, e que possui função primordialmente informacional, para munir os agentes econômicos da forma mais verossímil possível para auxiliar na tomada de decisões.
Não significa, todavia, que há uma subordinação do Direito Tributário à Contabilidade. Eventuais determinações contábeis pretendem informar a expectativa de rentabilidade futura, enquanto os fatos geradores do Direito Tributário referem-se ao passado.
Infelizmente, o Poder Judiciário ainda não pacificou o entendimento pela inexistência de receita ou lucro tributável nas permutas de ações. Enquanto no TRF-3, por exemplo, há acórdãos que reconheceram o ganho de capital nessas operações (0019914-39.2015.4.03.6100 e 0008916-85.2001.4.03.6105), o TRF-4 já proferiu decisões que afastaram o ganho de capital pela ausência de acréscimo patrimonial (5004153-57.2015.4.04.7100 e 5004449-79.2015.4.04.7100).
Por fim, vale mencionar que a Lei nº 10.522/02, que autoriza a dispensa de recorrer e contestar da PGFN em situações como a do Despacho PGFN nº 167/2022, prevê em seu artigo 19, §9º [4] que as dispensas poderão ser estendidas a tema não abrangido pelos julgados, mas ao qual se aplicam os mesmos fundamentos determinantes do paradigma, e desde que inexistam outros fundamentos capazes de justificar a manutenção do litígio. É exatamente o caso de aplicação desse dispositivo, visto que às permutas de ações se aplicam todos os fundamentos que justificam a não tributação das permutas imobiliárias, sem qualquer outra razão para a manutenção das cobranças.
Dessa forma, espera-se que a PGFN, nos termos do artigo 19, §9º da Lei nº 10.522/02, expressamente dispense o impulsionamento de litígios relacionados à permuta de ações. Ainda que não seja editado o esperado ato normativo, aos casos que eventualmente alcancem o STJ, esperar-se que, por dever de coerência, seja aplicado o mesmo entendimento das permutas imobiliárias.
[1] Nesse sentido: REsp nº 1.733.560/SC, AgInt no AgIntno REsp nº 1.639.798/RS, AgInt no REsp nº 1.868.026/PB, REsp nº 1.754.618/SC, REsp nº 1.737.790/RS e REsp nº 1.738.667/SC, e outros mencionados no Despacho PGFN nº 167/2022.
[2] Acórdão nº 9101-005.204.
[3] Nesse sentido, por exemplo, acórdãos 9101-002.172, 9101-002.445 e 9101-003.137. Não bastasse, a menção à permuta como espécie de alienação também ocorre em casos como os de incorporação de ações, a exemplo dos acórdãos 9202-010.047 e 9202-005.534.
[4] Lei nº 10.522/02. Artigo 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões e de interpor recursos, e fica autorizada a desistir de recursos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese em que a ação ou a decisão judicial ou administrativa versar sobre:
§ 9º. A dispensa de que tratam os incisos V e VI do caput deste artigo poderá ser estendida a tema não abrangido pelo julgado, quando a ele forem aplicáveis os fundamentos determinantes extraídos do julgamento paradigma ou da jurisprudência consolidada, desde que inexista outro fundamento relevante que justifique a impugnação em juízo.
Thiago Braichi é sócio na área tributária do Freitas Ferraz Advogados.
Sávio Hubaide é associado na área tributária do Freitas Ferraz Advogados.
Fonte: Conjur