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25/04/2022

Trisal pretende acionar Justiça de São Paulo para filho recém-nascido ter nome do pai e das duas mães no registro civil

Um bebê, filho de um trisal de Bragança Paulista, no interior de São Paulo, nasceu no último sábado (16). A família pretende buscar a Justiça para manter o registro da criança com o nome do pai e das duas mães na certidão de nascimento. As informações foram divulgadas pelo portal G1 no último fim de semana.

Para realizar o sonho parental, o trisal recorreu à fertilização in vitro. Um homem e uma mulher já eram casados há 15 anos e tinham dois filhos quando se apaixonaram por outra mulher. Ele já havia feito a cirurgia que o impedia de ter filhos biológicos, por isso decidiram pela reprodução assistida.

A união entre os três existe há três anos e meio. Nas redes sociais, eles mantêm o perfil Trisal Amor ao Cubo, no Instagram, em que compartilham a rotina e falam sobre o poliamor a mais de 40 mil internautas. Desde o nascimento do primeiro filho do trisal, eles ganharam mais de 2 mil seguidores na rede social.

“De todas as vivências, de todas as experiências, de todos os aprendizados, conclui-se que realizar um sonho nunca perde o seu sabor! Não podia ser diferente agora! Chegou nosso filho amado, irmão esperado e criança que só pela existência prova o quanto é possível viver em uma família que mesmo fora dos padrões tem muito amor e respeito”, diz uma das publicações.

A Justiça brasileira permite a multiparentalidade, registro de crianças com mais de um pai ou mais de uma mãe. No entanto, o procedimento depende de um processo judicial, com avaliação do juiz e dos psicólogos, com reconhecimento de laços socioafetivos entre os pretendentes ao reconhecimento da parentalidade e a criança. Não há legislação a respeito.

Multiconjugalidade e multiparentalidade

Para o advogado Marcos Alves da Silva, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o caso expõe uma contradição existente na Justiça brasileira. Se, por um lado, admite-se a multiparentalidade, por outro, não são reconhecidos os direitos decorrentes da multiconjugalidade, ou seja, do poliamor. “Aqui, reconhece-se uma família pela metade, afinal, é perceptível a existência de uma conjugalidade e é dela que surge uma parentalidade múltipla”, comenta o especialista.

“Em certos temas, o Supremo Tribunal Federal – STF avançou muito, foi progressista, revolucionário e contemplou muitos direitos, seguindo o princípio da pluralidade das entidades familiares, consagrado pelo caput do artigo 226 da Constituição. Foi o caso do reconhecimento da multiparentalidade, em 2016. Por outro lado, há uma outra compreensão na ordem da conjugalidade”, destaca Marcos.

Em 2020, a Corte julgou negativamente os direitos das famílias simultâneas, não admitindo a possibilidade de reconhecimento de direitos nem às uniões estáveis paralelas nem à união estável paralela ao casamento, em homenagem ao princípio da monogamia. Na época, a decisão dividiu opiniões entre especialistas no Direito das Famílias.

“Nesse tema, o Supremo andou em direção contrária àquilo que é uma tendência contemporânea da compreensão da família, inscrita nos princípios constitucionais. A jurisprudência nega a existência dessas famílias poliafetivas no campo da conjugalidade, não as reconhecendo juridicamente, como se não merecessem qualquer tutela jurisdicional”, critica o advogado.

CNJ também proíbe registro de uniões poliafetivas

Em 2018, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ decidiu pela proibição do registro de escrituras públicas de uniões poliafetivas. Intimado a apresentar as manifestações necessárias sobre o tema, o IBDFAM se posicionou na época pela improcedência do pedido de providências, em defesa das famílias poliafetivas.

“Obstar o reconhecimento jurídico das uniões poliafetivas afrontaria os princípios da liberdade, igualdade, não intervenção estatal na vida privada, não hierarquização das formas constituídas de família e pluralidade das formas constituídas de família”, diz um trecho da manifestação do IBDFAM apresentada ao CNJ há quatro anos.

Para Marcos Alves da Silva, falta proteção às famílias formadas pelo poliamor. “Ainda há uma discriminação daquelas famílias que não se conformam pela maneira tradicional das uniões monogâmicas. Não cabe ao Estado estabelecer um standard daquilo que é ou não é família. Essa questão está no campo da subjetividade.”

“O preconceito é o que gera esse entendimento equivocado. O que se tem feito são julgamentos com base no preconceito, e não em uma interpretação conforme a Constituição, porque está presa pela superação de todas as diferenças e discriminações”, acrescenta o especialista.

Caso pode chegar às instâncias superiores

O Provimento 63/2017 do CNJ, que permitia o registro feito em qualquer idade, diretamente em cartório, foi alterado pelo Provimento 83/2019, que permite essa situação somente quando o filho da multiparentalidade tem mais de 12 anos, idade a partir da qual o procedimento poderá ser feito, independentemente da intervenção estatal.

Assim, no caso em tela, só será possível o registro da criança recém-nascida em nome de um pai e duas mães mediante sentença judicial, autorizando e reconhecendo a multiparentalidade na realidade fática. Segundo Marcos Alves da Silva, não há como prever de que forma a Justiça de São Paulo vai recepcionar o caso da família poliafetiva.

“Caso o magistrado tenha a compreensão da família a partir dos valores constitucionais e da leitura da Constituição feita hoje pelo Supremo em relação à multiparentalidade, parece-me que não há dúvida nenhuma de que o caso poderá ser resolvido em primeiro grau. Ainda assim, pode haver recurso do Ministério Público, que, necessariamente, vai intervir no feito, podendo levar o caso às instâncias superiores.”

O advogado conclui: “A conjugalidade múltipla, expressa no poliamor, encontra respaldo jurídico nos princípios da liberdade, da pluralidade das entidades familiares, da laicidade do Estado. E o Direito se faz com conquistas. Todo direito que se firmou nasceu da luta para a superação de discriminações. Creio que essa luta continua em relação ao Direito de Família”.

 

Fonte: Ibdfam


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