Os tribunais devem primar pelos interesses da população local e não por garantir boa rentabilidade para o registrador ou notário a ser designado para a serventia declarada vaga, devendo realizar as designações respeitando a menor distância entre as serventias.
O Provimento 77 de 2018, da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, foi publicado com o objetivo de estabelecer critérios objetivos no que tange a designação de interinos para responder pelos serviços de notas e de registros vagos, principalmente por considerar as diversas diferenças regionais existentes no país.
O normativo referenciado, em seu artigo 5º, § 1º, estabelece que "não havendo substituto que atenda aos requisitos do § 2º do art. 2º e do art. 3º, a corregedoria de justiça designará interinamente, como responsável pelo expediente, delegatário em exercício no mesmo município ou no município contíguo que detenha uma das atribuições do serviço vago".
No Provimento 80, artº. 7º, alínea "f", que trata da vacância dos serviços notariais e de registro, a norma é taxativa ao tratar da proximidade: "f) a fim de garantir o fácil acesso da população ao serviço de registro civil das pessoas naturais, as unidades vagas existentes nos municípios devem ser mantidas e levadas a concurso público de provas e títulos.
No caso de não existir candidato, e for inconveniente para o interesse público a sua extinção, será designado para responder pela unidade do serviço vaga o titular da unidade de registro mais próxima, podendo ser determinado o recolhimento do acervo para a sua sede e atendendo-se a comunidade interessada mediante serviço itinerante periódico, até que se viabilize o provimento da unidade vaga.
Numa interpretação sistêmica dos normativos do Conselho Nacional de Justiça, dúvidas não há de que o espírito da norma foi eleger a Serventia mais próxima para a prestação dos serviços notariais e de registro naquela Unidade Extrajudicial que se encontra vaga temporariamente, prova disso é a jurisprudência do CNJ uníssona nesse sentido.
Nos autos do PCA 6218-54/2012, o conselheiro Guilherme Calmon, à época Corregedor Nacional de Justiça em Substituição, consignou não haver justificativa para manter a titularidade de delegação de tabeliã que ficava há 327 quilômetros de distância, ao passo que a outra distava 145 quilômetros.
Na mesma linha, em outro precedente questionando a designação do TJ/MA, desta vez pelo fato da designação ter como fundamento faturamento modesto, assim destacou a então conselheira Gisela Gondin:
"Questiono a pertinência da designação de titular de serventia longínqua, com faturamento modesto, aprovado dentre os últimos colocados em determinado concurso público, com a cumulação de interinidade de um cartório de registro de imóveis de cidade de médio ou grande porte, sabidamente lucrativo. Situações como esta que me causam certa resistência em conferir uma espécie de "carta branca" mesmo ao concursado, pois não me parecem medidas consentâneas com a moralidade." (PCA 2676-57.2014)
No precedente referenciado, a decisão do plenário foi pela designação da interina de comarca mais próxima, vejamos:
"Julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, e determino ao TJ/MA a revogação da interinidade conferida (...), e determino que, no uso de seu juízo discricionário, designe como interino da serventia do 1º Ofício de Chapadinha preposto do serviço notarial ou registral à época da vacância, recomendando que se priorize os oriundos de comarcas mais próximas. "
Veja que a preocupação do CNJ é com o cidadão! Os tribunais devem tomar em consideração a necessidade de prestar serviços à população local e não em garantir boa rentabilidade para o agente delegado que exercerá sua titularidade.
Para uma melhor rentabilidade, o delegatário deve se socorrer de aprovação em melhor classificação em concursos públicos, e as serventias deficitárias, para um melhor equilíbrio financeiro, devem ser amparadas pelo poder judiciário com a realização de concursos públicos, com a implementação de renda mínima e o ressarcimento dos atos gratuitos.
A interinidade não é um negócio, a designação de responsável interino para uma serventia declarada vaga deve ser realizada com foco na melhor prestação do serviço, atendendo ao melhor interesse público e ao princípio da eficiência da Administração Pública.
Considerando a existência de fundos financeiros criados nos Estados e vinculados aos Tribunais de Justiça, foi instituída uma complementação de renda dos registradores de pessoas naturais, garantindo uma renda mínima para viabilizar a manutenção do serviço à população. Nessa linha, vejamos:
EMENTA: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. OFÍCIO DE REGISTRO CIVIL DE PESSOAS NATURAIS. TERRITORIALIDADE. SUCURSAL. IMPOSSIBILIDADE. IMPROCEDÊNCIA.
1. Por força da regra da territorialidade, uma vez definidos os limites geográficos de competência de determinada serventia, não cabe ao Conselho Nacional de Justiça autorizar a instalação de sucursal ou da própria serventia em localidade diversa.
2. A criação de serventias extrajudiciais tem em consideração a necessidade de prestação de serviços notariais e registrais à população e não a garantia de boa rentabilidade para os titulares.
3. Pedido julgado improcedente. PP 0001388-74.2014.2.00.0000
Ainda sobre a jurisprudência do CNJ, válido registrar a decisão dada nos autos do PCA 0002676-57.2014.2.00.0000, de relatoria da então conselheira Gisela Gondin Ramos, no sentido de que a cumulação de titularidade com interinidade deva prestigiar a proximidade geográfica entre ambas as serventias, vejamos:
"PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. DESIGNAÇÃO DE INTERINO. CUMULAÇÃO DE INTERINIDADE COM TITULARIDADE DE SERVENTIA EM COMARCA DISTANTE. IMPOSSIBILIDADE FÁTICA. VACÂNCIA DE SERVENTIA E SUBSTITUIÇÃO. PARÂMETRO ESTABELECIDO NA DATA DE ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES DO TITULAR E NÃO DO INTERINO. NEPOTISMO. HIPÓTESES NÃO EXAUSTIVAS. ELEMENTOS QUE DEMONSTRAM POSSÍVEL FAVORECIMENTO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO".
1.Não há óbice para a cumulação de titularidade de serventia com o exercício precário na condição de interino, desde que haja compatibilidade no exercício de ambas as funções.
2. Os instrumentos normativos que disciplinam a atividade notarial não estabelecem qualquer exigência acerca de residência do titular ou interino na mesma Comarca. Todavia, o caso concreto deve orientar pertinência da designação considerando a distância entre ambas as serventias, à luz dos princípios que regem a administração pública.
3. A contemporaneidade para fins de verificação de exercício afeto a cartórios extrajudiciais deve levar em consideração a data de afastamento do titular, concursado ou oficializado nos termos do art. 32 do ADCT, e não de afastamento do interino.
4. Jurisprudência dominante pela incidência de vedações referentes ao nepotismo no caso de "interinidade pura". Já no que tange à cumulação de interinidade com titularidade de serventia, outorgada por meio de concurso público, a situação sob exame demonstrará se houve ou não favorecimento.
5. Procedimento de Controle Administrativo julgado parcialmente procedente. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002676- 57.2014.2.00.0000 - Rel. GISELA GONDIN RAMOS - 212ª Sessão - j. 04/08/15). "
Na mesma linha, e citando o precedente referenciado, a conselheira Daldice Santana no PCA 0002821-45.2016.2.00.0000, assim entendeu: "A conclusão que se extrai do julgado à luz do Provimento editado pela Corregedoria do TJ/MA é que, além do preenchimento dos requisitos estabelecidos, pode o Tribunal preferir a designação de titular de serventia mais próxima à serventia vaga em detrimento de titular de serventia mais distante".
Finalmente, vale consignar que ao contrário do estabelecido para a magistratura, no artigo 5º, inciso V, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, a Lei dos cartórios não estabelece qualquer tipo de obrigatoriedade acerca da residência na mesma Comarca.
Tanto é assim que o artigo 20 da lei 8935/94 reserva capítulo específico sobre os prepostos ;dos notários e oficiais de registros, o que evidencia que a ausência momentânea do titular da serventia não inviabiliza, de nenhuma maneira, a prestação do serviço público delegado.
Assim, é certo que alguns fatores de ordem material, como por exemplo, a distância entre as comarcas, que operam evidentes reflexos na possibilidade do responsável interino se fazer presente na serventia, não devem ser admitidos como regra.
Ante o exposto, em que pese não haver norma que discipline objetivamente acerca da obrigatoriedade de designação de responsável interino para serventia mais próxima, se considerado o melhor interesse público e o princípio da eficiência, bem como os normativos que orientam a matéria e a jurisprudência do CNJ, os tribunais devem primar pelos interesses da população local e não por garantir boa rentabilidade para o registrador ou notário a ser designado para a serventia declarada vaga, devendo realizar as designações respeitando a menor distância entre as serventias.
Samara Léda
Advogada com atuação perante o CNJ.
Fonte: Migalhas