A assembleia geral de credores, habitualmente conhecida como AGC, prevista na Lei 11.101/2005, é um ato extrajudicial convocado pelo juízo competente para o processamento da recuperação judicial, presidida pelo administrador judicial e tem por objetivo primordial a expressão de vontade dos credores no procedimento recuperacional.
Assim, a assembleia é extremamente importante para o processo de recuperação judicial, pois além de deter a competência para deliberar sobre diversas matérias inerentes ao processamento da recuperação judicial, o conclave é responsável pela aprovação, modificação ou rejeição do plano de recuperação judicial.
A recuperação judicial e principalmente a assembleia geral de credores, tem por finalidade a criação de um ambiente favorável à negociação equilibrada entre a empresa devedora e seus credores, a fim de encontrar uma solução de mercado justa que possa ser aceita pela maioria dos envolvidos, um verdadeiro ponto de equilíbrio para que os credores recebam o que lhes é devido e a empresa obtenha a superação da crise econômico-financeira.
Segundo a lei, para que a assembleia seja instalada em primeira convocação, deverão comparecer os credores que representem mais da metade do valor total dos créditos de cada classe e, caso não seja instalada, em segunda convocação restará instalada independentemente da quantidade de credores/créditos presentes.
Contudo, caso os credores e a empresa ainda estejam em negociação das cláusulas e condições do plano de recuperação judicial, pode acontecer que mesmo após a instalação da Assembleia ainda não seja possível a deliberação acerca da aprovação, modificação ou rejeição do plano de recuperação judicial, de forma que a AGC poderá ser suspensa para continuação dos trabalhos em data futura, devendo a suspensão ser colocada em votação e aprovada pela maioria simples dos credores que representem a maioria dos créditos presentes.
Sempre foi muito comum a ocorrência de suspensões da AGC até que o plano de recuperação judicial estivesse devidamente negociado com os credores e pudesse ser colocado em votação, pois durante esse período se intensificam as negociações e a grande maioria dos credores, notadamente as instituições financeiras, dependem de comitês internos para analisar as condições de pagamento do plano de recuperação judicial.
Durante esse período também ocorrem medidas que fogem da alçada da empresa devedora, como vendas e cessões de créditos, que alteram as tratativas relacionadas as condições do plano de recuperação judicial, tendo em vista que cada credor possui interesses diversos e anseios distintos e a cessão de créditos modifica os termos da negociação desenvolvida até aquele momento.
Como a assembleia é a manifestação de vontade dos próprios credores, nunca houve qualquer óbice para que houvesse suspensão da AGC, desde que aprovada por estes, até a edição da Lei 14.112/2020 que reformou a Lei de Recuperação de Empresas (Lei 11.101/2005) e acrescentou o parágrafo 9º ao artigo 56, no qual o legislador impôs que a AGC deveria ser encerrada dentro do prazo de 90 (noventa) dias após sua instalação.
Ao impor o limite para encerramento da AGC, o legislador demonstrou intenção em dar celeridade ao procedimento, evitando sucessivas e injustificadas suspensões da AGC, que poderiam levar à procrastinação do feito recuperacional sem a deliberação acerca do plano.
No entanto, o alongamento do feito recuperacional e a impossibilidade de deliberação a respeito do plano de recuperação judicial não podem ser imputadas à empresa em recuperação judicial. Como já dito, o ambiente assemblear é o responsável por intensificar negociações, vendas e cessões de créditos, de forma que as suspensões da Assembleia passam pelo crivo dos credores que podem, ou não, aprovar a suspensão.
Por estes motivos, considerando as justificativas robustas apresentadas pelas empresas em recuperação judicial, bem como a autonomia da Assembleia Geral de Credores, muitos juízos competentes pelo processamento de recuperações judiciais em todo o país já têm admitido a possibilidade de mitigação excepcional do §9º, artigo 56 da Lei 11.101/2005, autorizando o Administrador Judicial colocar em votação a suspensão do conclave por período superior à 90 (noventa) dias.
À título exemplificativo, recentemente nos casos do Grupo Talismã [1] e Cerealista Rosalito [2], os Juízos entenderam pela flexibilização excepcional do prazo de 90 dias, em prol do sucesso do procedimento de recuperação judicial.
No caso do Talismã, a juíza reconheceu a importância da flexibilização do prazo, destacando:
"Em homenagem e apreço as bases fundamentais da Recuperação Judicial que são firmadas, nos princípios: da relevância dos interesses dos credores, a igualdade entre estes e a preservação da empresa, conforme o disposto no artigo 47 da Lei 11.1012005, entendo que há a possibilidade de flexibilização do prazo para encerramento dos trabalhos assembleares, desde que haja anuência dos credores".
Desta feita, a flexibilização do prazo para encerramento da assembleia é de suma importância para aprovação do plano de recuperação judicial de várias empresas que se encontram nesta situação e, consequentemente, para o êxito de todo o processo de recuperação judicial.
________
[1] Autos nº 5018556-53.2018.8.09.0051 em trâmite perante a 12ª Vara Cível da Comarca de Goiânia/GO
[2] Autos nº 1000101-23.2021.8.26.0539 em trâmite perante a 3ª Vara Cível da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo/SP
Autores:
Daniel Machado Amaral é advogado na DASA Advogados.
Isabella da Costa Nunes é advogada do escritório DASA Advogados.
Fonte: Conjur