A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu que um seguro de vida não pode ser instituído por pessoa casada, que não é separada judicialmente nem de fato, em benefício de parceiro em relação simultânea ao casamento. O entendimento é de que há vedação legal expressa nos artigos 550 e 793 do Código Civil de 2002.
Por maioria, o colegiado deu parcial provimento a recurso especial para reformar decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ, que determinou o pagamento do valor do seguro de vida à beneficiária indicada pelo segurado falecido. Eles tiveram relacionamento público e contínuo, desde os anos 1970, em paralelo ao casamento dele com outra mulher.
Ciente de que a companheira ficaria fora de sua herança, o homem instituiu seguro de vida em que a apontou como beneficiária (75%), ao lado do filho que teve com ela (25%), o qual foi indicado como segundo beneficiário, para receber o total da indenização caso a mãe não pudesse receber sua parte.
No recurso especial apresentado ao STJ, a viúva alegou que seria ilegal a designação da outra mulher como beneficiária do seguro. Pediu então a reforma do acórdão do TJRJ para receber o saldo de 75% de valores depositados pelo falecido.
Indenização deve ser paga ao filho, segundo ministros
De acordo com a relatora do caso, ministra Isabel Gallotti, a jurisprudência fixada pelo STJ, com base no Código Civil de 1916 e depois positivada pelo artigo 793 do Código Civil de 2002, veda que a “concubina” seja beneficiária de seguro de vida instituído por homem casado e não separado de fato.
O mesmo entendimento foi apresentado pelo Supremo Tribunal Federal – STF no Recurso Extraordinário – RE 1.045.273, sobre a impossibilidade de reconhecimento de novo vínculo conjugal quando preexistente casamento ou união estável de um dos conviventes. Para Gallotti, a orientação considera que os ideais monogâmicos e a fidelidade recíproca dos cônjuges subsistem na ordem constitucional.
Como a designação da mulher na apólice foi inválida, a indenização deve ser paga respeitando a indicação feita pelo falecido para a hipótese de a primeira beneficiária não poder recebê-la – ou seja, ao filho que ambos tiveram, conforme a indicação do segurado. O entendimento segue a regra do artigo 792 do Código Civil.
Objetivo é a blindagem patrimonial, comenta especialista
A advogada Luciana Brasileiro, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, comenta a decisão do STJ. Autora do livro “Famílias Simultâneas e o seu Regime Jurídico”, ela avalia que o entendimento anda na mesma linha do que já definiu o STF, no sentido de restringir direitos aos companheiros que vivem em uniões simultâneas.
“Quando o STF impediu o reconhecimento de efeitos jurídicos às uniões simultâneas, mantendo uma posição mais conservadora, de primazia da monogamia, em detrimento das responsabilidades, terminou por estimular os julgamentos como este. O objetivo é de blindagem patrimonial”, comenta Luciana.
Doutrina e advocacia têm protagonismo nas demandas desafiadoras
A especialista acredita que ainda demora a haver uma mudança na jurisprudência a respeito do tema, especialmente após o julgamento do STF dos Temas 526 e 529 de Repercussão Geral. “Em tempos de retrocesso, o Supremo terminou, de alguma forma, sedimentando um entendimento que vinha sendo firmado pelo STJ, de negar, veementemente, a atribuição de efeitos jurídicos às relações simultâneas”, lamenta.
“Tenho a esperança de uma mudança de cenário, mas acredito que neste momento estamos distantes. A missão da doutrina e da advocacia, no protagonismo de demandas desafiadoras, é enorme”, conclui a especialista.
Recurso Especial – REsp 1.391.954
Fonte: IDBFAM