A questão envolvendo as áreas de preservação permanente (APPs) em áreas urbanas ganhou um novo desfecho no final do ano de 2021. Após o Superior Tribunal de Justiça ter definido, em julgamento de recurso especial com efeito repetitivo e de alcance geral (Tema 1.010), que nas áreas urbanas valiam as regras do Novo Código Florestal para fixação das áreas de APP, o Congresso Nacional reagiu e aprovou projeto de lei que tramitava na casa sobre o tema, adotando posição diferente daquela definida pelo STJ.
A lei publicada promoveu alterações na Lei Federal 12651/2012 (Código Florestal) e na Lei Federal 6766/1979 (Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano).
Segundo a nova lei federal, em áreas consolidadas urbanas, o município poderá editar leis locais para fixar as APPs em faixas marginas distintas das metragens impostas pelo novo Código Florestal de 2012, desde que: a) sejam ouvidos os conselhos estaduais e municipais; b) não se permita a ocupação de áreas com risco de desastres; c) sejam observadas as diretrizes do plano de recursos hídricos, do plano de bacia, do plano de drenagem ou de plano de saneamento básico; e d) só poderão ser instalados nessas áreas de APP edificações de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental conforme definição do Código Florestal.
Está modificado, portanto, o ordenamento jurídico brasileiro acerca desse assunto no que diz respeito à fixação de APPs na zona urbana, transferindo-se aos municípios o poder de legislar e de fixar parâmetros diferentes daqueles previstos na Lei Federal 12651/2012.
A medida, portanto, não é automática, pois depende da edição de novas leis municipais. Na ausência de lei municipal, ao nosso ver, prevalece o disposto no artigo 4º do Novo Código Florestal para fixação de APPs em áreas urbanas com as metragens ali definidas. Outro ponto que merece atenção é que os municípios poderão exercer sua competência legislativa até mesmo de forma mais gravosa que a legislação federal, fixando APPs em tamanho maior que as medidas fixadas no Código Florestal brasileiro, vigente desde 2012, eis que a nova lei deixou essa possibilidade totalmente em aberto.
E, ainda assim, a lei municipal deverá observar todos os requisitos estabelecidos no parágrafo 10º do artigo 4º da Lei Federal 12651/2012, o qual foi inserido nela pela nova Lei 14285/2021.
A nova lei ainda alterou o conceito de área urbana consolidada, inserindo o inciso XXVI ao artigo 3º da Lei Federal nº 12651/2021. Nos termos do novo conceito, as áreas urbanas consolidadas são aquelas que estão na zona urbana definida nas leis municipais, dispõem de sistema viários já implantados, estão organizadas em lotes e quadras predominantemente edificados com habitações residenciais, comerciais, industriais, mistas ou de prestação de serviços. Essas áreas consolidadas ainda devem dispor de, ao menos, dois tipos de infraestrutura urbana implantada, quais sejam: drenagem de águas pluviais, esgotos, abastecimento de água potável, distribuição de energia e iluminação pública ou limpeza urbana com coleta e manejo de resíduos.
Ainda na Lei 6766/1979, foram promovidas alterações no sentido de dispor que as faixas de domínio ao longo das ferrovias, para áreas não edificáveis, será de 15 metros de cada lado. Também foi criada uma faixa não edificável em APPs urbanas que será fixada por leis municipais e que será definida em diagnóstico socioambiental elaborado pelo município.
Foi vetada a redação dos parágrafos 6º e 7º, que se pretendia acrescer ao artigo 4º da Lei Federal 6766/1979. Esses dispositivos buscavam regularizar completamente as edificações realizadas em áreas urbanas consolidadas até 28 de abril de 2021 e traziam critérios para compensação das áreas ocupadas em APPs em outras áreas do mesmo município.
Esses vetos reforçam a tese de que antes da edição da nova lei federal e de futuras legislações municipais sobre o tema, prevalece o disposto no novo Código Florestal de 2012. As razões de veto indicam exatamente esse argumento para rejeição dos dispositivos aprovados no Congresso Nacional.
A expectativa, agora, é verificar se o Congresso rejeita o veto ou o mantém.
Em suma, a esperança de termos uma legislação federal que pacificasse o assunto, após a decisão do STJ proferida em 2021, não se concretizou. O modelo adotado apenas serviu para reforçar a competência dos mais de cinco mil municípios brasileiros que poderão, a partir de agora, definir as suas regras em cada território, muitas vezes tratando de forma diversa o mesmo recurso hídrico que passa por mais de uma cidade diferente.
Torna mais complexa a proteção ambiental dos recursos hídricos nacionais e traz mais incerteza e insegurança jurídica para os setores de construção civil, infraestrutura urbana, saneamento etc.
Certamente, novos conflitos judiciais vão nascer da nova lei e novos desafios para os processos de licenciamento urbanísticos e ambientais estão no horizonte após a aprovação da lei federal.
Evandro A. S. Grili é advogado, sócio e diretor executivo de Brasil Salomão e Matthes Advocacia e diretor da Área Ambiental e Urbanística do escritório.
Fonte: Conjur