Enquanto a certidão de nascimento é recebida com felicidade, o atestado de óbito é o último e mais temido dos documentos. Entre as denúncias que envolvem a Prevent Senior, a empresa também é acusada de fraudar a declaração -um dossiê elaborado por médicos da própria operadora aponta dois casos em particular: o da mãe do empresário Luciano Hang e do médico Anthony Wong.
O documento que está no centro de investigações é, basicamente, a prova assinada por um médico de que, em uma determinada hora e cidade, aquela pessoa morreu. É como resume João Roberto Oba, médico legista e presidente da Amlesp (Associação de Médicos Legistas de São Paulo). Além de declarar o fim da vida de um indivíduo, o atestado também indica o que causou a morte.
Roberto Oba afirma que o documento possui três finalidades: jurídica, sanitária e epidemiológica –a última, segundo ele, é mais importante. “É a partir do correto preenchimento da declaração de óbito que é possível rastrear a causa da morte de uma determinada população”, diz.
O documento pode ser chamado tanto de declaração como atestado de óbito, de acordo com o manual “Declaração de Óbito: Documento Necessário e Importante”, disponível no site do Ministério da Saúde. Já a certidão de óbito se refere ao documento jurídico fornecido pelo Cartório de Registro Civil após o registro do óbito.
A única pessoa autorizada a assinar um atestado é o médico, que precisa detalhar se o óbito aconteceu, por exemplo, de uma forma violenta; se aconteceu em um hospital ou em casa; se foi de gestante ou, ainda, de perinatal. “Isso é muito importante para dados estatísticos”, detalha o médico.
O diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, admitiu em depoimento à CPI que a operadora de saúde adotou um procedimento para alterar o código de diagnóstico dos pacientes com Covid-19, fazendo com que a doença deixasse de ser mencionada após determinados dias de internação.
A justificativa dele foi de que após 14 dias do início, pacientes de enfermaria, ou 21 dias, em pacientes em UTI, o CID [Classificação Internacional de Doenças] deveria ser modificado para qualquer outro, exceto B34.2 [infecção por coronavírus]. De acordo com o executivo, o objetivo era de que, assim, o hospital conseguiria identificar pacientes sem necessidade de isolamento.
João Roberto Oba avalia que a ação da Prevent Senior está equivocada e explica que, na verdade, no atestado de óbito deve ser detalhado o que iniciou a cadeia de eventos. Ele explica, por exemplo, como deveria ser o procedimento do caso de uma pessoa que sofreu um acidente de moto, teve um traumatismo craniano, ficou internada durante seis meses e, depois deste tempo, morreu.
“A causa básica, neste caso, seria o acidente motociclístico. Se a pessoa não tivesse sofrido o acidente, nada disso teria acontecido. Isso é o que deve constar no atestado de óbito, é o que interessa para a saúde pública para entender a causa da morte desta pessoa”, explica ele.
Ele diz ainda que a única pessoa que pode assinar o atestado é o médico, mas há um procedimento para cada caso. Por exemplo, caso a morte tenha ocorrido de forma natural e o corpo seja sepultado, é necessária apenas a assinatura de um médico. Neste mesmo cenário, se a família optar pela cremação, é necessária a assinatura de dois médicos.
Agora, se a morte tiver sido de forma violenta –a pessoa levou um tiro, por exemplo—, o corpo é enviado ao IML (Instituto Médico Legal) e a assinatura de um médico legista já basta para o sepultamento. Porém, se for escolhida a cremação, é necessária a assinatura de um médico e um juiz –já que, neste caso, o método pode interferir em investigações sobre a causa da morte.
Advogados lembram ainda que fraudes no documento não são novidades na história do país. Durante o período da ditadura militar, por exemplo, há casos em que o atestado de óbito apontava suicídio, quando na realidade a pessoa tinha sido assassinada.
Outros casos mais recentes se referem a quadrilhas que tentavam, por meio da falsificação, garantir o pagamento do seguro ou até mesmo a permissão na continuidade do pagamento de benefício previdenciário.
Advogada da Comissão de Direito Médico e de Saúde da OAB de São Paulo, Juliana Hasse afirma que existe um modelo que o documento deve seguir e que cabe ao Ministério da Saúde o controle do tema.
“Infelizmente, ainda assim é um documento fácil de ser fraudado porque depende só da palavra do médico assistente quando se trata de uma morte natural”, diz.
De acordo com o advogado Elton Fernandes, o médico pode responder por ações administrativas por parte do Conselho Regional de Medicina, além de processos cíveis de indenização por danos morais. No caso, famílias dos mortos podem, por exemplo, ter sido expostos a riscos por não constar a Covid na certidão de óbito permitindo a realização de velórios por mais tempo. Outra possibilidade é a de processo por danos materiais, caso a família tenha perdido o direito a algum seguro.
Fonte: Mix Vale