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29/12/2021

Cartórios, virtualização e questões imobiliárias: MP 1.085/2021 – Parte I

Carlos Eduardo Elias de Oliveira

 

Introdução

Em 28 de dezembro de 2021, nasceu a Medida Provisória (MP): a MP 1.085/2021. Ela promove significativas alterações nos serviços notariais e de registro e em questões imobiliárias.

Na Coluna Migalhas Notariais e Registrais de hoje, temos a primeira parte deste artigo. A sua continuação dar-se-á na próxima semana.

Buscaremos esmiuçar o novo diploma e expor reflexões sobre seu mérito.

 

Panorama da MP

A MP objetiva estabelecer regras que aprimoram o sistema de registro eletrônico prestados pelos “cartórios extrajudiciais” e a legislação relativa a negócios imobiliários (art. 1º).

Para tanto, cria o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP) e promove alterações em diversas leis que tratam de negócios imobiliários, como a Lei de Registros Públicos (lei 6.015, de 1973), a Lei de Incorporação Imobiliária (lei 4.591, de 1964), a Lei de Loteamentos (lei 6.766, de 1979), a Lei de Notários e Registradores (lei 8.935, de 1994), o Código Civil, a Lei do Programa “Minha Casa, Minha Vida” (lei 11.977, de 2009), a Lei do Reurb (lei 13.465, de 2017), a Lei de Incentivos à Indústria da Construção Civil (lei 4.864, de 1965)

É constituída de 21 artigos, organizados nos seguintes capítulos sem numeração:

a) Objeto (art. 1º);

b) Âmbito de aplicação (art. 2º);

c) Objetivos do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – SERP (art. 3º);

d) Responsabilidade pelo SERP (art. 4º);

e) Fundo para a Implementação e Custeio do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (art. 5º);

f) Extratos eletrônicos por meio do SERP (art. 6º);

g) Normas complementares (arts. 7º e 8º);

h) Acesso a bases de dados de identificação (art. 9º);

i) Alteração da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964 (art. 10);

j) Alteração da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (art. 11);

k) Alteração da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (art. 12);

l) Alteração da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994 (art. 13);

m) Alteração da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (art. 14);

n) Alteração da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009 (art. 15);

o) Alteração da Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015 (art. 16);

p) Alteração da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017 (art. 17);

r) Disposições transitórias (arts. 18 e 19);

s)Revogações (art. 20);

t) Vigência (art. 21).

 

Do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – SERP

Contextualização, regulamentação e operacionalização

O núcleo da MP é a criação do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP), o qual decorre do dever de virtualização dos registros públicos existente desde o ano de 2009, por força do art. 37 da Lei do Programa “Minha Casa, Minha Vida” (lei 11.977/2009).

Esse dever já vinha sendo cumprido, paulatinamente, na prática pelas diferentes especialidades por meio de centrais mantidas, na prática, pelas respectivas entidades representativas.

No âmbito do Registro de Imóveis, o protagonismo é do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis – SREI, o qual foi disciplinado pelo art. 76 da Lei do Reurb (lei 13.465/2017) e pelo Provimento nº 89/2019-CN/CNJ. O SREI é coordenado pelo respectivo Operador Nacional – ONR, conforme art. 76 da Lei do Reurb. Além disso, em cada Estado, as respectivas entidades representativas mantêm centrais locais.

No orbe do Registro de Títulos e Documentos (RTD) e do Registro Civil das Pessoas Jurídicas (RCPJ), a tarefa é da Central Nacional de RTD e RCPJ, com forte no Provimento nº 48/2016-CN/CNJ. No caso do RTD, a central também tem fundamento no § 2º do art. 3º da Lei de Duplicata Eletrônica (lei 13.775/2018). A central é mantida pelo Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil – IRTDPJBRASIL.

No seio do Registro Civil das Pessoas Naturais, o labor é desempenhado pela Central de Informações do Registro Civil – CRC, conforme Provimento nº 46/2015- CNJ/CNJ. A central é mantida pela Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil – Arpen/BR.

Na esfera dos Tabelionatos de Protesto, a incumbência recaía sobre a Central Nacional de Serviços Eletrônicos Compartilhados dos Tabeliães de Protesto de Títulos – CENPROT, tudo nos termos do art. 41-A da Lei de Protesto (lei 9.492/1997) e do Provimento nº 87/2019- CN/CNJ. A central é mantida pelo Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil – IEPTB.

Entre os Tabelionatos de Notas, o encargo é da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados – CENSEC, com fulcro no Provimento nº 56, de 14 de julho de 2017, da CN/CNJ. A central é mantida pelo Colégio Notarial do Brasil.

Outras normas também já arrimavam a virtualização dos serviços notariais e registrais, caso do art. 1º, §§ 3º e 4º, da Lei de Registros Públicos (lei 6.015, de 1973).

Com a MP, pelo que se extrai de uma leitura inicial, a ideia é que a SERP coordene as centrais de cada especialidade, de modo a disponibilizar um canal central de prestação de serviços aos usuários (art. 7º, V e VI).

A tarefa para regulamentá-lo será do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), especialmente por meio da Corregedoria Nacional de Justiça (CN/CNJ). A CN/CNJ manifesta-se por provimentos da lavra do Corregedor Nacional de Justiça (art. 3º, § 3º, I; e art. 7º).

O funcionamento do SERP será promovido pelo operador nacional, que será uma associação ou uma fundação na forma do disciplinado pelo CNJ (art. 3º, § 4º).

 

Objetivos

O SERP objetiva viabilizar e operacionalizar a virtualização dos serviços prestados pelas diversas especialidades extrajudiciais de registros públicos, nomeadamente o Registro de Imóveis, o Registro de Títulos e Documentos, o Registro Civil das Pessoas Jurídicas e o Registro Civil das Pessoas Naturais (art. 2º e art. 3º, § 1º).

A meta é, de um lado, garantir o funcionamento eletrônico dos serviços e, de outro lado, assegurar aos usuários rápido e fácil acesso aos serviços remotamente prestados pelos cartórios. É que se extrai do art. 3º da MPV, que lista os objetivos do SERP.

Sob a ótica do funcionamento eletrônico dos serviços, o SERP pretende garantir a interconexão operacional, de dados e de documentos tanto entre as próprias serventias quanto entre elas e o Poder Público (art. 3º, incisos I, II, III, VII, X e XI; art. 3º, § 2º; e art. 3º, § 3º, II). Isso pressuporá o armazenamento eletrônico de documentos (art. 3º, incisos VIII).

Exemplificando, por meio do SERP, usuários e agentes públicos conseguiriam obter matrículas de imóveis eletronicamente, pleitear registros remotamente, consultar a existência de ônus em bens, sondar a existência de atos envolvendo pessoas por meio de pesquisas em indicadores pessoais etc. Neste último exemplo, exige-se que a consulta de atos relativos a pessoa envolva necessariamente casos de protestos, de garantias reais, de arrendamento mercantil financeiro, de cessão de crédito e de constrições processuais ou administrativas (art. 3º, X; e art. 4º, I).

Outras várias funcionalidades podem decorrer daí. Basta haver determinação da CN/CNJ (art. 3º, XI; e art. 7º, X).

Ainda sob essa perspectiva, caberá ao SERP viabiliza divulgação de índices e indicadores estatísticos (art. 3º, IX; art. 4º, II; e art. 7º, VII).

Sob o prisma do usuário, o SERP pretende assegurar o direito dos usuários a postular serviços em uma plataforma eletrônica centralizada e a receber documentos, certidões e outros documentos por meio eletrônico (art. 3º, I, IV e VI). A distribuição das demandas entre as serventias brasileiras ocorreria em momento posterior (art. 3º, V). Em poucas palavras, a ideia é que o usuário possa, por exemplo, visualizar matrículas de imóveis em um site mantido pelos cartórios, apresentar escrituras de venda de imóveis nesse site etc.

 

Extratos eletrônicos de títulos para atos de registro ou de averbação

A MP admite que, por meio do SERP, o usuário apresente extratos eletrônicos de títulos para a prática de atos de registro e de averbação, assegurado a ele o direito a receber o “comprovante do registro”, ou seja, as informações relativas à certificação do registro em formato eletrônico (art. 6º, caput e § 1º). A CN/CNJ disciplinará a forma e as hipóteses de cabimento (art. 7º, VIII e IX; e art. 8º).

Por exemplo, no lugar de prenotar uma escritura pública de compra e venda para registro na matrícula do imóvel, o usuário poderá informar apenas os dados essenciais dessa escritura (ou seja, o extrato) no site disponibilizado pela SERP.

 

Flexibilização do princípio da especialidade subjetiva e objetiva no âmbito da SERP

No caso de prenotação de títulos por meio de extratos eletrônicos para registro ou averbação, é dispensada a atualização prévia da matrícula, desde que haja correspondência entre o título e a matrícula quanto à descrição do imóvel e dos sujeitos envolvidos. Essa dispensa, porém, não será devida nestas hipóteses: (1) dados essenciais à prática do ato inscritível; (2) criação de novas unidades imobiliárias sem observância do princípio da especialidade (art. 6º, § 2º).

Trata-se de flexibilização ao princípio da especialidade objetiva e subjetiva, segundo o qual as informações relativas ao objeto e aos sujeitos devem, no registro público, corresponder à realidade e ao título inscritível.

Ao que parece, o motivo da regra de flexibilização é impedir que o oficial oponha-se à prática de atos de registro ou de averbação diante da eventual escassez informacional do extrato eletrônico prenotado no SERP.

 

Dispensa de apresentação de escritura de pacto antenupcial no registro de imóveis

No caso de extratos eletrônicos apresentados para registro ou averbação no Cartório de Registro de Imóveis, é dispensada a exigência da apresentação da escritura de pacto antenupcial, desde que o extrato informe seus dados de localização e o regime de bens adotado (com inclusão de cláusulas especiais) (art. 6º, § 3º).

Trata-se de regra essencial para viabilizar o emprego dos extratos eletrônicos dos títulos perante o SERP.

 

Acesso Extratos eletrônicos de títulos para atos de registro ou de averbação

O art. 9º da MPV admite que, mediante convênio, os tabeliães e os registradores acessem as bases de dados de identificação das pessoas mantidas pelas entidades públicas, observada as regras da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018) e da Lei de Identificação Civil Nacional (lei 13.444, de 11 de maio de 2017).

Por meio desse acesso, os tabeliães e os registradores poderão, com maior facilidade, conferir a identidade dos usuários dos serviços eletrônicos.

 

Fonte: Migalhas


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