O mundo digital cada vez mais está inserido no setor imobiliário provocado pelo uso de novas tecnologias que vão desde a utilização de criptoativos, que são ativos virtuais presentes exclusivamente em registros digitais, como tokens não fungíveis, os denominados NFTs.
Algumas incorporadoras passaram a aceitar criptomoeadas, exemplo mais comum de criptoativo, como pagamento de seus empreendimentos.
Primeiramente, é importante compreendermos que tokens podem ser tanto criptomoedas, a exemplo da bitcoin, como NFTs, que são registros de algo que é único em blockchain.
Portanto, NFT é uma espécie de certificado digital que tem por objetivo atestar a autenticidade de um arquivo. Em outras palavras, trata-se de um código de computador utilizado para assegurar que um determinado arquivo é único. E, nessa toada, em 1º de novembro de 2021, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul regulamentou a permuta de imóveis através do Provimento nº 038/2021 – CGJ1, possibilitando a lavratura de escrituras públicas de permuta de bens imóveis em contrapartida de tokens e criptoativos e o consequente registro imobiliário, pelos Serviços Notariais e de Registro do Estado do Rio Grande do Sul, dessas operações.
De acordo com o Provimento2, somente poderão ser lavradas escrituras públicas de permuta de bens imóveis por criptoativos mediante a satisfação de quatro critérios cumulativos, a saber:
Ainda, há necessidade de se comunicar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sempre que uma permuta for registrada nos termos do Provimento, para fins de observância ao Provimento nº 88/2019 do Conselho Nacional de Justiça4.
Este Provimento5 é uma resposta à consulta realizada este ano pela Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio Grande do Sul (ANOREG-RS) e do Fórum de Presidentes das entidades extrajudiciais gaúchas.
Na prática, através dos NFTs cria-se um código em blockchain com dados do imóvel, direitos e deveres de quem compra e vende ou faz permuta, formando-se assim os contratos inteligentes e possibilitando a lavratura de escrituras públicas de permuta de imóveis por token, desde que observados os requisitos acima referidos.
A desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak6 destacou no documento, que os criptoativos não representam direitos sobre o imóvel da permuta e que o valor declarado dos tokens necessitam ter equivalência em relação à avaliação do imóvel permutado, refugando a doação disfarçada.
Desta feita, a transação através de NFTs traduz a compra de um direito sobre o imóvel, tal como o direito de receber aluguel sobre o bem, mas não a compra do imóvel em si.
E é por esta razão que se faz de extrema relevância que o registro da transação em blockchain traduza exatamente a relação que se deu na prática, para que não haja dúvidas quanto ao conteúdo do registro sob pena de não poder ser registrada em cartório.
A primeira compradora no Brasil que adquiriu um direito digital de receber o aluguel em percentual de 20% (vinte por cento) sobre um imóvel foi uma gaúcha de 82 anos, Lenita Ruschel, inaugurando assim, uma nova fase de transações no meio imobiliário7.
Autores:
Martha Leal é advogada especialista em Privacidade e Proteção de Dados, Data Protection Expert pela Universidade de Maastricht, Fellow do Instituto Nacional de Proteção de Dados (INPD) e sócia da JP Leal Advogados
João Paulo Leal é advogado, especialista em Direito Imobiliário, Professor da Faculdade de Direito da UFRGS e Conselheiro do ConJur/CBCI
Notas:
Referências:
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 88/2019. Ministro Humberto Martins, Corregedor Nacional de Justiça. 03 fev. 2020. Disponível em: https://www.anoreg.org.br/site/2019/10/01/provimento-no-88-2018-dispoe-sobre-procedimentos-extrajudiciais-no-combate-a-lavagem-de-dinheiro/. Acesso em: 05 dez. 2021.
LAMAS, João Pedro. Idosa de 82 anos usa NFT para comprar 20% de apartamento no RS; entenda como funciona o sistema. G1, 23 out. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/10/23/professora-de-82-anos-de-porto-alegre-compra-primeiro-apartamento-digitalizado-do-brasil.ghtml. Acesso em: 05 dez. 2021.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Provimento nº 038/2021 – CGJ. Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Corregedora Geral da Justiça, em 01/11/2021.
Fonte: O Estado de S.Paulo