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02/12/2021

TJMG - Jurisprudência - Ação de Usucapião

 

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO - BEM PERTENCENTE AO ESPÓLIO - AUSÊNCIA DE INVENTÁRIO - PRETENSÃO DE REGULARIZAÇÃO DO IMÓVEL - IMPOSSIBILIDADE

 

- A usucapião é modo originário de aquisição de propriedade e de outros direitos reais que acarreta a extinção do direito para o anterior titular.

- Já pelo princípio da saisine, o sucessor causa mortis passa a possuir vínculo material que se opera de pleno direito.

- Inviável a pretensão dos requerentes de se valerem de usucapião, na tentativa de regularizar quinhões hereditários, ou, ainda, de extinguir o condomínio entre os demais herdeiros.

Apelação Cível nº 1.0470.17.006400-5/002 - Comarca de Paracatu - Apelantes: Glaciene Pereira dos Santos e outros, Agnaldo Pereira Machado - Apelados: Auto Prado Empreendimentos Imobiliários Ltda., Espólio de Maria Glaci Pereira dos Santos - Litisconsorte(s): Luciele Pires Evangelista Cruzeiro, Tatiane Pires Evangelista, Jeferson Pires Evangelista. - Relator: Des. José Américo Martins da Costa

ACÓRDÃO

Vistos, etc., acorda, em Turma, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar a preliminar e negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 21 de outubro de 2021. - José Américo Martins da Costa- Relator.

VOTO

Glaciene Pereira dos Santos e Agnaldo Pereira Machado apelam da sentença (ordem 18) que, nos autos da ação de usucapião, proposta em desfavor de Auto Prado Empreendimentos Imobiliários Ltda. e outros, julgou improcedente o pedido inicial, nos seguintes termos:

``No caso, resta evidenciado que a ação deve ser ajuizada pelo Espólio de Maria Glaci e, após regularização do imóvel pela usucapião, fosse promovido o seu inventário, caso em que a irmã da primeira autora poderia fazer valer sua renúncia aos direitos hereditários a que faz jus por lei.

Ante o exposto, com fulcro no art. 487, inciso 1, do Código de Processo Civil, julgo improcedente o pedido inicial.

Custas pelos autores, ficando a exigibilidade suspensa por serem beneficiários da gratuidade judiciária.

Sem honorários advocatícios de sucumbência, haja vista a inexistência de pretensão resistida. PR.l.''

Aduz a parte apelante, em resumo, que a sentença padece de vício de fundamentação, pois o pedido inicial foi julgado improcedente, sem observar os fatos constantes nos autos.

No mérito, argumenta que sua irmã renunciou aos direitos sobre o imóvel.

Pondera que ``[...] a irmã da apelante não tem interesse na propriedade do imóvel e que, embora a Sra. Adenilza resida no imóvel usucapiendo, não tem a intenção de obter para si a propriedade dele, conforme termo de renúncia ora mencionado, vale ressaltar também que a recorrente exerceu a posse do imóvel juntamente com sua irmã, sendo assim, a apelante também possui o tempo de posse mencionado na exordial, portanto, pode a recorrente somar seu tempo de posse qual seja, com a posse dos antecessores'', f. 6 da ordem 21.

Salienta ter comprovado os requisitos necessários para a procedência da ação de usucapião.

Pede o conhecimento e provimento do recurso.

Recurso dispensado do recolhimento do preparo, em razão da concessão da gratuidade da justiça.

Sem contrarrazões.

É o relatório no necessário. Passa-se à decisão.

Juízo de admissibilidade

Analisa-se a admissibilidade do recurso, com base na Lei Processual Civil de 2015, pois a sentença foi proferida sob a égide do CPC/2015, com respaldo no enunciado 54 do Fórum de Debates e Enunciados sobre o CPC/15 deste e. TJMG:

``A legislação processual que rege os recursos é aquela da data da publicação da decisão judicial, assim considerada sua publicação em cartório, secretaria ou inserção nos autos eletrônicos.''

O Colendo Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacífico sobre o tema:

``Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Código de processo civil de 1973. Aplicabilidade. Trânsito em julgado parcial. Inexistência. Execução provisória do julgado. Multa. Art. 475-J do código de processo civil. Inaplicabilidade - Consoante ao decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 9/3/2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. [...]'' (AgRg no REsp 1258054/MG, Rel.ª Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, j. em 23/6/2016, DJe de 30/6/2016).

Fixada esta premissa e considerando que se fazem presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso.

Preliminar.

Da nulidade por ausência de fundamentação.

Conforme relatado, os apelantes arguiram a existência de nulidade por ausência de fundamentação, sustentando ter cumprido os requisitos necessários para a procedência da ação.

Sem razão os apelantes.

O Estado Democrático de Direito tem como um de seus fundamentos a exigibilidade da fundamentação das decisões judiciais, que está disciplinada no art. 93, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, segundo o qual ``todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...]''

Em verdade, a fundamentação é condição indispensável para legitimação da decisão judicial, no contexto do Estado Democrático de Direito, pois exige que o Magistrado considere as normas integrantes do ordenamento jurídico - reserva legal - e, necessariamente, enfrente os argumentos deduzidos no processo, capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada - contraditório (BRÊTAS, Ronaldo C. Dias. Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito. 3. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2015. Capítulo 3, tópicos 8/9).

Como bem ressalta Daniel Amorim Assumpção Neves, ``a fundamentação não precisa ser extensa para ser uma verdadeira fundamentação'' (AMORIM, Daniel. Novo CPC Comentado, Salvador: Juspodivm, 2016. p. 808). Entretanto, é necessário que enfrente, ainda que de maneira sucinta, todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a decisão da causa.

Ao compulsar os autos, observa-se que a sentença cumpriu com o dever de fundamentação analítica das decisões judiciais, pautando-se na prova produzida nos autos, para julgar improcedentes os pedidos iniciais.

Como não se verifica que a sentença tenha sido proferida em desobediência à norma constitucional que determina que as decisões judiciais devam ser fundamentadas, rejeita-se a preliminar arguida.

Mérito.

Insurgem-se os apelantes contra a decisão primeva que julgou improcedente o pedido inicial, haja vista a não configuração do animus domini.

Os apelantes afirmam que houve a efetiva configuração dos requisitos exigidos para o reconhecimento da propriedade do imóvel em seu favor.

Sobre a denominada usucapião extraordinária, dispõe o art. 1.238 do Código Civil que:

``Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

1 § O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se- à 10 (dez) anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.''

A usucapião é um modo originário de aquisição da propriedade que acarreta a extinção do direito para o anterior titular. Tal forma de aquisição da propriedade, na verdade, independe de pronunciamento judicial, pois se opera no plano fático, mediante o cumprimento das condições previstas em lei.

Registre-se que discussões sobre a existência de justo título e boa-fé são irrelevantes no presente caso, uma vez que a espécie de usucapião requerida pela autora é a extraordinária, conforme art. 1.238 do Código Civil. Inclusive, este entendimento já foi reconhecido pelo colendo Superior Tribunal de Justiça:

``Reconhecimento de usucapião extraordinária. Requisitos. Art. 1.238 do CCB. Reforma. Reexame de provas. Análise obstada pela súmula 7/STJ. Agravo não provido - Em se tratando de aquisição originária por usucapião extraordinária, que, para sua configuração, exige um tempo mais prolongado da posse (no CC, de 16, 20 anos; no CC, de 2002, 15 anos), em comparação com as demais modalidades de usucapião, a ela dispensam-se as exigências de justo título e de posse de boa-fé. [...]'' (AgRg no AREsp 499.882/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. em 24/6/2014, DJe de 1/8/2014).

Assim, são requisitos, para aquisição da propriedade por usucapião, a posse mansa e pacífica, que deve ser exercida com animus domini; o lapso de tempo, a continuidade e a publicidade. Presentes todas essas características, a posse exercida passa a ser usucapível (ad usucapionem).

No caso dos autos, a questão controvertida se refere à configuração da posse com animus domini, hábil a autorizar a declaração da aquisição da propriedade pela parte autora.

Pois bem.

Do contexto probatório dos autos, tem-se que a sentença de improcedência não merece retoque, isso porque os apelantes estão tentando, por via inadequada, regularizar o domínio do imóvel.

In casu, vê-se que a Sra. Maria Glaci Pereira dos Santos, mãe da apelante, recebeu o imóvel, objeto da lide, em 27 de abril de 1998, em razão de processo de separação.

A partir do falecimento da mãe da apelante, que ocorreu em 25 de setembro de 2002, ela e sua irmã passaram a habitar o imóvel.

Posteriormente, a apelante se casou e quem ficou residindo no bem foi sua irmã.

De fato, não há dúvidas de que o imóvel pertenceu à mãe da apelante, Sra. Maria Glaci Pereira dos Santos.

Ocorrendo o óbito da Sra. Maria, a posse foi transferida para as herdeiras, Adenilza Aparecida Pereira dos Santos e para a apelante, em observância ao princípio da saisine.

Por isso, evidencia-se que a autora é proprietária de fato, em condomínio, do imóvel que pretende usucapir.

Tratando-se posse derivada (adquirida por meio de direitos sucessórios e não exercida com exclusividade em detrimento da outra herdeira), é necessário que o espólio ajuíze a ação com ânimo de regularizar a propriedade do bem.

Como bem registrado pelo Magistrado a quo ``[...] no caso, resta evidenciado que a ação deve ser ajuizada pelo Espólio de Maria Glaci e, após regularização do imóvel pela usucapião, fosse promovido o seu inventário, caso em que a irmã da primeira autora poderia fazer valer sua renúncia aos direitos hereditários que faz jus por lei''.

Outro não é entendimento da jurisprudência em casos análogos aos dos autos:

``Apelação cível. Ação de usucapião extraordinária. Imóvel objeto de herança. Ausência de comprovação de abertura de inventário. Aquisição de direitos hereditários sobre o bem. Via inadequada. Falta de interesse de agir. Sentença mantida - A usucapião é meio de aquisição originária da propriedade pelo exercício prolongado da posse com o ânimo de dono sem sê-lo; enquanto o direito de saisine já faz dono o sucessor causa mortis por vínculo material que se opera de pleno direito (art. 1.784 do CC). - Inadequada a propositura de ação de usucapião para adquirir-se o domínio de bem objeto de herança cujo inventário não se demonstrou sequer a abertura, pois a possibilidade de registro do bem em nome da parte autora somente será possível após a finalização do inventário dos bens do proprietário do imóvel em questão, a fim de se apurar possíveis dívidas a serem suportadas pelo espólio, para então, haver a transmissão do bem para quem o couber e, em seguida, para a parte autora.'' (TJMG - Apelação Cível 1.0180.12.003308-9/001, Rel. Des. Valdez Leite Machado, 14ª Câmara Cível, j. em 22/7/2021, p. em 26/7/2021).

``Apelação cível. Ação de usucapião extraordinária. Imóvel objeto de herança. Ausência de comprovação de abertura de inventário. Aquisição de direitos hereditários sobre o bem. Via inadequada. Falta de interesse de agir. Extinção do processo sem análise do mérito. Art. 485, VI, do novo CPC. - A usucapião é meio de aquisição originária da propriedade pelo exercício prolongado da posse com o ânimo de dono sem sê-lo; enquanto o direito de saisine já faz dono o sucessor causa mortis por vínculo material que se opera de pleno direito (art. 1.784 do CC). - Inadequada a propositura de ação de usucapião para adquirir-se o domínio de bem objeto de herança cujo inventário não se demonstrou sequer a abertura, pois a possibilidade de registro do bem em nome da parte autora somente será possível após a finalização do inventário dos bens do proprietário do imóvel em questão, a fim de se apurar possíveis dívidas a serem suportadas pelo espólio, para então, haver a transmissão do bem para quem o couber e, em seguida, para a parte autora.'' (TJMG - Apelação Cível 1.0231.13.043474-0/001, Rel. Des. Adriano de Mesquita Carneiro, 11ª Câmara Cível, j. em 6/5/2020, p. em 15/5/2020).

``Ação de usucapião. Imóvel objeto de herança. Saisine. Via inadequada. Falta de interesse de agir - Nos termos do art. 1.784 do Código Civil, aberta a sucessão, a herança transmite-se desde logo aos herdeiros legítimos e testamentários. A ação de usucapião não pode ser utilizada como substitutivo da demanda de inventário.'' (TJMG - Apelação Cível 1.0216.07.049135-4/001, Rel. Des. Estevão Lucchesi, 14ª Câmara Cível, j. em 23/4/2020, p. em 5/5/2020).

Assim sendo, resta obstado o acolhimento do pedido inicial da autora, uma vez que ausentes os requisitos exigidos para a declaração da aquisição da propriedade por usucapião.

Destarte, não se verifica o desacerto da decisão a quo.

 

Dispositivo.

Diante do exposto, com fundamento no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1988, rejeita-se a preliminar de nulidade da sentença e nega-se provimento ao recurso, mantendo-se em sua íntegra a decisão de primeiro grau.

Custas recursais pela parte autora.

Suspensa, contudo, a exigibilidade em razão gratuidade da justiça.

Sem majoração dos honorários advocatícios, pois não houve pretensão resistida.

Votaram de acordo com o Relator o Desembargador Octávio de Almeida Neves e o JD. Convocado Ferrara Marcolino

Súmula - REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

 

Fonte: TJMG 


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