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30/11/2021

ConJur - Caso Romero Britto desafia liberalidade do STJ com mudança de nome civil

 

O Superior Tribunal de Justiça terá em pauta na próxima quinta-feira (2/12), em sessão extraordinária da 4ª Turma, um caso que pode representar o ápice das discussões sobre retificação de nome civil, numerosas e tão variadas na corte: a possibilidade de alteração que faça o RG coincidir com o nome artístico de uma pessoa.

O Recurso Especial 1.729.402 foi ajuizado por Romero Brito, que assina suas obras internacionalmente reconhecidas como Romero Britto — com uma letra “T” a mais. Radicado nos Estados Unidos, ele vem brigando na Justiça Brasileira para alterar o nome familiar em todos os seus registros.

A solução passa pela interpretação do artigo 56 da Lei  6.015/1973, que dispõe sobre os registros públicos brasileiros. A norma diz que o interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família — os sobrenomes herdados dos pais.

O pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria de votos. A 7ª Câmara de Direito Privado entendeu que a inclusão da letra T desnatura o patronímico familiar, descaracterizando a linhagem. "O patronímico pertence a todo o grupo familiar e é indisponível", concluiu o desembargador Luis Mario Galbetti, relator.

Para o artista, não há prejuízo à linhagem dos Brito porque a inclusão de mais uma letra não vai sequer afetar a fonética. Ao STJ, defende que a imutabilidade do nome civil poderá ser relativizada justamente por isso.

O caso desafia certa liberalidade com que as turmas de Direito Privado do STJ tratam o abundante tema. Por diversas motivações — decorrentes de abandono familiar, de dissolução de casamento, de alteração de nacionalidade, de questões de gênero e até adoção de apelidos — a corte tem admitido a mudança de prenomes e alteração de sobrenomes.

É a primeira vez que uma decisão colegiada vai avaliar a mudança por motivos relacionados a nome artístico.

Exercício da cidadania

O Judiciário é mesmo o caminho para conseguir a mudança de nome buscada por Romero Brito. O artigo 57 da Lei dos Registros Públicos diz que a alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro.

A postura do STJ acerca da imutabilidade ou definitividade do nome civil, guiada por posições do Supremo Tribunal Federal, é de garantir o exercício da cidadania. Trata-se de assegurar "o papel que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade de uma pessoa", nas palavras do ministro Paulo de Tarso Sanseverino em julgamento do caso de um filho abandonado pela família.

"Hoje, vivemos um Brasil que tem uma preocupação com o direito da personalidade. Tenho para mim que o STJ tem essa grande preocupação", aponta a advogada Claudia Stein, Doutora em Direito Civil pela USP e sócia do Stein, Pinheiro e Campos Sociedade de Advogados.

A postura se espelha, principalmente, na jurisprudência consolidada da corte quanto à possibilidade de transexuais alterarem o nome, inclusive com determinação de que  a averbação conste apenas do livro cartorário, vedada qualquer menção nas certidões do registro público, sob pena de manter a situação constrangedora e discriminatória.

Claudia Stein destaca que toda e qualquer decisão que permita mudança de nome não alcança terceiro de boa-fé. Assim, ainda que a alteração seja admitida, preserva-se a responsabilidade cível e criminal da pessoa, o que mitiga a hipótese de tentativa de fraude.

Afirma também que, como a lei é econômica sobre o tema, houve uma construção jurisprudencial. "O STJ atua com base na dignidade da pessoa humana e no direito da personalidade. O nome faz parte dos nossos maiores direitos, porque é a forma pela qual somos conhecidos", diz.

É de se perguntar, também, se em tempos de evolução tecnológica, a imutabilidade do nome civil é mesmo necessária para conservar a segurança jurídica das relações. Esse aspecto, especificamente, já foi analisado pela 4ª Turma do STJ e inclusive gerou divergência.

Pode mudar

Em setembro de 2020, o colegiado, por maioria de votos, decidiu que uma mulher chamada Ana Luiza poderia retirar o nome "Ana" porque fora dado pelo pai sem o consentimento da mãe e que a abandonou ainda criança.

"Com o avanço da tecnologia, o nome deixou de ser o único ou o principal recurso de identificação, cedendo espaço para formas mais modernas e eficientes, como registros numéricos, identificação digital, por imagem, redes sociais", disse o ministro Antonio Carlos Ferreira, que votou com a maioria encabeçada pelo relator, ministro Marco Buzzi.

Na ocasião, o ministro Raul Araújo divergiu. "Ou temos um sistema de registros públicos de nomes minimamente comprometido com alguma higidez ou até poderemos dispensar esse registro, e cada pessoa vai se chamando como quiser à medida que os fatos forem transcorrendo na vida", criticou.

A mudança de nome em decorrência de abandono paternal é um motivo que sensibiliza o STJ.

Em caso julgado pela 3ª Turma, o colegiado admitiu a exclusão dos sobrenomes paternos do nome civil de um rapaz, que foi abandonado pelo pai na infância, e permitiu o acréscimo do sobrenome da avó materna. O REsp 1.304.718 atacou, também, um acórdão do TJ-SP que havia indeferido o pedido por considerar que a mudança descaracterizaria o nome da família.

Já no REsp 1.905.614 não houve abandono, mas falta de lealdade e má-fé de um pai que combinou com a mãe de registrar a filha com um nome composto, mas no registro substituiu o segundo nome sem o consentimento da genitora. Relatora, a ministra Nancy Andrighi concluiu que configura ato ilícito e exercício abusivo do poder familiar, sendo motivação suficiente para autorizar a exclusão do prenome indevidamente atribuído à criança.

Foi a 3ª Turma, também, que reformou acórdão do TJ-SP para permitir a alteração do nome de uma criança que foi registrada pelo pai com o nome do anticoncepcional que a mulher tomava quando ficou grávida.

E no REsp 1.873.918, deu permissão a uma mulher para, ainda casada, recolocar o sobrenome do pai no registro civil. O pedido foi justificado pelo fato de ela sempre ter sido conhecida por esse sobrenome e porque os únicos familiares que ainda carregam-no se encontrarem em grave situação de saúde e sob iminente risco de vida.

A ministra Nancy Andrighi destacou que as justificativas não são frívolas, mas "demonstram a irresignação de quem vê no horizonte a iminente perda dos seus entes próximos sem que lhe sobre uma das mais palpáveis e significativas recordações — o sobrenome".

Outra demonstração da liberalidade do STJ quanto ao tema se deu em 2016, no REsp 1.310.088, quando a 3ª Turma permitiu a mudança de nome de uma mulher para que o registro civil brasileiro se adequasse à recém-adquirida nacionalidade italiana dela. Isso porque, na Itália, os descendentes são registrados com o primeiro nome paterno.

Relator, o ministro João Otávio de Noronha votou contra o pedido, por entender que a alteração do nome civil não encontra exceção diante da lei estrangeira. Venceu o voto divergente do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, segundo o qual há justa causa, em face dos princípios da verdade real, da simetria e da segurança jurídica.

A 4ª Turma, como já se viu, é também bastante liberal. No REsp 1.217.166, permitiu que a maranhense Raimunda se torne oficialmente Danielle, porque esse é o nome pelo qual sempre foi chamada em seu meio social e familiar, desde a infância. Ela alegou que o registro civil causava desconfiança e insegurança nas pessoas.

Nem tudo é festa

Nem todas as pretensões de mudança no registro civil encontram guarida no STJ. No REsp 1.728.039, a 3ª Turma negou o pedido de uma mulher chamada Tatiane, que queria se chamar Tatiana. O ministro Marco Aurélio Bellizze destacou que não há erro de grafia, tampouco é possível reconhecer que o mesmo cause qualquer tipo de constrangimento perante a sociedade.

Em outro caso, o colegiado negou recurso de um pai que pretendia dar o sobrenome da bisavó à criança, como forma de homenagem. Relator, o ministro Villas Bôas Cueva, afirmou que é indispensável a demonstração de justo motivo. "O patronímico de uma criança não deve ficar à mercê de uma mera circunstância pessoal ou matemática por refugir ao interesse público e social que envolve o registro público", disse.

 

Fonte: ConJur

 


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