Por Letícia Franco Maculan Assumpção
Foi publicada no G1 Minas uma notícia: “Entenda como funciona o casamento por procuração e em quais casos ele é permitido. Modalidade ganhou destaque na pandemia, fazendo até noiva ‘se casar’ com o sogro”. A primeira consideração é que, no caso noticiado, não houve casamento algum com o sogro, ele apenas representou o marido na celebração do casamento, tendo, para tanto, apresentado procuração pública. Na verdade, nem é possível se casar com sogro, mesmo que já tenha havido o divórcio, pois o Código Civil estabelece que, na linha reta, o parentesco por afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável , vedando, ainda, o casamento entre afins em linha reta no art. 1.521, II.
A segunda consideração é que celebração de casamento com a utilização de procuração para representar um dos nubentes não é novidade. O uso da procuração era a solução preferida dos nobres. D. Pedro I casou-se duas vezes, sendo em ambas representado por procuração: com Maria Leopoldina, da Áustria, em 13 de maio de 1817 , e com Amélia Augusta Eugênia Napoleona de Beauharnais, princesa de Leuchtenberg e de Eichsteadt, em 30 de maio de 1829. Também D. Pedro II foi representado por meio de procuração na celebração de seu casamento com Teresa Cristina de Bourbon, em 30 de maio de 1843.
Os casos dos Imperadores do Brasil retratam uma situação que permanece até hoje: a utilização da procuração para viabilizar casamentos em outro país. Durante a pandemia ocasionada pela COVID 19, as procurações públicas foram a solução encontrada por casais que não podiam se encontrar nem para o seu casamento, pelas limitações para viagens determinadas pelos diversos países.
O Código Civil estabelece que o casamento pode celebrar-se mediante procuração, com eficácia de 90 (noventa) dias, lavrada por instrumento público, ou seja, em cartório de Notas, com poderes especiais. Na procuração devem ser outorgados poderes específicos para a celebração do casamento, indicando o futuro cônjuge, o regime de bens (não sendo feita a opção pelo regime legal, a procuração deve outorgar poderes para lavratura de pacto antenupcial), o nome que o outorgante e seu cônjuge passarão a utilizar, caso optem por acrescer o sobrenome do outro.
Uma novidade importante é a possibilidade do uso do e-notariado para a assinatura de procurações públicas. Toda a crise tem um aspecto positivo: a aceleração do uso da criatividade e a concretização de alternativas viáveis para o funcionamento de serviços, vencendo a natural inércia, que é a lei da física. O Provimento 100, da Corregedoria Nacional de Justiça – CNJ trouxe nova realidade aos serviços de notas, inaugurando a era digital para a lavratura de atos notariais, por meio da plataforma e-Notariado. O Brasil está na vanguarda em nível mundial, tendo revolucionado a forma de se prestar o serviço notarial, facilitando o acesso dos cidadãos à rede de tabelionatos.
Importante esclarecer que, para nós, não há restrição para escolha de tabelião na hipótese de o outorgante da procuração residir fora do país. As regras do Provimento CNJ 100/2020 não fazem referência aos domiciliados em país estrangeiro, o que resulta em manutenção integral das regras da Lei 8.935/1994 quanto à possibilidade de escolha do tabelião de sua preferência no Brasil. Gustavo Bandeira também afirma que não há limitação territorial para a escolha do tabelião na hipótese de o adquirente residir fora do Brasil.
Assim, se a pessoa reside no exterior e precisa lavrar uma procuração para que seja celebrado seu casamento, pode entrar em contato com um tabelião de notas que tenha aderido à plataforma do e-notariado. Essa alternativa é muito mais simples e menos onerosa do que os meios convencionais, que envolvem legalizações, traduções por tradutor público juramentado, registro no Cartório de Títulos e Documentos, dentre outras exigências legais.
Por fim, há outra novidade em alguns estados da federação: a celebração do casamento por videoconferência diretamente nos Registro Civis das Pessoas Naturais. Em Minas Gerais a Presidência do Tribunal e a Corregedoria-Geral de Justiça aprovaram essa modalidade de celebração no início da pandemia.
Em conclusão, a pandemia criou uma nova realidade e impulsionou a utilização dos meios digitais para atos notariais e de registro. O uso do meio eletrônico pelos serviços notariais e de registro passou a ser uma necessidade. O uso da via eletrônica concretiza o princípio da eficiência, previsto na Constituição da República e veio para ficar. Vamos compreender e utilizar essas novas ferramentas!
* Letícia Franco Maculan Assumpção – Graduada em Direito pela UFMG, pós-graduada, mestre e doutoranda em Direito. Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. Professora e co-coordenadora da Pós-Graduação em Direito Notarial e Registral do CEDIN – Centro de Direito e Negócios. Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais e Diretora do CNB/MG e do RECIVIL. Autora dos livros Notas e Registros, Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil e Usucapião Extrajudicial, além de capítulos de livros e de artigos sobre direito notarial e registral.
MILAGRES, Leonardo. Disponível em g1 Minas. 07/10/2021. 07h06. Entenda como funciona o casamento por procuração e em quais casos ele é permitido. Modalidade ganhou destaque na pandemia, fazendo até noiva ‘se casar’ com o sogro Disponível em: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2021/10/07/entenda-como-funciona-o-casamento-por-procuracao-e-em-quais-casos-ele-e-permitido.ghtml. Acesso em: 07 out. 2021.
Código Civil. Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.
1 o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.
2 o Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.
Código Civil. Art. 1.521. Não podem casar: […] II – os afins em linha reta;
RAMOS, Luiz Fernando. Como casamento ‘sem noivo’ e princesa incomum mudaram os rumos do Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-39900379. Acesso em: 07 out. 2021.
RIBEIRO, Sabrina. O casamento de D. Amélia e Dom Pedro I. Disponível em: https://apaixonadosporhistoriacanal.com/2020/08/17/o-casamento-de-d-amelia-e-dom-pedro-i/. Acesso em: 07 out. 2021.
CARVALHO, José Murilo de. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Código Civil. Art. 1.542. O casamento pode celebrar-se mediante procuração, por instrumento público, com poderes especiais.
ASSUMPÇÃO, Letícia Franco Maculan; RIBEIRO, Paulo Hermano Soares. TERRITORIALIDADE E ATO NOTARIAL ELETRÔNICO. Disponível em: https://cnbmg.org.br/artigo-territorialidade-e-ato-notarial-eletronico-por-leticia-franco-maculan-assumpcao-e-paulo-hermano-soares-ribeiro/. Acesso em: 7 out. 2021.
Bandeira, Gustavo. A competência para lavratura do ato notarial eletrônico envolvendo brasileiros expatriados e estrangeiros. Publicado em 24/02/2021. Disponível em: https://cnbpr.org.br/2021/02/24/artigo-a-competencia-para-lavratura-do-ato-notarial-eletronico-envolvendo-brasileiros-expatriados-e-estrangeiros-por-gustavo-bandeira/. Acesso em: 07 mar. 2021.
PRESIDÊNCIA do Tribunal de Justiça e CORREGEDORIA-Geral de Justiça de Minas Gerais. Portaria-Conjunta nº 1.025/PR/2020. DJe 14/07/2020. Art. 38, § 6º Enquanto durar o período de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), em decorrência da infecção humana pelo novo Coronavírus, nos processos de habilitação de casamento, se as partes já tiverem assinado o pedido de habilitação na presença do Oficial ou de seu preposto
Fonte: Recivil