Por: Rogério Portugal Bacellar*
Os Estados Unidos são frequentemente citados como um país modelo em questões comerciais. Mas um recente escândalo, o caso Dotloop, uma empresa iniciante que tenta facilitar a vida dos consumidores nas transações imobiliárias, trouxe à tona uma realidade que talvez não seja exatamente essa. A facilitadora promete eliminar a papelada exigida na realização de transações imobiliárias, permitindo aos corretores, compradores, vendedores e financiadores colaborar, negociar e assinar documentos eletronicamente nos fóruns on-line privados.
A fragilidade desse sistema veio à tona no início do ano, quando um hacker com o nome falso de Ian Dawtnapster invadiu o banco de dados de uma empresa imobiliária norte-americana e baixou uma série de formulários de compra e venda em branco. O ataque aconteceu por meio de um sistema online da própria Dotloop, contratado por essa administradora de imóveis. Pouco após o incidente, duas organizações imobiliárias que detêm os direitos dos formulários, entre elas a Associação de Corretores de Imóveis da Califórnia, forte concorrente da Dotloop, exigiram a retirada dos documentos dos servidores da empresa terceirizada, o que caracteriza uma disputa comercial.
Nos EUA, as transações imobiliárias são feitas sem sistema de cartório. Serviços como reconhecimento de firma, quando realizados, são oferecidos por notários públicos e cidadãos certificados pelo Executivo que podem trabalhar por conta própria, ou também como funcionários do governo, bancos, imobiliárias e seguradoras.
Já no Brasil, exige-se que esse profissional seja bacharel em Direito, independente e imparcial e que receba delegação da autoridade pública para conferir autenticidade aos documentos que redige, sendo admitido através de concurso público e remunerado pelos emolumentos dos atos requeridos em valores fixados pelo Estado. Sem uma estrutura forte e confiável de cartórios como a brasileira, os serviços notariais e de registro nos Estados Unidos ficam à mercê das regras nem sempre saudáveis do mercado.
Outro fato que possui forte relação com a falta de segurança jurídica do sistema americano foi a crise do setor imobiliário americano ocorrida em 2007. Depois de passar por um "boom" de aquisições de imóveis por hipoteca, o mercado norte americano foi acometido por altos índices de inadimplência. Pode-se dizer que a falta de cuidado na formalização do negócio foi um dos fatores que culminaram na falta de pagamento da hipoteca da casa própria, levando a falência diversas empresas financiadoras.
De acordo com a Lei de Registros Públicos (Lei n,º 6.015/73), o registro de imóveis é um serviço estabelecido pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. E através dele que são conferidas todas as documentações referentes ao bem a ser adquirido, e onde fica estabelecida a garantia em caso de descumprimento do pactuado.
Apesar das distorcidas críticas que recebe, o Brasil oferece um sistema de serviços notariais e de registro que é referência para diversos países do mundo. É claro que, como qualquer setor, precisa ser constantemente visto e atualizado, mas está à disposição do cidadão brasileiro para facilitar e assegurar questões jurídicas que fazem parte da vida civil. Os tabeliães e registradores brasileiros prestam um serviço fundamental para a sociedade, além de zelar por ela e evitar que casos como o ocorrido nos Estados Unidos aconteçam em nosso país.
* Presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR)