Harmonia e celeridade. Esse binômio tem direcionado a ação do Poder Judiciário brasileiro e ganhou força nos últimos seis anos, desde a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (CPC – Lei nº 13.105/2015). E para obtenção de decisões harmoniosas e com foco na determinação constitucional da razoável duração do processo, o novo Código introduziu mecanismos que contribuem para agilizar a ação dos tribunais. Entre os novos instrumentos figura o sistema de precedentes, que prevê que uma decisão judicial relativa a determinado caso pode servir de diretriz para julgamento de processos análogos.
Um exemplo prático para aplicação de precedentes são as demandas judiciais envolvendo benefícios previdenciários. Conforme a pesquisa “A judicialização de benefícios previdenciários e assistenciais”, executada pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) para o Departamento de Pesquisas Judiciais do Conselho Nacional de Justiça (DPJ/CNJ), de 2015 a 2019, registrou-se um crescimento de 140% no número de processos requerendo concessão ou revisão de benefícios previdenciários e assistenciais nas justiças federal e estadual. O levantamento avaliou 18 milhões de processos que tramitam na Justiça e no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e analisou o teor de 1,3 milhão de decisões judiciais.
De acordo com a juíza Melissa de Vasconcelos Pessoa, do Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI), boa parte do acervo do Judiciário brasileiro é composto por demandas de massa e as previdenciárias são um exemplo. “Muitas são idênticas, o que muda é o nome da pessoa que pleiteia. Mas o pleito é exatamente o mesmo”. Ela enfatiza que essas demandas de massa necessitam ter o mesmo tratamento para que não produzam angústia nos jurisdicionados pois, “quando se trata de situações idênticas, não é justo um ganhar e outro perder”.
E para que a regra seja aplicada, a Estratégia Nacional do Poder Judiciário incluiu a Consolidação do Sistema de Precedentes Obrigatórios entre os macrodesafios para o sexênio 2021/2026. O Objetivo é proporcionar, juntamente com a redução da espera por resposta para quem recorre ao Poder Judiciário, segurança jurídica por meio de decisões harmônicas e equânimes.
A juíza Melissa Pessoa aponta que o sistema de precedentes também uniformiza a posição da magistratura nacional. “Quando o tribunal fixa uma linha de entendimento, e o precedente é isso, uma linha de entendimento, passamos a ter menos decisões conflitantes, o que reduz a insegurança jurídica”. Ela observa que, além de uniformizar as decisões, o sistema de precedentes agiliza a produção da decisão judicial.
“No momento em que se tem a tese fixada, o próprio sistema normativo do Código de Processo Civil estabelece uma série de regras de agilização do julgamento no tribunal”. Dessa forma, destaca, o sistema de precedentes, além de evitar que ações similares sejam julgadas inúmeras vezes, ele estabelece uma norma geral a partir de um caso e que servirá como modelo para casos futuros.
Para a magistrada, é um caminho para atender à crescente demanda que chega ao Poder Judiciário, com rapidez, previsibilidade e segurança jurídica. Melissa Pessoa enumera, como exemplo, o fato de a decisão não precisar ir para o órgão colegiado, podendo ser julgada monocraticamente ou, caso o juiz de 1º Grau perceba que a demanda é contrária a um precedente, ele pode negá-la liminarmente. “Tudo isso permite respostas mais rápidas e mais uniformes do Poder Judiciário. Ao mesmo tempo, contribui para evitar que as cortes superiores fiquem sobrecarregadas”.
A juíza ressalta que o Supremo Tribunal Federal (STF) é composto por onze ministros e não é possível que todos os recursos extraordinários “subam” para ser julgados rigorosamente da mesma maneira. “É contraproducente que o STF tenha que decidir questões iguais reiteradamente. Assim, ele deixa de decidir sobre aquelas que não são iguais, que são singulares e muito importantes para a nação. O sistema de precedentes impede a subida desnecessária de processos que já sabemos o resultado e evita o retrabalho frenético dos tribunais superiores”.
Com o objetivo de consolidar o Sistema de Gestão de Precedentes, o CNJ adotou uma série de iniciativas. Entre elas estão a criação do Banco Nacional de Precedentes (BNPR) e do Grupo de Trabalho destinado à elaboração de estudos e de propostas voltadas ao fortalecimento dos precedentes judiciais (Portaria CNJ nº 240/2020). O Conselho determinou ainda a criação dos Núcleos de Gestão de Precedentes (Nugeps) e dos Centros de Inteligência nos tribunais, que atuam na sistematização de decisões que podem ser replicadas.
Para a juíza Melissa Pessoa, que coordenou o Nugep do TJPI, a criação desses órgãos foi uma decisão acertada do CNJ porque, ao compilar e compartilhar informações, o Núcleo garante a consolidação do sistema de precedentes. Ela esclarece que o Nugep sistematiza dados sobre os Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) propostos pelo tribunal e registra se já existem teses estabelecidas. “Após a fixação de tese é feita a comunicação para os juízes, para que os precedentes sejam aplicados pelos magistrados e pelo próprio tribunal de segundo grau”.
De acordo com a magistrada, também é por meio dos Núcleos que são recebidas as informações dos tribunais superiores, fazendo com que os precedentes criados e fixados pelas cortes superiores sejam aplicados no âmbito do primeiro e segundo grau de cada estado da federação. Melissa Pessoa observa que os avanços tecnológicos e os recursos proporcionados por sistema de Inteligência Artificial (IA) favorecem a atuação do Nugep.
Ela aponta como fundamental que os tribunais possuam um órgão responsável pelo controle das informações, tanto em nível local, como na tramitação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), quanto nacional, em relação às teses fixadas pelos tribunais superiores. “A divulgação das informações pelo órgão que centraliza esses dados é imprescindível para que o sistema de precedentes realmente se consolide e proporcione maior agilidade nas decisões”.
A opinião da juíza Melissa Pessoa é compartilhada pela atual responsável do Nugep do TJPI, juíza Mariana Cruz Almeida Pires, que afirma que o sistema de Precedentes traz uma ressignificação dos princípios da segurança jurídica e da isonomia. “O CPC/2015 diz que cabe aos Tribunais o dever de manter sua jurisprudência estável, íntegra e coerente com o objetivo de reduzir a instabilidade decisória, bem como as aventuras processuais, trazendo-se soluções idênticas a casos semelhantes”.
Juíza auxiliar da vice-presidência do TJPI, Mariana Cruz destaca que o sistema de Precedentes “veio a somar no Poder Judiciário buscando a prestação jurisdicional como a prima ratio para a resolução de conflitos”. Para ela, com a efetiva aplicabilidade dos precedentes em nosso ordenamento jurídico será possível efetivar os ditames constitucionais de direito fundamental de acesso à justiça de forma célere, efetiva e eficiente”.
A realização de cursos, confecção de cartilhas, promoção de seminários e a formação de grupos de estudos para enfatizar a importância dos precedentes para a efetividade da tutela jurisdicional são ações apontadas pela magistrada para aproximar julgadores e assessores do sistema, contribuindo para fortalecê-lo. “A receptividade é boa, pois julgadores também clamam por maior segurança jurídica e uniformidade das decisões. Com trabalho de divulgação, cursos sobre precedentes e orientação, todos percebem que um dos caminhos para solução dessa questão é através dos precedentes”.
A crescente ampliação do acesso à Justiça tornou obrigatória a adoção do Sistema de Gestão de Precedentes pelo Poder Judiciário, conforme avalia a juíza do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), Luciana Yuki Fugishita Sorrentino. Ela afirma que gestão de precedentes é de suma importância para o Poder Judiciário. “Tanto do ponto de vista interno, pois consiste na otimização da utilização dos recursos disponíveis para a prestação jurisdicional, quanto sob o ponto de vista do jurisdicionado, o usuário do sistema de justiça, que poderá contar com decisões mais céleres e eficientes”.
Ela destaca que a adoção de medidas de gestão, não apenas de precedentes, mas da prestação jurisdicional como um todo, inclusive com a adoção do Cartório Digital e a expansão de ferramentas tecnológica aliadas à análise de dados, são elementos fundamentais do Judiciário 4.0 e que refletem diretamente na questão dos precedentes. Luciana Sorrentino observa que tais medidas possibilitam que a uniformização de procedimentos e de decisões cheguem à sociedade como um produto de qualidade indiscutível. “O sistema de precedentes prima pela coerência, segurança jurídica e estabilidade das decisões judiciais e cabe ao Poder Judiciário a gestão dos precedentes para garantir a sua plena aplicação e eficiência”.
Integrante da coordenação geral do Centro de Inteligência da Justiça do Distrito Federal (CIJDF), a magistrada enfatiza que a gestão de precedentes se converte não apenas como um macrodesafio específico na Estratégia Nacional do Poder Judiciário 2021/2016, estabelecido na “Consolidação do Sistema de Precedentes Obrigatórios”, como também contribui para o macrodesafio “Agilidade e produtividade na prestação jurisdicional”.
O sistema de gestão de precedentes está em pleno funcionamento no TJDFT, com a atuação integrada entre Nugep, CIJDF e outros órgãos judiciais e administrativos do Tribunal, como o Núcleo de Monitoramento de Demandas Predatórias, o Núcleo Permanente de Mediação e Conciliação e a Secretaria de Jurisprudência. Instalado em 2020, o CIJDF conta com comissões temáticas nas áreas Cível, Criminal, Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Direito Público e Violência Doméstica.
No âmbito do TJDFT, Luciana Sorrentino aponta a realização de parcerias interinstitucionais para a prevenção e tratamento de demandas repetitivas ou com potencial de repetitividade como uma das boas práticas adotadas para sedimentar o sistema de gestão de precedentes. “O CIJDF realizou parceria com a Defensoria Pública do Distrito Federal e o trabalho tem rendido bons frutos como, por exemplo, o início da realização de estudos acerca da taxa de reversibilidade dos recursos interpostos pelo órgão, conforme os temas”.
A juíza informa que se encontram em andamento, no CIJDF, parcerias com outras instituições públicas que possibilitarão a expansão do diálogo e da formação de estratégias de prevenção e solução de conflitos. “Além da visão sistêmica do problema, as parcerias interinstitucionais permitem a construção de soluções abrangentes, para além do processo judicial, com vistas, inclusive à reestruturação de políticas públicas”.
Ela cita também a criação de um grupo de trabalho envolvendo outros órgãos do Distrito Federal. O objetivo, conforme a magistrada, é estudar o tema referente ao direito às creches, objeto de grande quantidade de ações judiciais individuais, cujas decisões judiciais, muitas vezes são inócuas ante a inexistência de aparelhamento público para o seu cumprimento. “Os resultados iniciais deste trabalho serão objeto de um webinário que será realizado em agosto pelo TJDFT em parceria com o CNJ. Trata-se da Caravana Virtual, que será lançada em breve”.
Para a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Ana Aguiar, os Centros de Inteligência se revelam como estruturas aliadas dos tribunais na gestão de caso repetidos, tendo em vista que ajudam na identificação dos processos que merecem julgamento uniforme e definitivo e na prevenção de litígios, mediante articulação com atores processuais.
Jeferson Melo
Agência CNJ de Notícias