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16/08/2021

“O primeiro passo é a retificação do Registro Civil no Cartório”

Bruna Cristina Santana de Andrade, C.E.O. e Co-Founder da Startup Bicha da Justiça fala sobre a inovação da alteração de nome e sexo pela via extrajudicial

Em março de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) retirou a obrigatoriedade da cirurgia transgenitalização ou decisão judicial para a retificação do nome de pessoas trans no documento de identificação. Em junho do mesmo ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o Provimento nº 73/201814, que regulamentou o procedimento de retificação do registro civil em Cartórios de Registro Civil de todo o País.

Bruna Cristina Santana de Andrade, C.E.O. e Co-Founder da Startup Bicha da Justiça.

Para combater o preconceito sobre o tema e auxiliar as pessoas que desejam realizar a mudança, a startup Bicha da Justiça lançou o projeto Orgulho do Meu RG que tem o objetivo de retificar o nome e gênero de pessoas trans e não-binárias de forma gratuita e com todo o amparo jurídico.  

Em entrevista exclusiva à Serjus-Anoreg/MG, a advogada Bruna Cristina Santana de Andrade, C.E.O. e Co-Founder da Bicha da Justiça falou sobre como o projeto Orgulho do Meu RG ajuda pessoas trans, travestis e não-binárias a retificar o nome e gênero no documento de identidade e o que isso significa para essas pessoas. 

Serjus-Anoreg/MG: O projeto Orgulho do Meu RG visa retificar o nome e gênero no documento de identidade da pessoa trans, travestis e não-binárias de qualquer lugar do Brasil?

Bruna Andrade: Sim. Pessoas trans binárias ou não binárias residentes em qualquer lugar do Brasil, desde que em situação de vulnerabilidade econômica. Ou seja, sem condições de arcar com os custos e taxas de retificação.

Serjus-Anoreg/MG: Há limite de participantes?

Bruna Andrade: O projeto é lançado algumas vezes ao ano. Na última edição foram escolhidas 26 pessoas trans para que houvesse a retificação. A quantidade de pessoas depende dos patrocínios das empresas. Então, em cada edição, nós abrimos quantidades específicas.

Serjus-Anoreg/MG: Quais critérios são estabelecidos para participação no Projeto?

Bruna Andrade: A pessoa deve se declarar trans, residir no Brasil, adotar um gênero documental que seja binário (pois ainda não é possível a retificação para gênero não binário no cartório), precisa comprovar renda incompatível com o custeio de retificação. Dentre os inscritos para o projeto selecionamos aqueles com menor renda per capita, atendendo critérios de regionalidade, raça, gênero, pessoas com deficiência, afim de gerar mais diversidade e representatividade. Na última edição foram escolhidos, proporcionalmente, homens, mulheres e pessoas não binárias. Negros, brancos e indígenas, pessoas de várias localidades do Brasil, saindo do eixo do Sudeste e pessoas com deficiência.

Serjus-Anoreg/MG:  O processo de retificação será custeado pelo Projeto. Vocês têm algum tipo de apoio ou patrocínio de parceiros para realizar essa iniciativa?

Bruna Andrade: Todo o processo será custeado pelo projeto, com suporte técnico dos advogados da Bicha da Justiça. O projeto é patrocinado por empresas. A próxima edição vai acontecer em janeiro de 2022 e a captação de recursos começa em setembro/2021.

Serjus-Anoreg/MG:  Qual a diferença prática entre nome social e nome retificado?

Bruna Andrade: Há 3 grandes diferenças: 1) Nome retificado é apenas para maiores de 18 anos e nome social pode ser também para menores; 2) Nome retificado altera todos os documentos e o nome social pode ser incluído apenas em alguns documentos, como RG, CPF, etc; 3) No nome social há o acréscimo do nome com o qual a pessoa se identifica no documento, sem retirar o nome originário. Isso significa que se mantém os dois nomes. Já no nome retificado, o nome antigo é completamente retirado dos documentos.

Serjus-Anoreg/MG: Qual importância social da retificação do nome e gênero possui para essas pessoas?

Bruna Andrade: O nome é a identidade da pessoa. Uma pessoa sem identidade tem muito mais dificuldade de fazer atividades cotidianas. A retificação do nome nos documentos é um atestado de que aquela pessoa é de fato quem diz que é. Pelo menos essa é a sensação gerada em quem retifica. É como se nascesse de novo, esquecendo das amarras que os prende a um gênero com o qual não há identificação.

Serjus-Anoreg/MG: A Bicha da Justiça foi criado quando e qual o principal objetivo da startup?

Bruna Andrade: A Bicha da Justiça foi criada em janeiro de 2018. Somos uma startup de educação e inclusão jurídica. Nosso objetivo é promover educação sobre direitos LGBTQIA+, seja para a própria comunidade, sociedade e empresas. E conectar advogados especializados em Direitos LGBTQIA+ com o público que deseja contratar, mas não tem referências de profissionais.

Serjus-Anoreg/MG: Qualquer pessoa pode ter acesso aos serviços oferecidos pela Bicha da Justiça?

Bruna Andrade: Sim. Entretanto, nós não somos uma ONG e todos os serviços são cobrados ou financiados por empresas.

Serjus-Anoreg/MG: A assessoria jurídica no Bicha da Justiça é gratuita?

Bruna Andrade: Não. O suporte jurídico é realizado pelos advogados conveniados, que cobram pelos serviços.

Serjus-Anoreg/MG: Antes da retificação do nome e sexo no RG, a mudança é realizada primeiro no Cartório de Registro Civil. Como esse processo no cartório facilita essa alteração?

Bruna Andrade: O primeiro passo é a retificação do Registro Civil no Cartório. A partir de então, todas as demais alterações são feitas diretamente pela parte interessada nos órgãos respectivos. Sem alterar primeiro no cartório, não há como alterar os demais.

Serjus-Anoreg/MG: Como avalia a atuação dos cartórios nos processos de retificação de nome e sexo no RG?

Bruna Andrade: Ainda há muitas barreiras. O procedimento deveria ser bem mais simplificado, em razão do Provimento 73/2018 e Provimento 100/2020. Entretanto, ainda há muitas dificuldades. Percebo uma falta de informação sobre os limites da atuação e, até mesmo um receio com o desconhecido, por não ser um procedimento comum como o registro de óbito. Mas o procedimento começou a ser feito em 2018 nos cartórios e, de lá para cá, houveram alguns avanços sim. Mas precisamos evoluir um pouco mais para simplificar a vida da pessoa trans.

Serjus-Anoreg/MG: Como analisa a possibilidade de retificar o nome e sexo nos documentos sem a necessidade de cirurgia ou encaminhamento judicial?

Bruna Andrade: Entendo, nos mesmo termos do STF, que não há qualquer necessidade de comprovação do status de pessoa trans. Porque ser trans não está associado ao fato da pessoa harmonizar, fazer cirurgias, etc. Desta forma, entendo que basta a declaração da pessoa trans para que ela será considerada uma pessoa trans.

 

Fonte: Assessoria de Comunicação – Serjus-Anoreg/MG


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