O famoso “juridiquês” está sendo substituído por uma linguagem mais simples e acessível no trato com os usuários do Poder Judiciário. Essa e outras adaptações – como o uso de ferramentas tecnológicas mais populares, a satisfação do usuário e a transparência nos dados – têm sido implementadas pelos tribunais brasileiros a fim de fortalecer o relacionamento institucional do Judiciário com a sociedade, um dos macrodesafios definidos pela Estratégia Nacional do Poder Judiciário para o período de 2021 a 2026.
Elaborada conjuntamente com a participação de todos os órgão do Poder Judiciário e estabelecida por meio de resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Estratégia Nacional define as diretrizes da atuação institucional dos órgãos do Poder Judiciário, composta pela missão, visão, atributos de valor e indicadores de desempenho associados a cada um dos 12 macrodesafios. No relacionamento com a sociedade, a pesquisa de avaliação do Poder Judiciário e o Índice de Transparência são os indicadores utilizados para monitorar e avaliar o desempenho dos órgãos.
Até 2022, o CNJ deve aplicar a primeira pesquisa de avaliação do Poder Judiciário. Os parâmetros ainda estão sendo construídos, mas terão o objetivo de verificar o relacionamento dos tribunais e conselhos com a sociedade. Em âmbito local, os órgãos também devem aplicar a metodologia e realizar uma pesquisa de satisfação dos usuários, conforme definido em seus planejamentos estratégicos.
No Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL), por exemplo, a pesquisa de satisfação será feita junto à sociedade, partes e demais atores do Sistema de Justiça. Segundo o planejamento estratégico da Corte, a pesquisa será bianual. O chefe da Assessoria de Planejamento e Modernização do TJAL, Clóvis Gomes, afirma que os levantamentos com os usuários identificam as falhas nos serviços e contribuem para que a gestão busque solução para as queixas de quem utiliza os serviços da Justiça. “Pela pesquisa, verificamos que os usuários reclamaram da falta de acesso à água e banheiros nos prédios dos fóruns ou a falta de ar-condicionado nas unidades judiciárias, situação para a qual pudemos encontrar solução imediata.”
A pesquisa também aponta dificuldades encontradas em relação à atividade-fim do tribunal. “Recebemos reclamações sobre a demora na tramitação de processos. Se identificamos que há um acúmulo de processos, organizamos uma força-tarefa – que nomeamos de Justiça Efetiva – para reduzir o acervo”, diz Clóvis Gomes. O tribunal alagoano também adotou ferramentas como o Balcão Virtual e o uso do aplicativo de mensagens WhatsApp para atender a população. “Tentamos facilitar a comunicação, recorrendo a uma ferramenta tecnológica mais acessível. Dessa forma, também adaptamos a linguagem para algo menos formal, a fim de atender o público.”
A preocupação com a linguagem simplificada também levou o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) a elaborar a Cartilha Linguagem Cidadã, ressaltando “uma forma de comunicação usada para transmitir informações de maneira simples, objetiva e inclusiva”. Conforme destaca o documento, três a cada 10 brasileiros são analfabetos funcionais, ou seja, têm muita dificuldade para fazer uso da leitura e da escrita no cotidiano. “Precisamos ser compreensíveis para todos os públicos”, afirma o presidente do TRE-PR, desembargador Tito Campos. “Até mesmo por parte dos magistrados, temos de dar decisões que sejam compreensíveis, de forma que as pessoas não precisem de um especialista para entender o que estamos dizendo”.
Em junho, o Colégio de Ouvidores da Justiça Eleitoral (COJE), reuniu 100 representantes de instituições públicas dos três poderes nas esferas federal, estadual e municipal para apresentar o conteúdo da cartilha e discutir a importância da adaptação da linguagem. O material trata não apenas da linguagem simplificada (plain language) – um conceito utilizado pelo serviço público em diversos países – mas destaca a importância da linguagem inclusiva, abordando questões de gênero, racismo, pessoas com deficiência e comunidade LGBTQIA+.
O desembargador disse que a questão surgiu após o Tribunal cancelar a candidatura de um cidadão com deficiência visual. Em seu recurso, ele apresentou a certidão dada pelo cartório eleitoral, mas afirmou que não compreendeu a informação e, por isso, teria perdido um prazo. A Corte, então, decidiu cancelar o julgamento anterior e permitir a candidatura. O caso também resultou na publicação de uma recomendação a todas as zonas eleitorais e cartórios para que observassem esses casos com pessoas cegas e, caso não pudessem fazer a comunicação adequada pelo método braile, utilizassem a tecnologia, com o envio de áudio, por exemplo, para que a pessoa pudesse compreender as explicações e ter acesso pleno aos seus direitos.
Já em Tocantins, o juiz do Tribunal de Justiça (TJTO) Rafael Gonçalves de Paula, titular da 3ª Vara Criminal de Palmas, criou uma forma mais “amigável” de informar testemunhas, acusados e vítimas sobre a notificação para comparecer a uma audiência criminal. As intimações são feitas via WhatsApp, com o envio de vídeo que explica como será realizada a audiência, o que a pessoa precisa fazer e como participar. “Com o início da pandemia e a ausência do oficial de justiça, que costumava prestar essas informações, pensamos em como responder perguntas comuns sobre a audiência, facilitando também a compreensão.”
Para a conselheira do CNJ Tânia Reckziegel, presidente da Comissão Permanente de Comunicação do Poder Judiciário, o diálogo intra e interinstitucional estabelece uma aproximação com a sociedade, em especial no momento em que a evolução da tecnologia e das ferramentas de comunicação conferiu também celeridade à disseminação de conteúdo.
O uso das “tecnologias populares” pelos tribunais, como as plataformas de mensagem, favorece a simplificação da linguagem jurídica, além de se caracterizar como um aliado do Judiciário, evitando a morosidade. “Destaco a relevância nos processos que tratam de violência doméstica, em que se permite a utilização da plataforma de mensagem para notificar a vítima dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão.”
Ela ressalta, contudo, que é preciso ter cuidado com a disseminação das notícias falsas, que podem influenciar a tomada de decisões. “Ao mesmo tempo que as tecnologias populares favorecem a simplificação da linguagem jurídica, a evolução da tecnologia e das ferramentas de comunicação conferiram também uma celeridade à disseminação de conteúdo.”
A conselheira lembrou que, em 2019, o CNJ, em conjunto com outros órgãos, lançou a campanha #FakeNewsNão, com o Painel Multissetorial de Checagem. “Ele amplia a mobilização para combater as falsas notícias, buscando garantir a integridade da sociedade e a credibilidade da instituição jurídica, a partir do enfrentamento das distorções das decisões judiciais e da duplicação dessas deturpações. Com este painel, cria-se uma corrente com diversas entidades que trabalham em conjunto para enfrentar a desinformação e a disseminação de falsos relatos.”
Por meio do Ranking da Transparência, ação nacional que estimula os órgãos do Judiciário a tornarem disponíveis à sociedade suas informações de forma clara e padronizada, o CNJ avalia os dados tornados públicos pelos 90 tribunais, além do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), em seus portais na internet.
Em 2021, os sites deverão apresentar questões como: publicação dos objetivos estratégicos, metas e indicadores; os resultados alcançados; se as cortes possibilitam a transmissão ao vivo, pela internet, das sessões dos órgãos colegiados; se existe indicação precisa no site de funcionamento de um Serviço de Informações ao Cidadão (SIC) no qual é possível enviar pedidos de informação de forma eletrônica (e-SIC); se o site disponibiliza serviço que permita o registro de denúncias e reclamações; e se publica o relatório de gestão fiscal, entre outras. Os resultados do ranking 2021 devem ser divulgados pelo CNJ em agosto.
Em 2020, uma das instituições com maior índice de atendimento aos itens relativos à transparência foi o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), que foi avaliado com 98,6%. Para chegar a esse resultado, o órgão implantou um monitoramento quadrimestral dos quesitos e passou a orientar as unidades sobre o que deveriam observar na elaboração dos documentos a serem publicados e os ajustes necessários. O indicador de Transparência será incorporado à Estratégia 2021-2026 do TRE-BA.
O órgão também tem uma imagem positiva diante da sociedade. Conforme pesquisa realizada pelo TRE-BA, 85,1% dos usuários consideram que o tribunal atende sua missão. O período da pandemia do novo coronavírus reforçou a necessidade da transformação digital dos serviços e ampliou o acesso e a interatividade. A alta administração do tribunal destaca que a pandemia da Covid-19 acabou acelerando o processo de transição digital no tribunal. Com a suspensão do atendimento presencial, foram potencializados serviços eletrônicos que, até então, não tinham previsão de serem disponibilizados, como a primeira via do título, a revisão eleitoral e todo o atendimento ao eleitor feito a distância.
Além disso, o TRE-BA lançou, por meio de sua Ouvidoria, o “Fala Cidadão”, que é um canal de comunicação que recebe dúvida do eleitor, reclamações, pedidos de acesso à informação; bem como implantou seu Balcão Virtual, disponível no Portal do órgão.
Fonte: Agência CNJ de Notícias