A Procuradoria-Geral da Fazenda não pode validar as inscrições na dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente pelo INSS, se o lançamento ocorreu antes de existir previsão legal para sua ocorrência.
Essa foi a conclusão alcançada pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que definiu duas teses sobre o tema em julgamento de recursos repetitivos na última quarta-feira (23/6). A decisão foi unânime, conforme voto do ministro relator, Mauro Campbell.
O caso é um desdobramento do Tema 598, julgado pela 1ª Seção em 2013, quando definiu que a inscrição em dívida ativa de valor decorrente de ilícito extracontratual deve ser fundamentada em dispositivo legal específico que a autorize expressamente.
Em suma, a corte proibiu a inscrição na dívida ativa de valor indevidamente recebido, a título de benefício previdenciário do INSS, pois não havia lei específica que a autorizasse. Isso tornou ilegal o artigo 154, parágrafo 4º do Decreto 3.048/1999.
Essa previsão legal passou a existir mais recentemente. A Medida Provisória 780/2017, convertida na lei 13.494/2017, permitiu inscrever na dívida ativa valores recebidos pelo titular do direito previdenciário de forma indevida.
E a Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, estendeu essa previsão contra os terceiros beneficiados que sabiam ou deveriam saber da origem dos benefícios pagos indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação.
A discussão que passou a vigorar no Judiciário foi se a entrada em vigor dessas leis teria o condão de tornar válida as inscrições na dívida ativa feitas de maneira ilegal até então.
Para o STJ, a resposta é não. A tese firmada pela 1ª Seção determina a anulação dessas inscrições. A constituição do crédito deve ser reiniciada, notificações ou intimações administrativas a fim de permitir-se o contraditório administrativo e a ampla defesa aos devedores. Só ao final será possível fazer a inscrição em dívida ativa, obedecendo-se os prazos prescricionais aplicáveis.
Nulidade inconvalidável
A tese defendida pelo INSS é de que as leis posteriores poderiam tornar válido o ato administrativo de inscrição na dívida ativa, mesmo se ocorrido antes de existir previsão legal. O entendimento se baseia no artigo 55 da Lei 9.784/1999.
A norma diz que “em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria administração”. Para o ministro Mauro Campbell, o prejuízo a terceiros na hipótese seria evidente.
“O caso sob exame não é de convalidação, mas de irretroatividade da lei (segurança jurídica mesmo), até porque, à míngua de autorização legal para a constituição (lançamento) e para a inscrição, o vício dos atos não é meramente de incompetência, mas de nulidade absoluta quanto ao próprio objeto”, defendeu.
Assim, as recentes leis não podem ser aplicadas para créditos constituídos antes de sua vigência, mesmo que a inscrição na dívida ativa tenha sido feito quando elas já operavam seus efeitos.
“O processo administrativo que enseja a constituição do crédito (lançamento) há que ter início (notificação para defesa) e término (lançamento) dentro da vigência das leis novas para que a inscrição em dívida ativa seja válida”, concluiu o ministro Mauro Campbell.
Teses firmadas
As inscrições em dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente ou além do devido constituídos por processos administrativos que tenham sido iniciados antes da vigência da Medida Provisória nº 780, de 2017, convertida na Lei n. 13.494/2017 (antes de 22.05.2017) são nulas, devendo a constituição desses créditos ser reiniciada através de notificações/intimações administrativas a fim de permitir-se o contraditório administrativo e a ampla defesa aos devedores e, ao final, a inscrição em dívida ativa, obedecendo-se os prazos prescricionais aplicáveis; e
As inscrições em dívida ativa dos créditos referentes a benefícios previdenciários ou assistenciais pagos indevidamente ou além do devido contra os terceiros beneficiados que sabiam ou deveriam saber da origem dos benefícios pagos indevidamente em razão de fraude, dolo ou coação, constituídos por processos administrativos que tenham sido iniciados antes da vigência da Medida Provisória nº 871, de 2019, convertida na Lei nº 13.846/2019 (antes de 18.01.2019) são nulas, devendo a constituição desses créditos ser reiniciada através de notificações/intimações administrativas a fim de permitir-se o contraditório administrativo e a ampla defesa aos devedores e, ao final, a inscrição em dívida ativa, obedecendo-se os prazos prescricionais aplicáveis.
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REsp 1.852.691
Fonte: Conjur