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29/06/2021

CNJ – Defensoria Pública mineira pede indenização por omissão à vida de pessoas LGBTI+ presas

A Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) ajuizou ação civil pública (processo n. 5001703-76.2021.8.13.0301) contra o governo estadual pedindo o pagamento de indenização, por danos morais coletivos, em favor das pessoas presas na Ala LGBTI+ da Penitenciária de São Joaquim de Bicas I, devido à omissão da unidade prisional em adotar medidas de prevenção ao suicídio. Só neste ano, o presídio registrou cinco casos de autoextermínio consumados, além de duas tentativas.

Conforme documentos anexos à ACP ajuizada pela DPMG, a administração foi advertida de que essas pessoas sofriam de agravos de saúde mental e apresentavam riscos de tirar a própria vida, mas mesmo assim não foram tomadas providências para evitar a ocorrências das mortes. Segundo a defensora pública Camila Sousa dos Reis Gomes e o defensor público Paulo Cesar Azevedo de Almeida, que assinam a ACP, além da omissão estatal em preservar a saúde e a vida dos detentos com doenças psiquiátricas, a unidade prisional também foi negligente em adotar cautelas no fornecimento e administração de medicamentos aos presos. Recomendações de cuidados feitas previamente por profissionais de saúde não foram acatadas, o que permitiu a ocorrência de mortes por overdose no uso de remédios.

Na ACP, datada de 24 de junho, a Defensoria pede ainda que o estado seja condenado a implantar uma unidade básica de saúde no interior do estabelecimento prisional, tendo em vista as demandas específicas das pessoas LGBTI+ privadas de liberdade. Segundo os defensores públicos na ACP, “a ocorrência de consecutivas mortes evidencia que a penitenciária não adotou medidas eficazes para evitar que vidas de presos fossem perdidas. As provas documentais deixam nítido que a unidade prisional detinha informações a respeito do quadro de saúde dos presos que faleceram, como fartos relatórios de variados profissionais, explicitando a vulnerabilidade de sua situação e até mesmo pelas repetidas tentativas de autoextermínio que antecederam as mortes”.

Além disso, conforme argumentam os defensores, embora a instituição penal tenha sido advertida sobre a necessidade de alteração de seus procedimentos de saúde para impedir, por exemplo, a autointoxicação por consumo de doses excessivas de medicamentos, a unidade continuou administrando remédios à comunidade encarcerada sem o devido rigor e controle indicados pelos profissionais técnicos.

Na ACP estão elencados casos representativos da negligência sistemática do Estado de Minas Gerais em preservar a vida, a saúde, a integridade física e psicológica das pessoas LGBTI+ recolhidas na penitenciária, omissão que resultou no falecimento de pessoas sob custódia estatal. Em um dos casos relatados, o detento, que posteriormente veio a falecer, já tinha histórico de tentativas de autoextermínio e a unidade prisional havia sido comunicada a respeito da vulnerabilidade do seu estado de saúde mental por relatórios de altas hospitalares e laudos da equipe multidisciplinar da penitenciária. Havia ainda recomendação clara de médico quanto ao controle na entrega de medicamentos ao preso.

No entanto, na data do suicídio a unidade prisional foi advertida pelo coletivo carcerário de que o preso havia ingerido dosagem inadequada de remédios e que já dava sinais de intoxicação. Mesmo ciente da gravidade da situação, a administração carcerária nada fez para evitar a consumação da morte por autoextermínio, uma vez que se recusou a ofertar ajuda ou a realizar a condução do sentenciado para atendimento médico.

Após detalhar outros casos de negligência da unidade, os defensores públicos alegam que “a conjunção de todos os fatos comprova a sistemática omissão da unidade prisional em adotar procedimentos administrativos e diligências mínimas de saúde e segurança para a preservação da vida do coletivo carcerário, expondo uma grave condescendência estatal com as mortes autoprovocadas e um descaso para com a existência das pessoas deixadas sob sua custódia”.

Responsabilidade

A ACP cita a responsabilidade civil objetiva do Estado, consagrada pelo artigo 37, § 6º da Constituição Federal e, no caso, também pelo artigo 186 do Código Civil. “Quando a relação jurídica em debate permeia pessoas sob a custódia do Estado (como é o caso dos apenados falecidos quando detidos em unidade prisional), ainda que o resultado danoso advenha de posturas omissivas, a responsabilidade civil estatal é objetiva”.

A ação aponta também problemas estruturais da unidade prisional, que abriga mais de 600 pessoas privadas de liberdade, mas revela estrutura deficiente. “Um panorama caótico, com assistência médica inadequada e adoção de medidas preventivas insuficientes, além de problemas de superlotação carcerária e existência de estrutura física precária.”

Para os defensores públicos, o governo estadual, por meio da administração prisional, falhou em não buscar meios de evitar tais situações fatais, mesmo tendo conhecimento de que os detentos manifestavam tendências de autoextermínio. Além do mais, as ações implementadas para prevenir o suicídio se deram tardiamente, após a ocorrência de quatro mortes e duas tentativas. E, mesmo assim, não foram suficientes para evitar a ocorrência de mais um episódio recente de suicídio consumado, provando o descuido estatal.

Para a defensora pública Camila Sousa dos Reis Gomes, a realidade da prisão é muito diferente daquela idealizada pela lei. “Nesse sentido, o que se percebe em nossa rotina de trabalho, especialmente quando adentramos as unidades prisionais e conversamos com as pessoas que estão ali presas, é que o sistema prisional é ambiente de desesperança, ideia esta que deve ser combatida.”

Segundo a defensora pública, a efetivação de direitos legalmente previstos é compromisso de todos os profissionais que compõem o sistema de justiça. “Os óbitos que aconteceram no interior da unidade prisional foram muitos e se deram em curtíssimo espaço de tempo, causando espanto até mesmo para quem conhece a realidade do sistema prisional, especialmente por escancarar a hipervulnerabilidade a que a população carcerária LGBTQI+ está submetida. O que pretendemos é trazer visibilidade e dignidade pra essas pessoas.”

Pedidos

Entre os pedidos da ACP, estão: alocação em caráter permanente de profissionais de saúde e de assistência social na unidade, conforme a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP); capacitação continuada dos servidores da unidade para o tratamento digno do grupo específico, conforme a Política Nacional de Saúde Integral LGBT; e adequação das práticas e procedimentos prisionais, com ênfase na prevenção do autoextermínio, conforme diretrizes do CNJ e do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

A ação pede também que o governo estadual seja condenado ao pagamento de indenização a título de danos morais coletivos e que o valor, não inferior a R$ 1 milhão, seja revertido metade na implementação de melhorias na Penitenciária e a outra metade destinada ao Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT para execução de políticas e campanhas voltadas ao estado de Minas Gerais e ao sistema carcerário.

Para o defensor público Paulo Cesar Azevedo de Almeida, a propositura da ação civil pública no mês em que se comemora o Orgulho LGBT é significativa. “Apesar dos direitos conquistados pela comunidade LGBTI+ na última década, desde o reconhecimento da constitucionalidade da união estável homoafetiva pelo STF, ainda há muito que se avançar nessa temática. Os índices de violência LGBTfóbica no Brasil são assustadores e mostram que a luta por respeito e dignidade deve se dar em todas as esferas de convívio social, exigindo a melhoria das estruturas estatais e o urgente aprimoramento de políticas públicas direcionadas a essa minoria.”

Segundo o defensor público, pessoas LGBTI+ encarceradas são expostas a um nível ainda mais agravado de vulnerabilidade e violência. “Por isso, celebrar o Orgulho LGBT não passa apenas por reconhecer e comemorar as conquistas. Pelo contrário: exige que novas lutas sejam travadas para a construção de uma sociedade mais justa, civilizada e respeitosa. E a Defensoria Pública de Minas quer fazer parte dessas mudanças e construções.”

Fonte: CNJ


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