Em março de 2021 foram 13 nascimentos para cada 10 óbitos no país. Um ano atrás, quando a pandemia mal tinha chegado, essa taxa foi de 22 para 10
SÃO PAULO — A taxa de crescimento populacional do Brasil está caindo não só pela explosão de mortalidade da pandemia, mas porque a natalidade no país está diminuindo. Demógrafos já começam a ver um efeito de um baby bust, o contrário do baby boom.
Em março de 2021 foram 13 nascimentos para cada 10 óbitos no país. Um ano atrás, quando a pandemia mal tinha chegado, essa taxa foi de 22 para 10. Nos primeiros 12 dias de abril, pela primeira vez, oito estados estão registrando menos nascimentos do que mortes, apesar de os dados não estarem consolidados. O levantamento foi feito com base em dados de cartórios da Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais).
O Rio foi o estado que mais sofreu esse efeito ao longo da pandemia. Teve redução de população, em vez de aumento, em 3 meses (maio e dezembro de 2020 e janeiro de 2021), e caminha para que isso ocorra uma quarta vez.
O Rio foi o estado que mais sofreu esse efeito ao longo da pandemia. Teve redução de população, em vez de aumento, em 3 meses (maio e dezembro de 2020 e janeiro de 2021), e caminha para que isso ocorra uma quarta vez.
Segundo demógrafos, a diferença entre nascimentos e mortes se acentuou agora porque foi quando o pico da primeira onda da pandemia completou nove meses, tempo de uma gestação. Com muitos casais adiando o plano de ter filhos, o efeito se sente agora.
— Muita gente que podia adiar a gravidez optou por isso, para evitar ter parto no meio de uma pandemia, com hospitais colapsando — diz o demógrafo José Eustáquio Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE.
— E diminuiu também o número de casamentos, porque com a quarentena é muito difícil sair em lua de mel e dar festa. E até o número de separações aumentou, com mais conflitos dos casais que não aguentam ficar em casa — afirma.
Demógrafos explicam que a chamada “transição demográfica” (a mudança de uma população que deixa de crescer e passa a diminuir por ter mais mortes do que nascimentos) estava prevista para acontecer no Brasil. Segundo o IBGE, porém, ela só viria no ano de 2047, como resultado do desenvolvimento do país.
‘Baby bust’ paulistano
Para entender se a queda na taxa de natalidade observada no Brasil nesses primeiros meses era uma oscilação normal ou já guardava a marca da pandemia, pesquisadores do Núcleo de Estudos Populacionais (Nepo), da Unicamp, começaram a observar neste mês as estatísticas de São Paulo, um município que consolida mais rápido seus dados.
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A taxa de natalidade mensal já vinha caindo na capital paulista anualmente, em cerca de 5%, o que era esperado pela transição demográfica. Em janeiro de 2021, porém, ela caiu 10%. E em fevereiro caiu 14%.
Para Everton Lima, professor do Nepo, pode haver outras razões para a queda.
— É possível que, no período de pandemia, por alguma dificuldade, casais demoraram mais para registrar as crianças — diz.
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Como um baby bust ocorreu de fato em alguns países europeus na pandemia, era esperado que isso se passasse no Brasil também.
A situação em que o país vê mais mortes do que nascimentos é inédita na História recente do país, talvez só precedida pelo genocídio da população indígena nos períodos colonial e imperial do Brasil.
Desigualdade
Na opinião de Cássio Turra, professor da UFMG, o impacto demográfico da Covid-19 no Brasil não deve perdurar muito após a pandemia, mas pode ser desigual.
— Uma pesquisa nossa, realizada antes da pandemia, demonstrou que há diferenças significativas nos níveis de mortalidade segundo o status socioeconômico dos indivíduos, como escolaridade e renda — diz o demógrafo, que conclui: — Infelizmente não se pode esperar outra coisa a não ser um agravamento dos diferenciais em razão do aumento dos níveis de mortalidade em 2020 e 2021.
Os pesquisadores ouvidos pela reportagem manifestaram preocupação com o adiamento do Censo Demográfico, que deveria ter sido feito no ano passado e corre risco de ser adiado de novo, por causa de cortes no orçamento.
A profundidade da transformação da pandemia, dizem, só pode ser capturada se os recenseadores saírem em pesquisa logo.
— Não ter um censo causaria um apagão de informação— diz José Marcos Pinto da Cunha, diretor do Nepo.
Como o último censo do país é de 2010, trabalhos de planejamento, como a distribuição de vacina, perdem eficiência, porque populações municipais não são conhecidas em detalhe. Como a pandemia as transforma ainda mais, o censo seria recurso essencial para a saúde já em 2022.
Fonte: O Globo