Angela Davis, socióloga norte-americana, certa vez afirmou que a violência contra a mulher passou a ser uma questão política por excelência, “mas é importante lembrar que há pouco mais de duas décadas a maioria das pessoas considerava que ‘violência doméstica era uma situação privada, portanto um tópico impróprio para a arena pública ou para intervenções estatais. Apenas uma geração nos separa dessa era de silêncio”. Permitam -me partir das reflexões de Davis, pois eu jamais podería dimensionar com exatidão as adversidades da vivência feminina.
A visibilidade dada à violência doméstica, enquanto questão social, cresceu desde essa fala, proferida em 2000. Entretanto, a maior consciência sobre o problema e o resgate à memória de abusos cometidos no passado estão longe de solucionar as estatísticas preocupantes. N o Brasil, contabiliza-se a média de 12 assassinatos a mulheres por dia.
Para combater essa realidade, o Poder Judiciário, além de seu papel para a aplicação de sanções exemplares aos crimes contra a honra e a integridade física e psíquica das mulheres, tornou-se um espaço de articulação de políticas que conferem máxima eficácia da Lei Maria da Penha. Um dos principais agentes dessa interlocução entre o Judiciário e os órgãos de atendimento às vítimas é o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em 2018, o CNJ instituiu a “Política Judiciária Nacional de enfrentamento à violência contra as Mulheres pelo Poder Judiciário“. A dinâmica específica entre a denunciante e o acusado – que se reflete, por exemplo, na coleta de provas – motivou a criação de unidades judiciárias especializadas não apenas nas grandes cidades, mas também no interior do Brasil. Pela mesma política judiciária, o CNJ determinou a criação das Coordenadorias Estaduais da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, vinculadas aos Tribunais de Justiça (TJs). Quanto mais esses órgãos estiverem presentes e acessíveis, maior é a sua influência positiva no comportamento das mulheres, para fazerem cessar o sofrimento, sob o método mais eficaz – a denúncia.
De modo complementar à Política Judiciária Nacional, voltada à estrutura e à organização institucional, a “Semana Justiça pela Paz em Casa” ocorre três vezes ao ano para agilizar o andamento de processos sobre violência doméstica.
Outra iniciativa paradigmática, em parceria do CNJ com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), foi a campanha “Sinal Vermelho”. Sabemos que o aumento do tempo de convívio nos lares, causado pela pandemia da Covid-19, pode agravar a rotina de agressões domésticas. Atenta a esse perigo, a iniciativa consiste em um ato simples que pode salvar milhares de vidas.
A parceria com mais de 10 mil farmácias em todo o território nacional cria uma plataforma para que as mulheres busquem ajuda, de forma discreta. Basta que compareçam com um “X” vermelho desenhado na palma da mão, símbolo que autoriza os atendentes da farmácia a contatarem as autoridades policiais.
Os desafios são complexos, mas inspiram nossos melhores esforços em prol da segurança das mais de 100 milhões de mulheres que residem no Brasil. Somente por meio de ações coordenadas entre Executivo, Legislativo e Judiciário, o Estado brasileiro será capaz de coibir a reiteração dos crimes passionais que menosprezam as mulheres, como ocorreu com Maria da Penha, e que interromperam as trajetórias de Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, Ângela Diniz, Eloá Pimentel, Mércia Nakashima e Daniella Perez, apenas para citar casos notórios.
Imbuídos desse inarredável senso de responsabilidade, almejamos que as mulheres possam desenvolver plenamente seus desejos, talentos e planos, sem quaisquer marcas e traumas ou a interrupção brusca da vida. É por todas elas que os tribunais, com a coordenação do CNJ, estão em busca das formas mais adequadas de prevenir e, no futuro próximo, erradicar a violência doméstica no Brasil.
Fonte: Conselho Nacional de Justiça