A lei civil brasileira impõe o direito de preferência para a aquisição de bem imóvel em hipóteses pontuais, tais como em condomínio de bem indivisível (art. 504 do Código Civil), e em locação (art. 27 da Lei 8.245/91). Em 17.11.2020, foi publicada importante decisão proferida pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no recurso especial 1628478-MG, sobre a matéria. O Código Civil, em seu art. 504, prescreve que “não pode um condômino em coisa indivisível vendar a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência”.
Da regra legal, verifica-se que, em condomínio indivisível, o condômino, que pretenda alienar a sua parte, deve dar ciência aos demais condôminos, para que, se for o caso, exerçam o direito de preferência na aquisição da quota parte, desde que depositem o preço correspondente ao ofertado a terceiro no prazo decadencial de 180 dias a contar da ciência. No caso examinado, o condômino não efetuou a prévia notificação dos demais condôminos, tendo celebrado com terceiro escritura pública de compra e venda que foi levada a registro perante o Cartório de Imóveis, adotando-se um preço abaixo do que efetivamente foi praticado no contrato de promessa.
Houve a discussão de dois aspectos legais: (1) da forma pela qual deve ser dar a notificação que viabilize o direito de preferência do condômino na aquisição de parte do bem imóvel em condomínio e (2) o parâmetro do valor do negócio a ser considerado para tal fim. O conhecimento pelos demais condôminos da pretensão de compra e venda pode se operar por notificação, judicial ou extrajudicial, previamente enviada pelo condômino, ou por outros meios de ciência inequívoca. Um dos exemplos de ciência inequívoca consiste no registro da escritura pública de compra e venda perante o Cartório de Imóveis, oportunidade em que se dá ciência a todos pela eficácia erga omnes. É possível, inclusive, que, tomando informalmente ciência do contrato particular de promessa de compra e venda, o condômino preterido exerça o direito de preferência, independentemente do registro do negócio jurídico perante o Cartório de Imóveis (STJ, REsp 198516/SP, rel. Min. Barros Monteiro). De outro lado, em relação ao preço, o condômino deve se submeter às mesmas condições ofertadas a terceiro, tanto em relação ao preço como das condições em geral (prazo e forma de pagamento).
Quando há contradição entre os valores ajustados em contrato de promessa e o previsto na escritura pública, qual deve ser o parâmetro a ser adotado? Como o Código Civil, em seu art. 215, estabelece que a escritura pública é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena das informações que nela contiverem, em havendo confronto entre o valor previsto em contrato particular de promessa de compra e venda e o descrito na escritura pública de compra e venda, deve prevalecer a informação constante do documento público.
Neste sentido, a 4ª Turma do STJ já decidira, em mais de uma oportunidade, que a escritura pública é ato realizado perante o notário e que revela a vontade das partes na realização de negócio jurídico, revestida de todas as solenidades prescritas em lei, demonstrando de forma pública e solene a substância do ato, gozando seu conteúdo de presunção de veracidade, trazendo maior segurança jurídica e garantia para a regularidade da compra, e não podem os vendedores se valer da própria torpeza para impedir a adjudicação compulsória, haja vista que simularam determinado valor no negócio jurídico publicamente escriturado, mediante declaração de preço que não refletia a realidade, com o fito de burlar a lei, pagando menos tributo (REsp 1.175.438/PR, rel. Min. Luis Felipe Salomão e AgInt no REsp 1319234-MG, rel. Min. Maria Isabel Gallotti).
Portanto, em casos de direito de preferência por força de lei, como ocorre no condomínio indivisível e na locação, os demais condôminos ou locatário têm o direito de exercer a preferência na compra, no prazo de 180 dias, a contar da notificação ou da ciência inequívoca (registro da escritura pública no Cartório de Imóveis), devendo se submeter às mesmas condições acordadas na escritura pública de compra e venda, ainda que em confronto com contrato particular de promessa de compra e venda.
Fonte: Tribuna do Norte