- A Lei nº 11.441/07 conferiu nova redação ao art. 982 do CPC, prevendo a possibilidade de fazer o inventário e a partilha por escritura pública desde que capazes e concordes todos os interessados.
- A realização do inventário pela via extrajudicial não implica vinculação do rito, para posterior pedido de levantamento de valores depositados em conta bancária, podendo a parte interessada ingressar na via judicial com o pleito de liberação dos valores por alvará.
Apelação Cível nº 1.0637.12.001288-4/001 - Comarca de São Lourenço - Apelante: Maria de Lourdes de Almeida - Relatora: Des.ª Ana Paula Caixeta
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em dar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 22 de agosto de 2013. - Ana Paula Caixeta - Relatora.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
DES.ª ANA PAULA CAIXETA - Cuida-se de apelação cível interposta por Maria de Lourdes de Almeida em face da sentença de f. 20, que, nos autos do "requerimento de alvará" proposto com fundamento na Lei nº 6.858/80, indeferiu o pedido de alvará formulado na inicial e, por via de consequência, julgou extinto o processo, com fundamento no art. 267, VI, do CPC.
Inconformada, a requerente interpôs o presente recurso, objetivando a reforma do decisum, sob o argumento de que a sentença, acatando o parecer do Ministério Público, desconsiderou que foi realizado inventário extrajudicial e indeferiu o pedido de alvará; que o parecer do Ministério Público se fundamentou na necessidade de abertura de inventário diante da existência de outros bens a inventariar, além dos saldos bancários; que é a única herdeira, conforme atestado na certidão de óbito; que, após o inventário extrajudicial, tomou ciência da existência de conta bancária em nome do falecido; que o inventário foi realizado com base na Lei nº 11.441/2007, que alterou o art. 982 da Lei nº 5.869/73, pois o falecido não deixou filhos menores ou herdeiro incapaz; que o inventário se findou em 19 de janeiro de 2012, sendo que até essa data não tinha conhecimento dos valores que pretende levantar (f. 21/24).
Ausente o preparo, uma vez que a apelante requer os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Ministério Público na 1ª instância, por seu Promotor, Dr. Antônio Borges da Silva, opinou pelo provimento do recurso (f. 29)
O ilustre Procurador de Justiça, Dr. César Antônio Cossi, entendeu não ser o caso de intervenção ministerial (f. 35/38).
Defiro o benefício da justiça gratuita, considerando que a requerente é viúva, aposentada e pretende levantar a quantia de R$206,04 (duzentos e seis reais e quatro centavos) da conta nº 2513, agência 8871, do Banco Itaú.
Presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.
Na sentença (f. 20), o MM. Juiz a quo acatou integralmente o parecer do Ministério Público, que, por sua vez, consignou, referindo-se aos arts. 1º e 2º da Lei nº 6.858/80, que:
"Como se vê, referido dispositivo legal não autoriza o resgate de saldos bancários quando existirem outros bens sujeitos ao inventário, o que é o caso dos autos, em que o falecido deixou outros bens, conforme consta na certidão de óbito de fls. 07.
O pedido de alvará pleiteado pela requerente não se revela possível, de forma autônoma, sendo que necessária a abertura do procedimento de inventário para tal fim. [...]
Ademais, é imprescindível que a requerente faça prova de que é herdeira do falecido" (f. 17/19).
Consta, na certidão de óbito de f. 07, que o de cujus, Antônio Francisco de Almeida, era casado com Maria de Lourdes de Almeida, "com quem se casara na 5ª circunscrição - Freguesia de Lagoa e Gávea, Copacabana - Rio de Janeiro - RJ (assento nº 3844, f. 187, L-236) aos 01/12/1978", não deixou filhos e deixou bens. Entendo, portanto, que a prova da condição de herdeira consta dos autos.
Também consta nos autos cópia da escritura pública de inventário extrajudicial de Antônio Francisco de Almeida, datada de 21.12.2011, pela qual a requerente, como única herdeira do falecido, recebeu o único bem inventariado, um apartamento no Condomínio Edifício Lisboa (f. 09/10).
O art. 982 do CPC, com redação dada pela Lei nº 11.441/2007, confere aos herdeiros a possibilidade de promover o inventário e a partilha por escritura pública quando todos forem capazes e concordes, mas não os obriga a tanto, cabendo a escolha do procedimento aos interessados, e não ao julgador. A propósito, dispõe o caput do referido artigo:
"Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário".
Pela leitura do dispositivo, denota-se ser faculdade dos interessados a realização de inventário pela via administrativa ou judicial.
No mesmo diapasão, é o regramento contido no art. 2º da Resolução nº 35 do CNJ, que disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro:
"Art. 2° É facultada aos interessados a opção pela via judicial ou extrajudicial; podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão, pelo prazo de 30 dias, ou a desistência da via judicial, para promoção da via extrajudicial".
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, em seus comentários ao Código de Processo Civil, anotam:
"É opção das partes maiores e capazes e que estejam de acordo quanto ao inventário e à partilha realizar o inventário pela via judicial ou extrajudicial. Ainda que não haja lide, isto é, que as partes estejam de acordo, o inventário amigável pode ser feito pela via judicial, por procedimento de jurisdição voluntária. No curso de processo de inventário judicial iniciado de forma litigiosa ou por imposição legal (CC, 2.016), pode haver superveniência de acordo entre as partes e/ou capacidade do interessado incapaz, situação em que se admite transação que, se deduzida por termo nos autos ou por escrito particular, deve ser homologada pelo juiz (CPC, 1.031 e CC, 2.015). Caso os interessados optem pela escritura pública (CPC, 982 e CC, 2.015), esta terá ingresso no registro imobiliário independentemente de homologação judicial, devendo ser extinto o inventário por ausência superveniente do interesse processual (CPC, 267, VI). A escritura pública, neste último caso, é da substância do ato (forma ad substantia). Na hipótese de a partilha ser realizada por instrumento particular, deve ser necessariamente homologada pelo juiz, para que possa ter eficácia" (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 1.196).
Nesse sentido, posiciona-se este eg. Tribunal de Justiça:
"Ementa: Inventário - Escritura pública - Lei 11.441 - Faculdade para a parte - Extinção do processo - Impossibilidade. - O instituto da partilha em inventário revela interesses múltiplos, razão por que, independentemente da previsão de possibilidade de os herdeiros concordes realizarem o inventário através de escritura pública, contida na Lei n° 11.441, não enseja a extinção do processo sem julgamento do mérito (Apelação Cível 1.0105.12.008663-9/001, Des. Antônio Sérvulo, DJe de 17.05.2013).
"Ementa: Apelação - Inventário - Processo extinto por ausência de interesse processual - Impossibilidade - Via extrajudicial - Lei nº 11.441/2007 - Faculdade - Sentença cassada. - A Lei nº 11.441/07 conferiu nova redação ao art. 982 do CPC, prevendo a possibilidade de fazer o inventário e a partilha por escritura pública desde que capazes e concordes todos os interessados. Facultou-se a esses interessados, por conseguinte, a escolha entre a via administrativa ou a judicial. A utilização do termo “poderá” demonstra o objetivo do legislador de criar uma alternativa para evitar a instauração de processos no Judiciário, prestigiando a celeridade processual. Assim, podem as partes escolher o que melhor lhes convier para a solução do procedimento do inventário e partilha dos bens, utilizando tanto a jurisdição judicial como a escritura pública. Inconcebível, pois, ter-se por desnecessária a propositura de inventário apenas porque maiores e concordes herdeiros e interessados" (Apelação Cível 1.0105.11.034049-1/001, Des. Peixoto Henriques, DJe de 06.05.2013).
O mesmo raciocínio se aplicaria a outros bens descobertos após encerramento da partilha, então formalizada na via extrajudicial, porquanto inexistente comando legal de vinculação de ritos. Nesse caso, caberia à herdeira, inclusive quanto aos bens descobertos após o encerramento do inventário, a escolha entre a via administrativa ou a judicial.
Vale observar, no entanto, que, as instituições bancárias condicionam o levantamento de valores depositados em conta judicial de pessoa falecida à apresentação de alvará judicial, sendo justificada a escolha pela via judicial.
Verifico, inclusive, que, após os esclarecimentos feitos pela requerente na apelação, o ilustre Promotor de Justiça, que, antes havia opinado pelo indeferimento do pedido, mudou de entendimento, opinando pelo provimento do recurso:
"Tenho que razão assiste à apelante. Com efeito, me penitencio por não ter atentado para o documento de f. 09 por ocasião de minha manifestação de f. 18/19.
Realmente, referido documento demonstra que os bens deixados pelo falecido foram inventariados por via de escritura pública e aponta como única herdeira a requerente, embora não tenha juntado aos autos prova de que casada ou companheira do de cujus.
Ora, descoberto posteriormente ao encerramento do inventário que o falecido deixou o título objeto de resgate, por via do presente alvará, não há qualquer impedimento legal de que o pedido seja deferido.
Isso posto, opina o Ministério Público pelo conhecimento e provimento do presente recurso" (f. 29).
Observo que não existem outros interessados e o Ministério Público já foi ouvido (art. 1.105 do CPC), estando a causa pronta para julgamento.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso para reformar a sentença, julgando procedente o pedido inicial para determinar a expedição de alvará em nome da requerente, visando ao levantamento dos valores depositados em nome de Antônio Francisco de Almeida, na conta nº 2513, agência 8871, do Banco Itaú.
A exigibilidade do pagamento das custas processuais fica suspensa, nos termos do art. 12 da Lei nº 1.060/50.
Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Moreira Diniz e Dárcio Lopardi Mendes.
Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.