Diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, a magistrada e escritora Andréa Pachá é finalista do 61º Prêmio Jabuti, que será entregue em cerimônia, nesta quinta-feira (28), em São Paulo. Ela concorre na categoria Crônicas pelo livro Velhos são os outros, com o qual transformou em ficção as histórias reais acompanhadas em sua rotina em uma Vara de Sucessões.
Sua experiência, até então, havia sido de duas décadas à frente de uma Vara de Família. Divórcios, pensão, guarda e convivência familiar foram matéria-prima para os seus dois primeiros livros: A vida não é justa e Segredos de justiça. De tanto sucesso, se tornaram série do Fantástico, na TV Globo - com o segundo título.
A redução da capacidade, a deterioração do corpo e da memória e o cerceamento da autonomia dos idosos foram fatores que despertaram a autora para sua terceira incursão literária. Em Velhos são os outros, ela narra as alegrias, dores, descobertas e perdas decorrentes da longevidade.
“É um desafio ser velho em uma sociedade que incensa a juventude, a beleza, o consumo. É um desafio envelhecer e ser respeitado com a fragmentação do trabalho, da previdência”, destaca Pachá.
Concorrendo com Ruy Castro (A arte de querer bem), Fabrício Corsaletti (Perambule), Fernanda Young (indicação póstuma por Pós-F: Para além do masculino e do feminino) e Míriam Leitão (Refúgio no sábado), Andréa Pachá comemora a indicação ao mais importante prêmio literário do Brasil, neste ano em que nossas artes foram submetidas a diversas formas de censura.
A magistrada afirma que escrever é parte integrante de sua vida. Com seus livros, busca aproximar os mais leigos dos bastidores dos processos e da Justiça. “Quem sabe, pela ficção, seja possível desmistificar o ambiente e aproximar o leitor de questões que dizem respeito ao seu cotidiano?”, torce.
1) Algum fato ou caso, em especial, te motivou a investir na abordagem do livro Velhos são os outros?
Quando fui removida para o Juízo da 4ª Vara de Órfãos e Sucessões da Capital (do Rio de Janeiro), comecei a lidar com questões que envolviam a redução da capacidade e a deterioração do corpo e da memória, especialmente nos processos de curatela.
Aos poucos, fui percebendo que mesmo o idoso que não é acometido por alguma doença ou incapacidade física é paulatinamente silenciado pela família, pelos amigos, pela sociedade.
A partir daí, fui estabelecendo uma escuta mais afinada, para entender se estamos, de fato, protegendo os idosos em razão da vulnerabilidade, ou impedindo que eles exerçam a autonomia, por meio de escolhas, desejos e decisões.
2) Quais os principais desafios enfrentados, atualmente, pelas pessoas idosas no ordenamento jurídico brasileiro?
Não acredito que os desafios digam respeito ao ordenamento jurídico. Aliás, a excessiva judicialização da vida tem nos levado a expectativas inalcançáveis. Envelhecimento é uma questão complexa, que envolve muitos saberes e valores humanos e morais.
É um desafio, por exemplo, ser velho em uma sociedade que incensa a juventude, a beleza, o consumo. É um desafio envelhecer e ser respeitado, com a fragmentação do trabalho, da previdência.
A sociedade será impactada pelo processo de envelhecimento. Em 2050, seremos 23% de idosos. Temos que nos preparar para acolher respeitosamente a velhice, estabelecendo políticas de moradia, saúde, cuidado e acolhimento.
Pouco importa que tenhamos uma excelente legislação protetiva, se não conseguirmos efetivar os direitos e garantias ali previstos.
3) A senhora ministrou a palestra de abertura do XII Congresso Nacional do IBDFAM, que trouxe como tema "Famílias e Vulnerabilidades". Como analisa a situação das pessoas idosas no segmento das famílias vulneráveis?
É inegável que há vulnerabilidade no envelhecimento, daí a razão para a proteção normativa. A ação natural do tempo, em regra, limita o corpo, impacta a memória, e, na maioria das vezes, vem acompanhada de doenças que exigem cuidados específicos para que o idoso não seja espoliado ou desprotegido em razão da idade.
As famílias precisam se preparar para enfrentar o envelhecimento. Se projetos são discutidos, se ao longo da vida há discussão sobre o patrimônio, sobre tratamentos para o caso de doenças, sobre escolha de responsáveis, no caso de necessidade de uma curatela futura, as dores podem ser reduzidas e a família pode encontrar formas de viver o envelhecimento de maneira mais leve e assertiva.
4) Como a autoria de livros se insere em sua trajetória jurídica? O que te levou a investir na área?
Escrever é parte integrante da minha vida. A trajetória jurídica me permitiu observar o mundo e as pessoas de um lugar extremamente privilegiado. As contradições, as paixões, ressentimentos, a precariedade, enfim, da nossa condição humana, é um material excepcional para a literatura.
Ao escrever histórias de ficção, inspiradas em casos reais, de alguma forma, consegui organizar melhor meu pensamento para atuar de uma forma mais generosa e compreensiva nos processos em que decido.
5) O que a indicação ao Prêmio Jabuti representa na sua carreira? Como mensurar esse reconhecimento?
Inicialmente, meu livro havia sido indicado como um dos 10 finalistas do Prêmio. Depois, passou para um dos cinco finalistas. A indicação, para mim, já representa uma grande honra e reconhecimento. Figurar dentre autores excepcionais como Fernanda Young, Ruy Castro, Míriam Leitão e Fabrício Corsaletti é uma enorme alegria.
Levar para o ambiente da Literatura, a realidade na qual trabalhamos é uma experiência incrível. Há uma grande fantasia e desconhecimento sobre os bastidores dos processos e da Justiça. Quem sabe, pela ficção, seja possível desmistificar o ambiente e aproximar o leitor de questões que dizem respeito ao seu cotidiano?
6) Fale-nos, por favor, sobre a importância de valorização da literatura, especialmente neste ano em que a censura voltou a ser assunto.
Somos seres do afeto e da cultura. A literatura é um canal importantíssimo para a compreensão do nosso lugar no mundo. Muitas vezes, compreendemos conflitos e contradições por personagens que só existem nas páginas de ficção. O jogo da representação, a capacidade de construir metáforas e contar histórias nos irmana em humanidade.
Só há possibilidade do exercício dessa linguagem, quando há liberdade. O fantasma da censura que nos assombra deve ser enfrentado com coragem, afeto e humor, antídotos eficientes contra o arbítrio e o ódio.
Fonte: IBDFAM