Tarefa conhecida como trabalhosa e burocrática, adotar uma criança no Brasil é ainda mais difícil quando a vontade parte de casais homossexuais. Do ponto de vista jurídico, não há nenhum entrave para o processo , mas gays ainda esbarram na visão conservadora de alguns juristas e no preconceito social, a começar na própria família, conforme relatos de quem vivencia a situação na prática.
Dos 200 habilitados para a adoção na Vara Cível da Infância e da Juventude de Belo Horizonte desde 2010, oito são famílias formadas por homossexuais – 4% do total, sendo cinco casais femininos e três homens solteiros –, das quais duas ainda não conseguiram guarda provisória ou adoção definitiva. “Percebemos mais casais homoafetivos na fila de adoção. Antes, eles só procuravam (adotar) individualmente, o parceiro não se habilitava”, observa o juiz da vara, Marcos Flávio Lucas Padula.
Já a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) informa que, muitas vezes, a própria Justiça dificulta a inserção do nome das duas pessoas na certidão do filho. “A criança adotada já começa a vida nova com menos direitos. Se uma das partes morrer, ela pode ficar sem a herança”, comenta o presidente da entidade, Carlos Magno Fonseca.
É o caso de duas moradoras de Belo Horizonte, a pedagoga Soraya Menezes e a psicóloga Suely Martins, que há cinco anos adotaram uma menina. Apenas o nome de Suely consta na certidão de nascimento da criança, embora as duas tenham decidido pela adoção e formem uma família. “Estamos com processo na Justiça para alterar a certidão e incluir a dupla maternidade”, diz Soraya.
Polêmica. Favorável ao reconhecimento da dupla maternidade ou paternidade, o juiz Marcos Flávio Lucas Padula reconhece que há setores mais conservadores no Judiciário. “É consenso que nenhum fator intrínseco da homoafetividade implique prejuízos para as crianças. Mas é claro que existem posições contrárias, que divergem sobre possíveis problemas e constrangimentos que a criança possa sofrer”, pondera.
O presidente da ABGLT diz que muitas vezes essa visão repercute em outras etapas da adoção, como na fase de entrevistas com assistentes sociais. “Ainda há muita dificuldade de aceitação em vários setores da sociedade”.
Exemplo disso é a discriminação enfrentada em casa, no trabalho e na escola. “Há o preconceito ‘invisível’, quando a pessoa fala ‘nossa, mas ela é tão educada’, como se tivesse de ser mal-educada por ser criada por duas mulheres”, relata Soraya.
O psicanalista Paulo Roberto Ceccarelli diz que é comum as pessoas centrarem os possíveis problemas da criança na opção sexual de quem cuida delas. “Tenho pacientes com dificuldade de aceitar a adoção pela exposição social. Eles escondem que são gays, e a família finge que não vê”, conclui.